Este website utiliza cookies que facilitam a navegação, o registo e a recolha de dados estatísticos.
A informação armazenada nos cookies é utilizada exclusivamente pelo nosso website. Ao navegar com os cookies ativos consente a sua utilização.

Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVIII

Opinião Quando o especialista volta a ser aprendiz

Fala-se de upskilling e reskilling quase sempre em tom técnico: novas ferramentas digitais, literacia de dados, metodologias ágeis. Mas raramente se fala do que está por baixo dessa camada: o impacto emocional de reaprender aos 40 ou 50 anos, depois de uma vida inteira a ser especialista.
O primeiro obstáculo não é o conteúdo da formação, é o medo. O medo de se sentir ultrapassado por colegas mais jovens. O medo de perder relevância. O medo de já não ter tempo suficiente para “apanhar o comboio”. Esse medo é silencioso, mas real. Não aparece nos relatórios de necessidades de formação, mas manifesta-se em olhares inseguros, em resistências subtis, em frases como “isso não é para mim” ou “já não tenho idade para isso”.
Depois, há a vulnerabilidade de voltar a ser aprendiz. Para muitos profissionais, significa sentar-se numa sala, física ou virtual, e admitir que não sabem. Fazer perguntas básicas. Errar em exercícios que parecem simples para quem nasceu já imerso naquela realidade digital. É um choque de identidade: de repente, quem sempre foi referência passa a sentir-se novato.
Mas nem sempre é o medo ou a vulnerabilidade que travam o processo. Há também a arrogância de acreditar que já se sabe tudo, porque o passado foi feito de conquistas e de sucessos. E sejamos francos: quem nunca pensou que já sabia tudo, só porque teve sucesso durante anos? É a convicção enganadora de que aquilo que resultou ontem continuará a resultar amanhã. E há ainda o comodismo: o hábito de se manter em rotinas conhecidas, mesmo que já não tragam valor, porque dão conforto. Estes dois fatores são talvez mais difíceis de desmontar do que o próprio medo, porque implicam confrontar certezas enraizadas.
Felizmente, existe também o outro lado, menos óbvio, mas poderoso: o orgulho de redescobrir que ainda se consegue mudar. O entusiasmo de voltar a sentir curiosidade. A satisfação de provar a si próprio que a capacidade de aprender não tem prazo de validade. É quase um rejuvenescimento profissional e muitos descrevem-no como reencontrar energia e propósito.
E por que razão esta reflexão é tão urgente hoje? Porque estamos num mercado em que a longevidade da vida ativa aumenta e em que as empresas não podem desperdiçar talento. Profissionais com 40, 50 ou 60 anos carregam um capital humano feito de experiência, visão estratégica e conhecimento tácito que nenhum curso técnico substitui. Ignorar esta dimensão é perder um dos ativos mais valiosos de qualquer organização.
Numa altura em que se fala tanto de escassez de talento e de retenção, esquecer esta faixa etária é um erro estratégico. O verdadeiro desafio não é só atrair jovens com competências digitais, mas integrar gerações, valorizar a diversidade etária e criar condições para que todos continuem a aprender com confiança, sem arrogância e sem comodismo.
Para os responsáveis de formação, a conclusão é clara: não basta oferecer programas de requalificação técnica. É preciso criar contextos onde a vulnerabilidade é legítima, onde é seguro errar, onde a coragem de reaprender é reconhecida e valorizada. A gestão da aprendizagem tem tanto de pedagógico como de emocional.
Porque, no fim, quando alguém redescobre que ainda é capaz de aprender, não ganha apenas uma nova competência. Recupera a certeza de que continua a ter futuro, e isso é, hoje, um dos investimentos mais inteligentes que qualquer organização pode fazer no seu capital humano.

Gabriel Augusto
Diretor-Geral da FLAG