Mário Raposo, reitor da Universidade da Beira Interior (UBI), crítica o facto de o Estado não ressarcir a sua academia dos 50 milhões de euros que diz estarem em falta pelo subfinanciamento a que a instituição foi votada durante muitos anos. Em entrevista fala da necessidade de ampliar a Faculdade de Ciências da Saúde e de novos espaços para as artes e letras. Diz ainda que o caminho para o país dar o salto está na investigação e na inovação, o que requer mais investimento do Estado nessas áreas.
No aniversário da UBI solicitou ao novo Governo que compense a instituição pelos desequilíbrios financeiros causados por 15 anos de subfinanciamento, através da assinatura de um contrato-programa. Que resposta obteve da tutela?
Até agora o Governo tem-se limitado a cumprir a fórmula de financiamento que vinha da tutela anterior, a qual tem um fator de correção a médio prazo, para quem 2027 as universidades subfinanciadas atinjam o orçamento padrão. A UBI irá perder, tal como outras instituições, o dinheiro que não nos foi atribuído no passado. Isto é muito gravoso para uma instituição pequena, na medida que as verbas que foram desviadas tinham contribuído significativamente para que a UBI conseguisse fazer algumas obras necessárias, como o alargamento da Faculdade de Ciências da Saúde - que tem tido uma procura muito grande por parte dos alunos e que, a pedido de vários ministros, tem vindo a aumentar as suas vagas -, e da Faculdade de Artes e Letras – onde é necessário um plateau, gabinetes e espaços para as artes. Como estamos também inseridos na parte histórica da cidade, onde é difícil fazer intervenções, há um projeto que gostaríamos de concretizar, que passa por implementar um novo edifício por cima do estacionamento do Museu para apoio às artes e letras. A correção que vai sendo feita até 2027 não é suficiente para isso. É uma promessa que foi feita à Faculdade que teremos que cumprir. Por outro lado, no caso da Faculdade de Ciências da Saúde, alargando-a permitir-nos-ia libertar as salas da fábrica do Moço, onde os alunos de têm aulas, para as artes e a informática.
Para além da Saúde e das Artes, a Arquitetura é outra área que necessita de espaço?
É uma área que nos preocupa. Por cima do estacionamento das engenharias temos um piso superior que não é utilizado onde facilmente faríamos um pavilhão para dar mais espaço à arquitetura. Com tudo isto resolveríamos o problema da falta de espaços da universidade.
Deu aqui alguns exemplos, mas com os 50 milhões de euros que a UBI diz estarem em falta por parte do Estado, devido ao subfinanciamento a que foi submetida, muito mais poderia ter sido feito...
Claro, os 50 milhões permitiriam fazer aquilo que consideramos fundamental e em que estamos a trabalhar, que é, no caso das Ciências da Saúde, avançarmos para a cirurgia robótica. Hoje o ensino da medicina não é apenas a formação tradicional, deve ter estas áreas inovadoras, tecnológicas e da inteligência artificial. Estamos já a fazer alguns cursos, através do aluguer do robô Da Vinci que é muito utilizado nos hospitais. Esse equipamento custa um milhão 250 mil euros. São investimentos muito elevados. Se tivéssemos os tais 50 milhões de euros, faríamos o alargamento da Faculdade o que permitiria criar uma sala de simulação cirúrgica e, simultaneamente, criar uma ligação direta ao hospital, que garantiria que os doentes a pudessem também utilizar. Deste modo, os alunos assistiriam, em tempo real, às cirurgias. Ainda assim, nós estamos a trabalhar e a criar um espaço mais pequeno para a simulação cirúrgica, através de fundos do PRR a que nos candidatámos.
Esses 50 milhões permitiriam também o rejuvenescimento do corpo docente?
Claro. A UBI, apesar de ser uma universidade jovem, encontra-se numa fase em que muitos dos seus professores estão a chegar à idade da reforma. Há áreas em que ainda não conseguimos ter um corpo docente estabilizado, pois são áreas novas. Fruto do subfinanciamento a que temos sido sujeitos, ultrapassamos as dificuldades através de docentes contratados. Falo das artes e da arquitetura, onde é necessário criar estabilidade para os professores, mas também de outras áreas como as Ciências Sociais e Humanas, onde já se nota o envelhecimento da classe docente.
O PRR encerra em 2026, os investimentos previstos pela UBI em que fase se encontram?
Neste momento todos os projetos estão em execução, como as residências - concluímos a residência 1, a 3 está em obras, a da Boa Vista foi agora adjudicada, o planetário está em fase de finalização e vamos avançar com o concurso das residências 4 e 5. Ao nível da eficiência energética todos os projetos estão em execução, na Faculdade de Ciências da Saúde, na UBIMedical e na Associação de Estudantes. Para além das obras, no âmbito dos consórcios da saúde na região centro, há um acordo entre a nossa Faculdade de Ciências da Saúde, a Faculdade de Medicina de Coimbra e os Politécnicos em que as verbas foram distribuídas e estão a ser aplicadas. As agendas mobilizadoras têm uma execução de 70 a 80%.
E que outras apostas a UBI pretenderia fazer caso haja ainda verbas disponíveis do PRR?
Gostaríamos de reequipar laboratórios. Os equipamentos científicos, com o avanço das tecnologias, têm uma amortização acelerada. Ao fim de dois anos estão obsoletos. Ora, se pretendemos manter um ensino de qualidade e competitivo, que dê as respostas que o país necessita a nível da economia, os profissionais que são formados ao nível das instituições têm que ter capacidade de resposta ligada às novas tecnologias e aos novos equipamentos. Portanto, tudo o que ainda for possível ao nível do PRR será aplicado nos laboratórios. Caso haja redistribuição de verbas que não sejam gastas, nós, as universidades, sabemos muito bem onde as iremos aplicar. Seria mais uma almofada para as instituições.
E seriam fáceis de executar, uma vez que se trata de aquisição de equipamentos...
Sim, mas equipamentos muito caros. Uma RMN (Ressonância Magnética) custou-nos mais de um milhão de euros. Tivemos um problema com o magnetómetro e só o arranjo orçamentou em 100 mil euros. Outro exemplo: um microscópio óptico custa centenas de milhares de euros. Não se faz investigação sem se ter equipamentos de ponta, pelo que as verbas do PRR podem ser facilmente aplicadas neles.
E ao nível do Portugal 2030?
Sou muito crítico ao 2030. Ele não é igual em todas as regiões. A nossa (Centro) tem nove instituições de ensino superior. Acontece que temos menos dinheiro alocado ao ensino superior do que, por exemplo, a região Norte. Por isso, não dá! É uma estratégia do país. Sabemos que as regiões têm um peso muito grande das autarquias, as quais atuam muito em termos próprios e pouco em termos daquilo que são outras áreas. Assim, o dinheiro é alocado a outras áreas e pouco para as universidades.
Mas essa foi uma decisão da própria CCDRC...
Sim, mas a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC) queixa-se que teve menos verbas que as outras CCDR’s do país. Eu já critiquei essa opção. Mas o facto é que a região Centro tem mais instituições de ensino superior que outras regiões do país, pelo que o 2030 não vai dar resposta às suas necessidades em termos de renovação e para alavancar um sistema científico importante para o país. Repare que Portugal tem um problema complicado ao nível da produtividade. E a produtividade de um país não aumenta porque temos um valor baixo de produção industrial, o qual está relacionado com as cadeias de valor. Ora, nessa cadeia, a maior parte do valor centra-se a montante, na produção e inovação, e a jusante na marca e reputação. Portugal está concentrado na parte da produção, que é aquela que tem menos valor acrescentado. Por isso, como só nos preocupamos com a produção, o valor do produto final é baixo e não conseguimos pagar melhor às pessoas. Só conseguimos inverter isso com uma aposta clara na investigação e na inovação, com mais verbas para as instituições de ensino superior e de investigação. Tem que ser uma aposta estratégica do país, pois é mais difícil trabalhar na marca. Andamos a investir 1,5% do PIB desde os anos 90 do século passado, e não passamos disto! Quando olhamos para os países que apresentam produtos inovadores verificamos que o investimento ultrapassa os 3, os 4 ou os 5% do seu PIB. E nós podemos fazer isso, exigindo que a investigação seja aplicada! Isso permitiria que as universidades ficassem mais ligadas ao mercado e estimularia a inovação, o empreendedorismo e o aparecimento de startups. Não há outro caminho que não seja este para o país dar o salto.
Mudando de assunto e abordando a questão formativa. Estão previstas novas ofertas?
As ofertas que tínhamos que fazer a nível nacional estão feitas. Há ajustamentos que poderão ser feitos. A única falta que temos na nossa oferta é o Direito. Mas as exigências de qualidade, e bem, que a A3ES impõe às universidades são elevadas e obrigam a ter um corpo docente altamente qualificado. Para iniciarmos um curso de direito teremos que ter, no mínimo, sete ou oito professores doutorados. Mas não os há disponíveis no mercado, nem a UBI tem capacidade financeira para o fazer. É um projeto que está em stand by.
O RJIES está em revisão, já há uma proposta do Governo em cima da mesa. O que lhe parece?
É uma proposta que já mereceu alguns comentários por parte do Conselho de Reitores. Entendemos que a questão do sistema binário está mal esclarecida. O país tem que dizer o que quer nesta matéria. No que respeita à representatividade para as eleições das instituições, entendo que o Conselho Geral é um órgão importante mas está demasiado politizado, pelo que retirando-lhe a responsabilidade de eleger o reitor é positivo. O modo de eleição do reitor, seja por votação universal, seja por um colégio, é-me indiferente. A eleição deve estar fora do Conselho Geral. No que respeita à proposta apresentada (ponderação de pelo menos 30% para docentes/investigadores; 10% pessoal técnico/não docente; 25% estudantes; 25% alumni) é algo que vai ter alguma discussão. No entanto, a questão dos antigos alunos coloca-se. Não estou contra o facto deles estarem envolvidos no processo. O problema é como vão ser feitos cadernos eleitorais credíveis com alunos que tenham saído da instituição há cinco anos, quando a lei de proteção de dados torna difícil o acesso às pessoas. Por outro lado, corre-se o risco de um antigo estudante ser alumni de licenciatura numa universidade, ser alumni de mestrado noutra, de doutoramento numa outra ainda e ser professor de uma IES diferente. Nesse caso votaria em quatro instituições diferentes? No que respeita às percentagens de ponderação considero que é excessivo o peso dos alumni e que entre o de professores/investigadores em conjunto com o dos técnicos/pessoal não docente deve ser superior aos 50%. Já o período de seis anos de mandato parece-me bem.
E a transição como é que pode ser feita?
É algo que tem que ser visto. Os reitores atuais não podem ter mais seis anos pela frente. Na minha perspetiva as eleições que coincidissem com este processo, teriam o prolongamento de mais dois anos, ou seja faziam seis anos de mandato. Isto no caso de estarem a cumprir o primeiro mandato. No caso das eleições ocorrerem antes faziam mais quatro anos, no total de oito.
E o reforço da autonomia das instituições está espelhado nesta proposta?
As IES precisam de mais autonomia. Ela fundamental para os vários órgãos. Por outro lado, não é justo, por exemplo, que o Reitor não possa comprar um veículo e andamos a fazer deslocações em carros alugados, a pagar um valor muito superior. Só nos permitem fazer alugueres de longa duração para carros elétricos ou híbridos. No Porto ou em Lisboa isso até pode ser viável, pois todas as deslocações são feitas numa área de 50 ou 60 quilómetros. No nosso caso ficamos limitados pois não conseguimos chegar a Lisboa e ficamos parados a meio do caminho. O outro problema que está no RJIES, e que eu levantei, está relacionado com o levantamento do património imobiliário das instituições. Não é em seis meses que conseguimos regularizar património que vem muito de trás, ou porque é do próprio Estado e se consegue transferir de um ministério para o outro, ou porque há heranças indivisas que dificultam o registo.
Uma última questão. A UBI foi pioneira na constituição de uma universidade europeia. Que balanço faz da UNITA?
Tivemos uma visão importante ao nos ligarmos a uma aliança europeia, a UNITA. A Aliança foi alargada em número de parceiros e em tempo (ate 2029). A UNITA permite mobilidade de professores, investigadores, alunos e funcionários. Isto traz sinergias, pois há instituições que têm equipamentos de ponta e que nós podemos utilizar e vice-versa. Estão a ser preparados cursos com os parceiros da rede. No entanto, em Portugal o apoio às IES que integram essas alianças é diferente. Nos outros países são aprovados os projetos e o Estado complementa com verbas suas o dinheiro em falta para a concretização desses projetos. Aqui isso não acontece. Continuamos assim a ter condições diferentes dos nossos parceiros.