Setenta e seis anos depois da primeira participação de filmes portugueses no Festival de Cannes, Miguel Gomes arrecadou, nesta 77ª Edição, o prémio de melhor realização pelo seu último filme, Grand Tour, nomeado para a Palma de Ouro, prémio que recebeu das mãos de Wim Wenders. Conhecido por filmes, muitos deles premiados ou nomeados em vários festivais, como A Cara que Mereces, Aquele Querido Mês de Agosto, Tabu ou As Mil e Uma Noites, em três volumes, tem neste festival o seu momento mais alto.
No ano passado foi João Salaviza, com Renée Nader Messora, com A Flor do Buriti, a ganharem o Prix D’Ensemble, na secção “Un Certain Regard” (a sua obra anterior, Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos, já havia sido distinguida com o prémio especial do júri no Festival de 2018), agora outro cineasta português volta a fazer história em Cannes, desta vez como melhor realizador, num filme de produção internacional, com a Vivo Film, Cinémadefacto, Shellac Sud e a portuguesa Uma Pedra no Sapato. A história passa-se na Ásia em 1918 e retrata a história de um funcionário britânico na Birmânia, que espera a sua noiva no cais, mas entra em pânico e foge para Singapura. Aí recebe um telegrama da noiva a dizer que vai ter com ele e o homem foge uma e outra vez, passando por vários países, sempre com a noiva no seu encalço. Na segunda parte a história é contada do ponto de vista da mulher, onde se misturam imagens da época em decorre a narrativa e imagens da Ásia actual.
Mas voltando a 1946, o ano da primeira presença de Portugal em Cannes, foi o ano da primeira edição, não nos moldes como a conhecemos hoje, mas como uma competição por países, os quais levavam as suas produções, sendo que o nosso país foi representado por Bárbara Virgínia justamente considerada a primeira mulher a realizar uma longa-metragem sonora em Portugal, Três Dias sem Deus (1946) e Camões de Leitão de Barros. A realizadora, uma actriz com bastante êxito na época, por vicissitudes de produção e outras, acabou por, além de protagonista do filme como era a ideia inicial, dirigir o filme, de que restam apenas parte de banda de imagem, sem banda de som, num total de 26 minutos dos 102 minutos de filme que estreou em 1946. Ricardo Vieira Lisboa, investigador e crítico de cinema, responsável pela recolha destes dados, estima que ainda poderá haver outra bobina do filme, pelo que ainda será possível recuperar mais alguns minutos. Quase ou mesmo impossível será voltar a ter o filme na íntegra. Já agora, Portugal, juntamente com o Egipto, foram os únicos países que saíram de Cannes sem qualquer prémio no ano de estreia do festival!
Porém, outros premiados portugueses saíram do festival francês galardoados, casos do já referidos, a que se juntam Manoel de Oliveira, que, para além de ver alguns filmes seus nomeados, em 1997 e em 1999, recebeu, respecticamente, o Prémio da Crítica Internacional, por Viagem ao Princípio do Mundo e Prémio Especial do Júri, por A Carta, e em 2008 recebeu a Palma de Ouro de Honra, reconhecimento de uma carreira de longos, longos anos! Pedro Pinho, Prémio da Crítica Internacional em 2017, com A Fábrica de Nada, João Gonzalez, também recebeu em 2022, o Prémio de Júri com a sua animação Ice Mercahants, entre outros, mas há que reconhecer que a vitória de Miguel Gomes este ano, superou todas as expectativas.
Poderia esmiuçar um pouco mais a história de cineastas portugueses em Cannes, mas não teria espaço para lembrar aqui um actor que admirava bastante e que nos deixou no passado dia 20, aos 88 anos: Donald Sutherland.
Doze Indomáveis Patifes (Robert Aldrich, 1967), terá sido o primeiro filme que vi com o multifacetado actor canadiano, tal a facilidade que tinha em saltar do drama para a comédia. MASH (Robert Altman, 1970), foi para mim o filme que bastava para lhe garantir um lugar na galeria dos grandes actores do século XX e XXI. A temática da guerra, voltou a cruzar-se com Sutherland em Heróis por Conta Própria (Brian G. Hutton, 1970) ou O Voo das Águias (John Sturges, 1976). Mas a sua capacidade para interpretar papéis complexos levou-o muito mais longe: de Aquele Inverno em Veneza (Nicolas Roeg, 1973) a 1900 (Bernardo Bertolucci, 1976), Casanova (Federico Fellini, 1976) ou O Grito da Montanha (Werner Herzog, 1991). Os últimos anos da sua carreira seguiram a mesma tónica, ou seja, a sua presença nunca passava despercebida nos filmes em que entrava, seja Instinto (Jon Turteltaub, 1999), Space Cowboys (Clint Eastwood, 2000), Um Golpe em Itália (F. Gary Gray, 2003) ou a saga The Hunger Games-Jogos da Fome (Gary Ross, 2012), The Hunger Games-Em Chamas (Francis Lawrence, 2013), The Hunger Games- A Revolta – Parte 1 e Parte 2 (Francis Lawrence, 2014 e 2015), onde fazia de Presidente Snow. Em suma, um actor que, para além da sua figura imponente, imprimiu uma extraordinária trajectória criativa à sua carreira.
Uma última palavra para a morte de Françoise Hardy, no passado dia 11, aos 80 anos, ela que foi um ícone para os adolescentes dos anos de 1960. Modelo e cantora, ficará para sempre ligada ao seu êxito mais retumbante, Tous les garçons et les filles. Como muitas estrelas da sua época poderia ter enveredado pelo cinema. Não foi o caso. Mas temos pena. A sua fotogenia talvez o justificasse.
Até à próxima e bons filmes!
Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico