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Bocas do Galinheiro As muitas vidas de Notre-Dame

12-12-2024

A 15 de Abril de 2019, a catedral de Notre-Dame, sofreu um violento incêndio que provocou a sua destruição parcial. Naquela noite temeu-se que a catástrofe fosse maior. O teto de madeira, com os seus oito séculos foi consumido pelas chamas e o pináculo, obra do arquiteto Eugène Viollet-le-Duc, responsável pelo marcante restauro do templo no século XIX, que se erguia a quase cem metros de altura, também não resistiu ao incêndio, bem como outras peças, onde se incluem as célebres gárgulas, que foram danificadas pelas operações de extinção e rescaldo. Eis que mais de cinco anos depois este novo restauro, em que estiveram envolvidos mais de dois mil operários e artistas de várias áreas, permitiu a devolução deste monumento gótico, talvez o mais famoso e dos mais antigos do mundo,  construído entre 1163 e 1245 na Île de la Cité, em Paris, à humanidade. Um monumental concerto marcou a reabertura da catedral onde foi coroado imperador Napoleão Bonaparte e assistiu à beatificação de Joana D’Arc.

Há alguns anos, juntamente com o Joaquim Cabeças, escrevi nesta coluna sobre a adaptação do romance de Victor Hugo, Nossa Senhora de Paris (Notre-Dame de Paris), publicado em 1831, sobre o sineiro da catedral de Notre-Dame, o corcunda Quasimodo, e a bela cigana Esmeralda, ao cinema. Voltámos ao tema aquando do incêndio. Desta vez o tempo é de festa.

A passagem para o grande écran começou ainda no mudo, com destaque para a versão de J. Gordon Edwards de 1917, com Theda Bara e Glen White, respetivamente Esmeralda e Quasimodo, com o título de “The Darling of Paris”, para em 1923 Wallace Wrosley dirigir uma nova adaptação, agora já como é normalmente traduzida a obra para inglês, The Hunchback of Notre Dame, com Lon Chaney e Patsy Ruth Miller nos protagonistas. Aliás a interpretação de Lon Chaney valeu-lhe a chamada em 1925 para O Fantasma da Ópera, de Rupert Julkian e do próprio Chaney, numa adaptação da novela de Gaston Leroux. A Disney também não resiste a este romance da bela e do monstro e faz, em 1996, o seu O Corcunda de Notre Dame, com as vozes, de entre outros, Demi Moore (Esmeralda) e Tom Hulce (Quasimodo), merecedor de uma sequela em 2002, O Corcunda de Notre Dame 2: O Segredo do Sino, havendo ainda, em filme de animação, uma versão japonesa, de 1996, e uma australiana de 1980, sendo de referir ainda uma série televisiva nos anos de 1960, bem como um filme musical de 1999, de Gilles Amado, com libreto de Luc Plamondon.

Seria, porém, a versão do alemão William Dieterle (1939-1972), com Charles Laughton e Maureen O’Hara, a marcar uma das melhores, quiçá mesmo a melhor adaptação do romance.

William Dieterle, actor e realizador, famoso pela direcção de películas biográficas nos Estados Unidos, para a Warner, no final da década de 30 do século passado, de que se destacam The Story of Louis Pasteu (1936) e The Life of Emile Zola (1937). Estaline, que considerava Diertle um dos melhores directores do Mundo, chama-o a Moscovo propondo-lhe dirigir uma biografia de Karl Marx, o que não aconteceu e já no fim da carreira realiza uma série de filmes para a televisão na então República Federal Alemã.

Mas é em 1939 que a Warner cede Dieterle aos estúdios da RKO para realizar a mais ambiciosa e conhecida das suas películas: a ideia foi converter o famoso romance de Victor Hugo, “Nossa Senhora de Paris”, num sombrio melodrama romântico, cheio de cenas espectaculares e de horror. Uma super-produção que custou dois milhões de dólares, uma verba elevada naquela época. Como era seu hábito, Dieterle consegue imprimir um leve toque político à narrativa, lembrar que a adaptação é do escritor Bruno Frank, um exilado alemão, como muitos outros que trabalharam neste filme, expressa a luta simbólica entre a liberdade o obscurantismo e o fanatismo, uma mensagem progressista, num filme rodado em setenta e dois dias, durante o Verão de 1939, ou seja, quando está a começar a II Guerra Mundial, começada pela Alemanha nazi de onde tinham escapado.

Das versões mais consensuais da obra de Victor Hugo, esta é sem dúvida a mais interessante (a par da versão muda realizada por Wallace Worseley para a Universal e da co-produção franco-italiana de 1956, interpretada por Anthony Quinn e Gina Lollobrigida e realizada por Jean Delannoy, cuja máxima virtude é a fidelidade à versão de Dieterle), com os seus claros/escuros opressivos, com a noite sempre presente, à boa maneira do expressionismo alemão, reconstituído agora em Hollywood, mas também um belo retrato da terrível situação com que se debatia o mundo no dealbar de uma guerra, cuja sombra invade o filme, apesar do happy end.

Mas a catedral aparece em diversos filmes, não como adaptação da obra literária de Victor Hugo, mas como figurante. Desde logo em O Fabuloso Destino de Amélie, de Jean-Pierre Jeunet (2001), em que a jovem Amélie vai com a mãe acender uma vela a Notre-Dame, para pediram um milagre, só que à saída da catedral a mãe morre, o que traça o destino de Amélie, interpretada por Audrey Tautou, filme que a catapultou para voos mais altos. Também Woody Allen, um confesso amante de Paris, não resistiu a aproveitar o monumento como campo, numa conversa entre Carla Bruni e Owen Wilson em Meia-Noite em Paris (2011), um dos seus filmes europeus. Claro que a travessia clandestina entre as duas torres protagonizada pelo funambulista francês Philippe Petit, em 1971, passou ao cinema em 2015, em O Desafio (The Walk), de Robert Zemeckis, com interpretação de Joseph Gordon Levitt, e muitos mais, de um dos muitos Missão Impossível a Van Helsing.

Agora que o restauro está quase completo, muitos quererão aproveitar este novo look da catedral para novos filmes. Esperemos!

Já agora, Emilia Pérez, de Jacques Audiard, foi considerado o melhor filme dos Prémios do Cinema Europeu (EFA), tendo ainda levado a melhor noutras categorias como a de Melhor Realizador Europeu, Melhor Atriz, Karla Sofía Gascón (que já havia ganho em Cannes juntamente com as outras protagonistas, Zoe Saldana, Selena Gomez e Adriana Paz) e Melhor Argumento, igualmente de Jacques Audiard. O Prémio do Público Jovem Europeu foi para The Remarkable Life of Ibelin (Noruega), realizado por Benjamin Ree.

Até à próxima e bons filmes! 

Luís Dinis da Rosa com Joaquim Cabeças

Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico

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