António Belo foi eleito presidente do politécnico de Lisboa no passado mês de dezembro e tomará posse em fevereiro, sucedendo a Elmano Margato, de quem foi vice-presidente. Ao Ensino Magazine diz apostar na inovação pedagógica e numa estratégia centrada nos estudantes. Defensor de um sistema único de ensino superior anuncia o regresso ao CCISP e refere que, tendo condições, o IPL passará a ser Universidade Politécnica de Lisboa.
“Um IPL Mais Próximo” foi o seu lema de candidatura. Apresentou cinco pilares fundamentais para o Politécnico de Lisboa. O que é que pretende para cada um deles?
Estão relacionados com aquilo que é a atividade normal da instituição e do ensino superior ao nível da governação, ensino, investigação e comunidade. O que preconizamos é que o IPL deve estar centrado nos estudantes que são a nossa principal prioridade. Por isso, ao nível do ensino, vamos apostar na inovação pedagógica, tornado mais atrativo e eficaz o ensino, travando também algum abandono que resulta da falta de resiliência dos estudantes que surgiu na pós-pandemia. Daí que iremos procurar formas de os cativar, ensinando-os de um modo mais atrativo e eficaz. Por outro lado, queremos dar-lhes mais apoio em diferentes vertentes, como a ação social – cujos serviços devem ser mais proativos; ou a saúde mental e o bem-estar dos estudantes, aproveitando os programas de financiamento para a implementação desses serviços. Isto é importante para que os estudantes possam desempenhar verdadeiramente o seu papel.
Uma das questões que se coloca aos estudantes do ensino superior é a dificuldade de encontrar alojamento. Recentemente o IPL estabeleceu uma parceria com a Freguesia de Benfica para a utilização de uma nova residência. Além desse acordo o que mais pode ser feito?
Neste momento temos a residência Maria Beatriz, que funciona no ISEL, onde será construído mais um piso no âmbito do PRR. Também ao nível do Plano de Recuperação e Resiliência temos que agradecer à Junta de Freguesia de Benfica pois foi inexcedível, construindo uma residência, que já está em funcionamento e cuja maioria das camas é ocupada por estudantes nossos. Foi também lançada a primeira pedra de uma nova residência do IPL, em frente ao ISEL, que tem a particularidade de ser autossustentável. Paralelamente, há também um acordo com o ISCTE, Universidade Nova e Câmara da Amadora para a construção de uma nova residência na zona de Benfica.
Isso vai resolver as necessidades mais prementes?
Vai ajudar. Infelizmente as necessidades vão muito para lá disso. Apesar da grande maioria dos nossos estudantes ser de Lisboa, pela nossa dimensão a minoria de alunos deslocados é muito numerosa. Tudo o que for feito no sentido de criar mais alojamento é muito bem-vindo, pois os preços que se praticam em Lisboa são inviáveis para a maioria dos estudantes deslocados. Isso faz com que alguns estejam em concelhos limítrofes, o que obriga a deslocações e provoca um grande desgaste.
Esse é um dos fatores que também tem influência na saúde mental dos estudantes. Nessa matéria o que o IPL está a fazer?
Aproveitámos o programa de financiamento para a saúde mental da Direção-Geral do Ensino Superior. O que existia anteriormente era insuficiente. A ideia é alargar os serviços, poder tê-los em cada uma das escolas e não apenas nos serviços centrais, sendo que a ideia é funcionar em rede. Isto porque muitas vezes os estudantes não querem ir ao serviço de apoio psicológico da sua própria escola. Não haverá qualquer problema de recorrerem aos serviços da escola que entenderem ou dos serviços centrais. Não queremos substituir sistema nacional de saúde, tendo em atenção que nalgumas situações nós não podemos intervir, mas podemos fazer o encaminhamento. A lógica é ajudar o estudante a poder fazer o seu percurso académico de um modo mais tranquilo.
Vão ser desenvolvidos programas específicos?
A aposta é a prevenção. Obviamente haverá sempre a consulta, mas a estratégia passa muito pelo apoio em termos de psicologia de educação, de ações de promoção de combate à ansiedade ou de gestão do tempo. Sempre na perspetiva de criar mais resiliência nos estudantes, de identificar sinais de alerta. Por outro lado, queremos investir na área do desporto e da atividade física, pois a prática de exercício é dos maiores promotores de saúde mental. Mas a nossa aposta não incide apenas nos alunos, mas também na comunidade docente e nos técnicos, não só ao nível de consultas, mas de igual modo, na perspetiva de melhorar a sua qualidade de vida em termos de flexibilidade de horários de trabalho que permitam a prática de atividade física.
Na apresentação da sua candidatura falou na necessidade de alinhar o IPL com os desafios nacionais e internacionais, como a revisão do RJIES, o final do PRR (2026) e o Portugal 2030. A nível nacional está em fase de discussão a alteração ao RJIES. Já teve oportunidade de ver a proposta do Governo. O que lhe parece?
Em termos genéricos aborda e apresenta algumas mudanças que têm que ser feitas. Tem um fator muito positivo que é esbater o sistema binário. Cada vez mais é difícil justificar a diferença entre um e outro sistema. A formação de ensino superior deve ser ministrada nas instituições que tenham condições para isso. Esse é um fator positivo. No entanto, apesar de esbatemos estes fatores de ensino binário mantém-se um aspeto que é a carreira docente. Havendo esta junção de competências, também aquilo que são as carreiras deveriam ser iguais. (...) Não há razão para haver dois subsistemas de ensino superior diferentes.
Uma das questões em cima da mesa está relacionada com a eleição dos presidentes e dos reitores passar a ser universal e dos mandatos passarem a ser únicos para seis anos. Concorda com essa ideia?
Perfeitamente de acordo, com uma ressalva e há aspetos que carecem de regulamentação. Se a entrada de antigos alunos no processo eleitoral é um aspeto positivo - que carece de regulamentação -, há um pormenor que me choca: alguém que não está na instituição há mais de cinco anos ter uma ponderação de 25% e o pessoal técnico que aqui está a trabalhar diariamente ter uma ponderação de 10%. Isso é chocante e desprestigiante para o pessoal técnico. Não faz qualquer sentido. É algo que não deveria estar em qualquer proposta.
O RJIES deve também verter mais autonomia para as IES?
Aquilo que sentimos é que o Estado parte do princípio que somos desonestos. Impõe-nos regras para evitar que haja abusos. Não faz sentido. Vivemos numa lógica de sustentabilidade e só podemos ter veículos elétricos que têm que ser adquiridos em leasing. Ter veículos elétricos em leasing é o maior disparate económico que se pode fazer. Dou outro exemplo: as viagens e estadias. Estamos a pagá-las muito mais caras do que se as tratássemos diretamente. Internamente, enquanto presidente do IPL, o meu papel será o de ser mais elemento a trabalhar em conjunto com os presidentes das escolas. Nesse sentido, atribuirei a maior autonomia possível às escolas responsabilizando cada uma delas pelas suas opções. Do mesmo modo o Estado tem que perceber que tem que haver uma maior autonomia das instituições e uma maior responsabilização. As atuais regras são desmotivadoras, atrasam os procedimentos e levam a que se gaste mais dinheiro do erário público.
O facto de os Politécnicos atribuírem doutoramentos e passarem a designar-se de Universidades Politécnicas vem trazer justiça à rede de ensino?
Claramente. Estando muito mais esbatido o estigma do politécnico face à universidade, ele continua a existir. Provavelmente sentem-no mais os colegas de fora de Lisboa do que os de cá. Os nossos estudantes dizem que vão para a faculdade. O estigma até nem é maior nos estudantes, mas sim nas suas famílias. Por isso, nesta reformulação do RJIES considero importante o esbater dos dois subsistemas de ensino superior, desde que se garantam as mesmas condições. Não alinho em facilitismos. O critério tem que ser o mesmo para as universidades e politécnicos. Este princípio deve aplicar-se aos doutoramentos.
E o IPL vai chamar-se Universidade Politécnica de Lisboa?
Tendo condições, claro que sim. Neste momento temos um doutoramento em associação com a Universidade de Lisboa; temos um outro com o ISCTE na perspetiva de também ser em associação. A nossa intenção é trabalharmos, nesta primeira fase, em colaboração.
Uma colaboração também com outros politécnicos?
Claro que sim. Temos que estar abertos. A nossa visão é de instituição pública, que presta serviço público e isso pressupõe estarmos trabalhar com instituições congéneres e outras. Por exemplo, recentemente fizemos formação em parceria com a Administração de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo. Outro exemplo: os CTESP para os quais o IPL não avançou pois ainda não havia a possibilidade dos politécnicos terem cursos de doutoramento. Agora não há razão para não avançarmos com essa formação e prestarmos serviço público, pois em Lisboa ela não existe no ensino público. Uma das nossas ideias é desenvolver essas ofertas com a Câmara de Lisboa e outras de concelhos limítrofes, bem como com escolas profissionais já que os seus estudantes estão mais condicionados em aceder ao ensino superior.
Ao nível do PRR que projetos o IPL tem em curso e quais ainda poderá apresentar?
Temos a decorrer projetos formativos no âmbito do impulso jovem e do impulso adulto. Além disso estão em curso programas relacionados com as residências de estudantes e de combate ao abandono e insucesso escolar. Se houver mais programas que venham a ser lançados iremos concorrer. Aí será importante voltarmos ao CCISP e estarmos integrados na rede. O IPL tem perdido imenso por não estar no Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos.
Pelas suas palavras o IPL irá regressar ao CCISP?
Sim, na lógica de trabalharmos em conjunto.
Ao nível do Portugal 2023, as verbas disponíveis são suficientes para as IES de Lisboa, e no caso concreto para o IPL?
O meu receio é que a distribuição de verbas absorva o estigma que há pouco falámos e que ainda existe entre o politécnico e a universidade. Ou seja, que possamos ser vistos como um parceiro menor nessa distribuição. Efetivamente temos uma vantagem de estarmos em Lisboa no que concerne à captação de estudantes, mas temos uma desvantagem que mais ninguém tem que é termos a competição de três universidades públicas na mesma cidade. No Porto, por exemplo, há o Politécnico do Porto e a Universidade do Porto. De resto na distribuição do próprio Orçamento de Estado para as IES surgem, para a mesma área de formação, rácios diferentes de valorização dos estudantes nos politécnicos e nas universidades. Mais do que o receio de analisar se o valor global das verbas do 2030 é suficiente, a questão é saber se vamos ser tratados de forma justa na distribuição das verbas.