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Bocas do Galinheiro Sidney Poitier, um homem bom

21-02-2022

Na última crónica anunciámos a morte de Sidney Poitier e prometemos recordá-lo neste espaço. Como o prometido é devido, é isso que vamos fazer.
Apesar de ter vivido e ser considerado natural de Cat Island, nas Bahamas, na realidade nasceu prematuro, a 20 de Fevereiro de 1927 em Miami, quando os pais ali foram de visita. Cedo abandonou a escola, chegando a Nova Iorque aos 18 anos. Passou por diversas e privações e trabalhos ocasionais e mal pagos, como era comum para um negro nos Estados Unidos. Depois de uma breve passagem pelo exército, depois de várias audições e muito esforço, principalmente ao nível de literacia e da cerrada pronúncia caribenha, consegui ser aceite no American Negro Theatre iniciando-se num pequeno papel a Broadway na produção “Lysistrata”,onde não se saiu nada mal, estreia-se no cinema em Falsa Acusação (1950, Joseph L. Mankiewicz), onde encarna um médico que tem que tratar dois pacientes brancos, racistas, e que quando um deles morre se vê envolvido numa acusação, obviamente determinada pala cor da sua pele. Uma interpretação que o vai catapultar para altos voos, mas que vai assentar numa criteriosa escolha de pepéis, em que sistematicamente recusa projectos em que o actor negro assume os papéis clichés de criado ou escravo e nunca como protagonistas (podemos recordar a actriz Hattie McDaniel, ganhadora do Oscar de Melhor Actriz Secundária em E Tudo o Vento Levou, em mais uma das sete dezenas de interpretações como empregada doméstica!). Mas não era isso que Poitier queria, e consegui. Do alto dos seu aprumado e elegante 1,89 m, em 1958, ao lado de Tony Curtis, recebe a sua primeira nomeação para o Oscar de Melhor Actor, no filme de Stanley Kramer Os Audaciosos, o primeiro afro-americano a merecer tal distinção. Porém já antes havia dado nas vistas, nomeadamente em Sementes de Violência (1955, Richard Brooks), onde veste a pele de um adolescente problemático nas aulas como os restantes colegas, levando a que o professor (Glenn Ford), julgue ser ele o cabecilha da indisciplina, o que se vem a revelar não corresponder à realidade: afinal era outro aluno e branco. Filme que lhe granjeou grande popularidade e onde pontifica o tema “Rock around the clock”, interpretado por Bill Haley and the Comets, semente do aparecimento do rock and roll no cinema.
Em 1960 foi nomeado para o Tony de melhor actor pela sua interpretação em Raisin in the Sun, na Broadway, papel que reencarnaria no cinema na fita com o mesmo título, em Portugal traduzida por Um Cacho de Uvas ao Sol (1961, Daniel Petrie), ao lado de Claudia McNeil e Ruby Dee, continuando a sua trajectória ascendente no cinema, que virá a culminar em 1963 como vencedor do Oscar de Melhor Actor, de novo o primeiro para um actor negro, façanha que só viria a ser repetida 38 anos depois, por Denzel Washington quando arrecadou a estatueta dourada pela sua actuação em Dia de Treino, de Antoine Fuqua.
O Oscar veio com Os Lírios do Campo, de Ralph Nelson, em que interpreta um antigo GI, agora trabalhador itinerante que numa quinta remota no deserto do Arizona se cruza com uma congregação de freiras do Leste europeu e, achando elas que é enviado por Deus, lhes constrói uma capela. É praticamente o filme de um homem só, Poitier é omnipresente, carismático e soberbo, numa interpretação inesquecível e que lhe valeu, além do galardão da Academia, vários prémios, registo que manteria ao longo da sua longa e rica carreira, quer como actor, quer também como realizador.
A sua ascensão como actor não deixou ninguém indiferente, o reconhecimento foi praticamente unanime e em cada um dos seus filmes, que abarcaram vários géneros, do musical, como Porgy and Bess (1959, Otto Preminger), ao lado de Dorothy Dandrige, ao policial, onde encarna o detective Virgil Tibbs, sempre impecável no seu fato e gravata, em No Calor da Noite (1967, Norman Jewison), Chamam-me Mr. Tibbs (1970, Gordon Douglas) e A Organização (1971, Don Medford), Poitier fez sempre a diferença, merecendo o respeito e reconhecimento dos seus pares, produtores e realizadores, interpretando papéis que até aí seriam impensáveis como em Adivinha Quem Vem Jantar (1967, Stanley Kramer) onde a temática do namoro/casamento interracial é tratada com grande elevação (na altura ainda havia estados em que o casamento entre brancos e negros era ilegal), suportada por interpretações de alto calibre, por, além de Poitier, esses dois monstros sagrados de Hollywood, Katharine Hepburn e Spencer Tracy (este já muito doente acabaria por falecer poucos dias depois de terminadas as filmagens) forjadas numa cumplicidade de vida e nos nove filmes que fizeram juntos.
Como realizador, Poitier rodeou-se sempre outros atores negros, como Harry Belafonte, Ruby Dee, Richard Pryor e Billy Cosby, entre outros, mas também é recordado como um grande defensor dos direitos dos afroamericanos, tendo estado ao lado de Martin Luther King e apoiou de forma efectiva os ativistas dos direitos civis no Mississippi, quando poucos arriscavam fazê-lo.
Morreu um grande actor e um Homem bom.
Até à próxima e bons filmes!

Luís Dinis da Rosa

Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico

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