Nem sempre conseguimos deste nosso lugar privilegiado no galinheiro dar vazão a todos os momentos do cinema que gostaríamos de partilhar. Foi o caso destes dois monstros da representação que nos deixaram. Mais uma vez regressamos às homenagens/recordações. Não por pieguice, mas porque neste caso, como em todos os outros até aqui, estamos perante dois actores que me marcaram, de forma diferente, mas relevante. Mais uma vez, de uma assentada, dois nomes maiores do cinema chegam a esta coluna pela : Gena Rowlands, morreu no passado dia 14 de Agosto, aos 94 anos, Alain Delon, de 79, no dia 18.
Nascida em Cambria, Wisconsin, a 19 de junho de 1930, Gena Rowlands, desde cedo se notabilizou pelas suas interpretações quer no teatro quer no cinema, mas não podemos, por outro lado, não salientar os filmes que protagonizou ao lado e dirigidos por John Cassavetes, um cineasta que sempre se movimentou nas águas inquietas do cinema independente, não estranhando pois que Gena assinasse notáveis interpretações nos filmes do marido, apesar de ser num filme produzido pela United Artists, Uma Criança à Espera (A Child Is Waiting,1963), que ela se começa a destacar, ao lado de Burt Lancaster e Judy Garland, numa carreira imparável.
Apesar das duas nomeações para o Óscar de melhor actriz, em filmes de Cassavetes, Uma Mulher sob Influência (A Woman Under the Influence, 1974) e Gloria (1980), uma incursão do realizador no filme noir da década de 40, só em 2015 viria a receber um Óscar honorário. Mais uma vez se conclui pela falta de critério da Academia, ou a sua aversão ao cinema independente há alguns anos. Mas, apesar deste tratamento, a sua carreira seguiu em alta, não se pense que apenas em filmes realizados pelo marido, mas sob a direcção de outros cineastas, casos de Woody Allen, em Uma Outra Mulher (Another Woman, 1988), com Mia Farrow, Ian Holm e Gene Hackman; O Intruso Adorável (Once Around, 1991), de Lasse Hallström, ao lado de Richard Dreyfuss e Holly Hunter ou Luz do Dia (Light of Day,1987), realização de Paul Schrader com Michael J. Fox. Porém, é com John Cassavetes que dá asas ao seu talento em, para além dos já referidos, Rostos (Faces, 1968), nascido na então nova vaga de Hollywood, mas principalmente Noite de Estreia (Opening Night, 1977), ao lado do marido e de outro actor importante para o realizador, Ben Gazzara, filmado nos bastidores do teatro, ambiente muito querido à actriz ou Amantes (Love Streams,1984), de novo contracenando com John Cassavetes.
Em 2004, num dos filmes em que foi dirigida pelo filho, Nick Cassavetes, (O Diário da Nossa Paixão), em que interpreta uma idosa Allie, que sofre de Alzheimer, doença de que faleceu e que lhe havia sido diagnosticada em 2019. Ainda interpretou para a filha, Zoe Cassavetes, Uma Americana em Paris (Broken English, 2007), a longa-metragem de estreia de Zoe.
Nascido em 8 Novembro de 1935, em Sceaux, Hauts-de-Seine, Alain Delon iniciou a sua carreira no cinema no final da década de 1950, sendo que em 1958 protagoniza um dos filmes que marcará a sua vida afectiva, Cristina, de Pierre Gaspard-Huit, onde conhece Romy Schneider, actriz austríaca, uma estrela depois de interpretar Sissi, a futura Imperatriz da Áustria. O romance entre os dois é tórrido, são o par do momento, até que Delon se casa com Natalie Delon. Voltam a contracenar, em A Piscina (Jacques Deray, 1969), que para além dos relacionamentos cruzados dos personagens, havia apostas de reconciliação entre os dois antigos namorados. Tal não veio a acontecer, mas Delon, diz-se, nunca mais foi o mesmo depois da morte de Romy em 1982. Revista cor-de-rosa à parte, Alain Delon, um dos mais invejados e desejados galãs do cinema francês teve uma carreira cheia, em que se destacam filmes brilhantes, desde logo À Luz do Sol (Plein soleil, 1960), de René Clément, onde faz de Tom Ripley, o personagem criado por Patricia Highsmith e que fez virar os holofotes para aquele jovem francês.
Segue-se um naipe de filmes italianos, às ordens de Luchino Visconti em Rocco e os Seus Irmãos (Rocco e i suoi fratelli, 1960), ao lado da grande Annie Girardot e O Leopardo (Il gattopardo, 1963), ao lado de Burt Lancaster e Claudia Cardinale, e de Michelangelo Antonioni em O Eclipse (L'eclisse, 1962), enquanto em França passou a ser o rosto dos policiais negros dirigidos por Jean-Pierre Melville de que O Ofício de Matar (Le Samouraï, 1967), será o mais emblemático, sem esquecer O Círculo Vermelho (Le cercle rouge, 1970) e Cai a Noite sobre a Cidade (Un flic, 1972), neste último ao lado de Catherine Deneuve. Era então o duro, o homem de poucas palavras e muita acção. Com Jean-Paul Belmondo entra também em Borsalino (1970) que não o acompanhará em Borsalino & Companhia (1974), ambos de Jacque Deray, dois filmes de gangsters, pouco conseguidos. Terá outros momentos altos na sua colaboração com Jean-Luc Godard em Nova Vaga (1990) ou com Joseph Losey em Mr. Klein (1976). Arriscou também a realização, com A Coragem de um Homem (Pour la peau d'un flic, 1981), a clássica e batida história do antigo polícia agora detetive privado. Um bocadinho de Melville, mas que não envergonha.
Nos últimos tempos as suas aparições foram diminuindo, lembrando apenas a sua interpretação de Júlio César em Astérix nos Jogos Olímpicos (2008), um dos vários filmes que ultimamente têm sido feitos à volta do irredutível gaulês, herói da banda desenhada criada por Goscinny e Uderzo.
Até à próxima e bons filmes!