Diogo Alagador, investigador na Cátedra para a Biodiversidade, integrante do Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento (MED) da Universidade de Évora (UÉ), acaba de apresentar um estudo onde propõe um conceito de trajetória adaptativa (para cada espécie), que pode resultar em intervenções inovadoras na gestão dos espaços protegidos.
Em nota enviada ao Ensino Magazine, a Universidade de Évora explica que o investigador apresenta uma nova ferramenta analítica para a priorização de áreas para conservação em contextos reais de mudança ambiental.
Citado na mesma nota, Diogo Alagador refere que "no contexto de alterações globais os planos de conservação necessitam de integrar a dinâmica ecológica invocada por tais mudanças, de uma forma antecipativa e flexível, contribuindo para um avanço conceptual na área, ao se perspetivar as trajetórias adaptativas das espécies ao longo do tempo como unidades de conservação integrais que assegurem a persistências as espécies ao longo do tempo”.
O Diogo Alagador explica que na atualidade a base instrumental da conservação de espécies e ecossistemas centra-se, em grande medida, no efeito regulatório das áreas protegidas, as “quais se assumem como zonas com estatuto de conservação permanente, estando implícita uma visão estática da natureza”.
Por isso, adianta, “os planos de conservação assim baseados centram-se no uso de modelos para identificação otimizada de áreas protegidas sustentada em análises focadas unicamente na dimensão espacial das opções (que áreas melhor traduzem o valor ecológico a conservar?). Mais recentemente, a nova teoria da conservação da biodiversidade assume e integra a dinâmica ecológica, em particular aquela movida pelas alterações climáticas e/ou alterações no uso do solo”.
Na mesma nota, o autor do estudo diz que com o atual incremento do ritmo da mudança climática, as redes de áreas protegidas “devem assegurar a proteção das espécies e dos seus processos de adaptação à mudança”.
Diogo Alagador esclarece que “um destes processos traduz-se na redistribuição das espécies (em particular as suas unidades evolutivas -as populações), no sentido de se ajustarem os novos padrões espaciais do clima e se manterem em domínios climaticamente favoráveis (…). É neste contexto que o nosso trabalho introduz o conceito de trajetória adaptativa (para cada espécie) como unidade de análise e seleção nos modelos de seleção, e que se traduz como um avanço conceptual que assume intervenções inovadoras na gestão dos espaços protegidos”.
Nesta abordagem dinâmica a flexibilidade surge como propriedade fundamental na gestão das áreas a proteger. Por exemplo, nesta visão adaptativa, o investigador refere que “assume-se a perda de valor ecológico de certas áreas ao longo do tempo e a possibilidade de transferência de esforços conservacionistas locais para áreas que ganhem relevância ecológica, sem que se perda a coerência e a continuidade temporal das trajetórias adaptativas”.
Importa salientar que para cada espécie existem inúmeras trajetórias adaptativas possíveis, mas que a abordagem se restringe, em particular, naquelas que propiciam uma expectativa de persistência maior. De igual forma, a abordagem que este investigador da UÉ defende, traduz “o princípio da precaução ao limitar a quantificação do efeito de cada trajetória sobre a persistência de cada espécie às trajetórias que não convirjam num mesmo lugar num mesmo período temporal”, promovendo-se assim a redundância nas respostas adaptativas de cada espécie. Esta propriedade ganha especial preponderância em contextos antecipativos, largamente dominados por incerteza preditiva.
Neste estudo é usada “a teoria de redes e programação matemática para a formulação de três modelos de seleção de áreas protegidas”, contando nesta área com Jorge Orestes Cerdeira, Professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa.
Ou seja, “um dos modelos foi mais focado na minimização dos custos associados às decisões das áreas a proteger (e seus timings), outro mais focado no número de espécies a cobrir de forma eficaz e outro, intermédio, que minimiza a sub-eficácia das soluções (isto é, garante que as soluções se aproximam o mais possível às metas de persistência traçadas para cada espécie) ” adianta o investigador da UÉ.
A dissemelhança dos três modelos foi ilustrada para um estudo de caso onde se procurou identificar as áreas que definem, de forma otimizada, as trajetória adaptativas de dez espécies de mamíferos com interesse para a conservação, na Península Ibérica e num horizonte temporal de 60 anos (até 2080), em cenários plausíveis de mudança climática, a saber: o Arminho; Visão europeu; Lebre-europeia; Lobo ibérico; Urso pardo; Lince ibérico; Cabra montesa; Rato de água; Rato de Cabrera e a Toupeira de água.
Dos três modelos surgem diferentes áreas a proteger ao longo do tempo, mas ainda assim com um núcleo comum de regiões cobertas, nomeadamente zonas dispersas a norte e a sudeste da Península Ibérica. “Cremos que o uso de trajetória adaptativas das espécies ao longo do tempo permite uma intervenção mais realista e flexível na planificação de redes de áreas protegidas” destaca Diogo Alagador.
“Áreas que se mantenham relevantes ao longo do tempo devem constituir o núcleo basilar de áreas protegidas onde medidas mais rígidas de proteção local devem ser instituídas” propõe Diogo Alagador, já as restantes áreas, com valor transitório, o investigador considera que “poderão sustentar um leque maior de atividades económicas admissíveis e sustentáveis e poderão decorrer de novos instrumentos de ocupação do solo, mais flexíveis e suportados em metas ecológicas claras e explícitas, bem como de incentivos à sustentabilidade alicerçados em mercados emergentes de apoio ao funcionamento de ecossistemas”.
Ainda na mesma nota, Diogo Alagador sublinha a importância destes resultados tendo em conta que “o presente modelo tem particular relevância contextual, no quadro da nova estratégia europeia para a biodiversidade, que sustenta a expansão das áreas protegidas na cobertura de 30% do território e que deverá ser adotada por cada país”, e que, no início da década para o restauro ecológico e recuperação dos ecossistemas. Já a nível nacional, o investigador destaca que este modelo é importante “no delineamento de um plano estratégico para a proteção da biodiversidade que se pretende eficaz e integrador das dinâmicas globais atuais”.
Mais do que o atingir de uma meta quantitativa, os modelos propostos “abrem caminho para um ganho no desempenho qualitativo de redes de áreas protegidas e suas vias de conectividade onde a harmonização com atividades locais deverá ser priorizada, de forma a se obterem os maiores benefícios ecológicos por euro investido”. Caberá agora aos governos, “a decisão de se apoiarem no conhecimento científico e nos instrumentos práticos que o incorporam e traduzem para definição das suas políticas em particular políticas de ordenamento territorial e de apoio à sustentabilidade de espécies e ecossistemas.