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Bocas do Galinheiro Todo (ou quase) Bergman

22-07-2024

Aquando da morte de Ingmar Bergman, no dia 30 de Julho de 2007, em Farö, na Suécia, curiosamente, não uma data muito querida para o cinema, no mesmo dia em que em Roma, desaparecia Michelangelo Antonioni, lembrámos a sua obra, uma das mais reconhecidas, por quem gosta de cinema, como é o nosso caso.

Vem isto a propósito de uma retrospectiva da obra do cineasta que teve início este mês e que vai ser apresentada em várias cidades portuguesas até Outubro. Infelizmente Castelo Branco não será uma delas, a fazer fé na programação de cinema divulgada na agora renascida, um par de anos depois, Programação Cultural, que veio ocupar o vazio deixado pelo ausência da Agenda Cultural de Castelo Branco durante este período.

Se não me falha a memória, o primeiro que vi do génio de Upsala foi A Máscara, de 1966. Uma obra-prima a que na altura não dei a devida atenção, mas que hoje não tenho dúvidas em afirmar ser um dos melhores filmes do realizador, sublimando a relação da actriz, que deixa de falar quando estava a representar a Electra, com a enfermeira que a trata. Um silêncio que será recorrente na obra do realizador, aqui como recusa da vida que Elisabet, assim se chamava a actriz, tinha e de Alma, a enfermeira que se funde com a sua paciente, ao ponto de já não sabermos quem é quem. Se ao silêncio como opção estética juntarmos as inesquecíveis interpretações de Bibi Anderson (Alma) e Liv Ullman (Elisabet), não estaremos longe do filme perfeito. A seguir, tenho quase a certeza, vi A Vergonha (1968), de que me lembro mais das discussões à volta da temática da guerra, do que propriamente das vivências do casal de músicos, interpretado por Liv Ullman e Max von Sidow, confinados numa ilha por causa da guerra.

Aliás Bergman, na chamada trilogia “O Silêncio de Deus”, composta por Em Busca Verdade (1961), Luz de Inverno (1963) e  O Silêncio (1963), em que o silêncio e o vazio marcam a forma e conteúdo dos filmes, pautados por música de câmara que os enchem e grandes planos, outra das marcas do autor. Proibido pela censura, alguns planos de cariz erótico-sexual, pouco habitual na época, O Silêncio sé estreou em Portugal em 1975!

Voltando um pouco atrás, Bergman impõe-se internacionalmente com Sorrisos de Uma Noite de Verão (1955), com passagem marcante no festival francês, onde recebeu o Prémio Especial o Júri, além da nomeação de Bergman para a Palma de Ouro, em que o tema da morte atravessa o filme, corporizada na roleta russa e  que voltará com “O Sétimo Selo”, de 1957, vencedor em Cannes, inesquecível pela partida de xadrez que um cavaleiro joga com a Morte, mas também pelo silêncio e o vazio, que, julgamos todos, será a imagem de marca da Parca.  Mas já antes realizara, outros como Mónica e o Desejo (1953), também abordando temas então pouco usuais, quer pela carga erótica, quer pela relação entre os dois amantes, Monika, uma inesquecível Harriet Anderson e Harry, um não menos importante, para a narrativa, Lars Ekborg,

Numa extensa filmografia, de que nesta mostram se podem ver 31 filmes, distinguida com três Óscar da Academia com A Fonte da Virgem (1960), outra vez a Morte, mas aqui por interposto assassínio e a resposta do pai à morte da filha, Em Busca da Verdade, da tal trilogia que referimos, um périplo de 24 horas pelas férias de quatro familiares  numa ilha isolada e Fanny e Alexandre (1982), uma vénia do realizador ao teatro, outra das suas paixões, mas também um retrato da sociedade sueca do início do século XX.

 A par da temática religiosa, principalmente a da existência de Deus, o seu silêncio e a fé, ou a falta dela, ele que era filho de um pastor, Bergman notabilizou-se como um dos cineastas que melhor filmaram a mulher. Lágrimas e Suspiros e A Máscara são paradigmáticos, mas Sonata de Outono (1978), não lhes fica atrás. Mas, reduzir o cinema de Bergman a estes tópicos seria amputá-lo na sua grandeza.

Mas falar de Bergman é também recordar os grandes actores que povoaram os seus filmes. Um naipe de actores fetiche, de Max von Sydow, Bibi Andersson e Ingrid Thulin a Erland Josephson a Liv Ullman. Com estes dois últimos retoma o tema do relacionamento conjugal e familiar numa sequela de Cenas da Vida Conjugal” naquele que viria a ser o seu último trabalho “Saraband”, de 2003.

Porém a importância de Bergman não se circunscreve aos filmes que realizou. Há realizadores que de forma explícita, como Woody Allen, para falar do mais óbvio, a outros como Bille August ou David Lynch e até o próprio Fellini, reclamam a influência do mestre sueco.

Como ele próprio escreveu no seu livro “Lanterna Mágica”, “Filme como sonho, filme como música. Nenhuma outra forma de expressão artística é capaz de, como o cinema, vir ao encontro dos nossos sentimentos, penetrar nos cantos mais obscuros da alma”. Recordando os seus filmes, não duvidamos que Bergman conseguiu. Para quem tiver oportunidade de ver esta mostra, ou parte dela, seguramente irá ficar surpreendido, se for o caso, ao rever alguns dos filmes, de ficar surpreendido com descobertas que decerto vai fazer, porque nada em Bergman é óbvio, apesar de ser límpido nos seus silêncios.

Até à próxima e bons filmes!

Luís Dinis da Rosa

Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico

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