Fiquei como que hipnotizado
One from the Heart (Do Fundo do Coração), de Francis Ford Coppola (1982) voltou às salas nacionais no passado dia 4 de julho, numa verão restaurada em 4K, a partir do negativo original, que o realizador batizou de “One from the Heart: Reprise”, ou seja, no Dia da Independência nos EUA e dia em que a acção decorre.
É um memorável melodrama, com uma inigualável banda sonora de Tom Waits, que interpreta com a country singer Crystal Gayle, sobre os amores e desamores de um casal de Las Vegas, o mecânico Hank (Frederic Forrest) e a funcionária de uma agência de viagens Frannie (Teri Garr). Nada mais corriqueiro, nada mais adequado para o género. Mas, não sou só eu que o digo, estamos perante uma obra-prima do cinema, e um dos mais, ou mesmo o mais incompreendido filme de Coppola.
Aliás, o cineasta vinha respaldado pelos grandes sucessos de O Padrinho (1972) e O Padrinho: Parte II (1974) - a terceira parte só vem a acontecer em 1990 -, mas principalmente dessa megalómana produção que foi Apocalypse Now, de 1979, muitas vezes lembrado, injustamente, pelos episódios que envolveram a rodagem, passando por cima do que realmente é, uma obra ímpar sobre a Guerra do Vietname e as contradições americanas no conflito.
Mas voltando a One from the Heart, desde logo há que referir o catastrófico insucesso comercial que arrastou o cineasta e os seus Zoetrope Studios onde foi filmado, para a falência. Mas, por outro lado esses mesmos estúdios estão por trás de um dos saltos tecnológicos marcantes, o aparecimento daquilo a que o realizador apelidou de “cinema electrónico”, socorrendo-se do vídeo e da computação (ainda faltavam alguns anos para o auge da IA), ainda que num ambiente analógico. Qual mestre de cerimónias encerrado no seu cubículo, a lembrar o nascimento do som síncrono bem retractado em Singing in The Rain, Coppola ia tratando o argumento electronicamente, podendo aproveitar unicamente o que lhe interessava para um storyboard “em tempo real”, juntando logo a banda sonora, ou seja, o cineasta já tem um quase primeiro corte do filme, aliás, mostrado muito antes da estreia.
Mas sem querer maçar com este aporte tecnológico, a fotografia de Vittorio Storaro, com uma paleta de cores digna de Las Vegas, a o filme foi criada em estúdio, é verdadeiramente hipnótica, a que se junta um argumento fascinante nesta história quase banal, servida por um quarteto de actores, além dos referido, Nastassja Kinski (Leila),e Raul Júlia (Ray),que emprestam a este melodrama camuflado de musical, a dimensão do sonho, dos néons e das vidas cruzadas num feriado muito querido aos americanos em que tudo contribui para o enaltecer estas vivências irreais de tanto se pareceram com o dia a dia daquela cidade banhada de cor e diversão. Hank e Frannie separam-se e entram em cena Leila e Ray. Para melhor? Não. É para isso que são feitos os melodramas. A construção da narrativa, graças à rodagem em fita magnética permitiu que as cenas nos transportassem para lugares imaginários, como se no circo ou no teatro, de décor em décor sem sair do mesmo sítio. Como diria o outro, absolutamente genial. Todavia, um flop financeiro.
Fica a pergunta: será que hoje, mesmo com esta versão Reprise, o posicionamento do espectador é diferente? Para mim, que adorei o filme original, espero ver esta versão na sala escura. Onde, não sei.
Baixando à terra, há cinema no Parque. Assim chamou a Câmara Municipal à projecção de vários filmes neste mês de Agosto.
Sou do tempo em que o Cine Teatro Avenida se instalava no Parque da Cidade durante todo o verão e aí assistíamos à exibição dos filmes que preenchiam o nosso imaginário cinéfilo. Como era timbre, a distribuição à época assim o exigia, a empresa cujo rosto cimeiro era o do saudoso Dr. Armindo Ramos, de quem tive o privilégio de ser amigo, era “obrigada” a comprar um pacote onde se misturavam coboiadas, filmes de lutas marciais e outros que abarcavam géneros variados, mas que tinham em comum a qualidade. Claro que estamos a falar de uma “sala” equipada com um imponente écran gigante, acoplado a um não menos desafogado palco, desgraçadamente destruídos pelo programa Pólis (um manual daquilo que não deve ser feito para requalificar o que é funcional) que desfigurou por completo um espaço que era um ponto de encontro dos albicastrenses nesses meses quentes, mas que não era exclusivo do cinema mas de outros eventos que ainda permanecem na memória colectiva, se bem que quem teve responsabilidade na gestão da coisa pública desconhecia.
Adiante. Assim, de 10 a 31 de Agosto, quem tiver oportunidade pode assistir a sete filmes muito recentes, uma mescla de filmes para crianças e para adultos, curiosamente a sessão de dia 10 é no Parque da Cidade! sendo as restante no Parque Urbano da Cruz de Montalvão. Uma boa iniciativa, se é para mostrar filmes vale sempre a pena, para amenizar o calor que por agora se sente!
Até à próxima e bons filmes!
Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico