Após vários voos exigindo minúcia e paciência, Ben Nyberg e os investigadores do Grupo de Botânica da Madeira respiraram de alívio quando o sistema de drones concebido para recolher plantas raras de escarpas inacessíveis aterrou hoje com uma ‘marcetella madeirensis’.
Foi a terceira recolha de plantas endémicas em escarpas inacessíveis da região, através dos drones Mamba, uma conjugação de dois equipamentos, já utilizada no Havai e a operar pela primeira vez na Europa.
No âmbito da prospeção realizada durante a semana, foram feitas recolhas durante uma semana, sendo que uma delas aponta, segundo os investigadores, para uma nova espécie.
Acompanhámos, no dia 11 de julho, a operação de Ben Nyberg, cientista que trabalha no Jardim Botânico do Havai e ajudou a criar esta inovação tecnológica, começou pouco depois das 10h00, na freguesia do Curral das Freiras, no coração da ilha da Madeira.
Foi feita uma primeira prospeção com um drone normal e, às 10:44, entrou em cena o sistema Mamba, composto por dois drones, um de maior dimensão e outro, na parte da frente, com umas pinças destinadas à recolha.
Nos primeiros voos a planta acabou por cair do drone, mas cerca de uma hora depois os investigadores finalmente aplaudiram a chegada da ‘marcetella madeirensis’ no equipamento pilotado por Ben Nyberg.
“É uma planta endémica da ilha da Madeira, exclusiva. É uma planta do sul da ilha, que só existe nestes socalcos metidos no meio das ravinas. É uma planta que pertence à família das rosas […] e tem os sexos separados, portanto, femininas e masculinas, o que aumenta a dificuldade na conservação, porque, obviamente, se não tiverem masculinas e femininas juntas não vamos ter sementes e, portanto, é uma questão complexa”, explicou o professor Miguel Sequeira, coordenador do Grupo de Botânica da Universidade da Madeira.
O grupo vai fornecer as sementes ao Instituto de Florestas e Conservação da Natureza, que guardará “os frutos e as sementes com reserva genética”, indicou.
O Grupo de Botânica fará aquilo que costuma fazer com todas as plantas raras, acrescentou Miguel Sequeira: “Vamos recolher algumas folhas que estão ali em condições mais verdinhas, vamos utilizá-las para extrair DNA, vamos guardar esse DNA para estudos futuros de genética populacional para vermos se continua a existir, qual é o padrão de diversidade que existe dentro e fora das populações.”
O professor realçou que na segunda-feira foi possível, pela primeira vez na Madeira e na Europa, “ir a uma falésia sem riscos para ninguém […] para ir apanhar uma semente”.
Em 2022, a equipa de investigadores já tinha localizado uma população que “parecia peculiar”, à qual ainda tentou chegar a pé, sem sucesso, e na segunda-feira conseguiu recolhê-la junto ao Cabo Girão.
Chama-se ‘Cheirolophus’, um género único na Madeira, mas “é muito provável que de facto seja uma espécie nova”, que agora carece de confirmação através dos estudos genético e morfológico. O processo não demora menos de um ano.
Frisando a importância deste projeto para a biodiversidade madeirense, Miguel Sequeira sustentou que a recolha de plantas em escarpas “já tem resultado na conservação de algumas espécies” no Havai, “porque permite, por exemplo, vir a fazer estacaria com espécies que apenas existem em ravinas e não se conseguia chegar, ou permite recolher frutos e sementes” para depois, em jardim, se obter “novas plantas que eventualmente voltam a ser recolocadas na natureza”.
Também Ben Nyberg realçou que as duas regiões têm muitos dos mesmos desafios, e são compostas por “muitas plantas raras e endémicas e muitos penhascos”.
“A paisagem é parecida, mas as plantas são completamente diferentes. Há muitas espécies únicas que só ocorrem aqui, então o trabalho é parecido, mas é importante fazer aqui também”, sublinhou.
Pilotar este sistema de dois drones, composto por dois comandos com 10 botões cada um, é complexo, reconheceu, sublinhando que é um processo de aprendizagem constante e que “poucas pessoas no mundo” conseguem pilotá-lo.
“Foi desenvolvido apenas para este propósito e não muitas pessoas estão a fazer este tipo de trabalho”, reforçou.
A iniciativa foi organizada pelo Grupo de Botânica da Faculdade de Ciências da Vida da Madeira, coordenado pelo professor Miguel Sequeira, em parceria com o Jardim Botânico do Havai, e contou com a colaboração do Comando Operacional da Madeira e do Instituto de Florestas e Conservação da Natureza da Madeira.
Foram recolhidas um total de três plantas, duas delas na segunda-feira, no Cabo Girão e na Ribeira Brava. Nos restantes dias, foi feita prospeção para que, no futuro, novos voos possam chegar a mais espécies na região.