Em 2003, Gonçalo Ribeiro Telles, o grande arquiteto paisagista, já dizia: “a limpeza das florestas é um mito”. Alertava para aquilo que muitos não queriam ouvir: o problema não era falta de limpeza, mas sim um ordenamento do território cego, baseado em monoculturas florestais e em interesses económicos imediatos. Falava do excesso de eucaliptos e pinheiros, da ausência de uma visão de longo prazo, da pressão da indústria da celulose e da substituição das florestas autóctones por uma lógica de exploração intensiva.
Em 2016, escrevi sobre algo que ainda hoje me dói: o desaparecimento dos Guardas Florestais. Homens e Mulheres que viviam dentro da floresta, conheciam cada recanto, sabiam onde e como surgiam os primeiros fogos, fiscalizavam e preveniam, mantinham a ligação entre as populações e o território. Eram o primeiro braço de uma estratégia que Portugal abandonou. Sem eles, a floresta ficou órfã. E no lugar de carvalhos, sobreiros, azinheiras, freixos ou ulmeiros, crescemos uma monocultura vinda da Oceânia — o eucalipto — que seca solos, mata biodiversidade, alimenta fogos e se tornou quase impossível de combater quando arde.
Em 2017, chegou o ano fatídico que muita gente quer esconder por razões politicas, como se fosse possível esquecer. O país inteiro ficou em choque. Pedrógão Grande, Góis, Oliveira do Hospital, Tondela… mais de 100 vidas perdidas. As promessas foram muitas: reconversão das florestas, limites à expansão do eucalipto, apoio a quem preservasse espécies autóctones. Durante semanas, políticos choraram diante das câmaras e disseram que “nunca mais seria igual”. Mas foi... Passados os fogos e as "modas", tudo voltou à normalidade da inação. A indústria da celulose manteve a sua força. As autarquias continuaram reféns de interesses económicos. Os cidadãos ficaram mais pobres, com medo, a replantar sozinhos o pouco que lhes restava.
Em 2023, voltei a escrever: Portugal é o país do mundo com maior densidade de eucalipto por área. Somos o quinto país do mundo em área total de eucalipto, mesmo sendo minúsculos face a China, Brasil ou Austrália. Temos estradas ladeadas de árvores inflamáveis (A1, A13, IC8), verdadeiros corredores de fogo que põem em risco vidas humanas. E continuamos a perder o que de mais valioso temos: biodiversidade, água, solos férteis e florestas autóctones.
Hoje, em 2025, nada mudou de fundo. A floresta portuguesa continua sem ordenamento. Apenas 0,67% da floresta é intocada. O Pinhal de Leiria, herança de D. Dinis, praticamente desapareceu. A Serra da Estrela, em 2022, ardeu de forma devastadora, onde a minha propriedade foi atingida e perdemos olival, 5ha de vinha e parte da floresta autóctone. E agora somam-se novas ameaças: as culturas superintensivas de amendoal e olival no Alentejo e Beiras, que trocam o dourado natural dos campos por um verde artificial, à custa de solos que podem morrer dentro de 40 anos.
As perguntas continuam por responder
• Porque é que o país que mais arde na Europa não tem meios próprios para combater fogos, dependendo sempre de privados?
• Porque é que o exército não é parte ativa no combate, com equipamentos adequados?
• Porque é que os bombeiros continuam mal equipados e mal preparados para incêndios florestais?
• Porque é que não voltam os Guardas Florestais, que garantiam proximidade, prevenção e fiscalização?
• Porque é que madeireiros podem comprar madeira queimada a preço de saldo, lucrando com a tragédia?
• Porque é que a indústria da celulose continua a ser protegida por governos de todos os partidos?
• Porque é que ainda hoje não existe uma estratégia séria de reconversão para espécies autóctones, porque não são subsidiadas as florestas autóctones?
A conclusão é dura
Portugal continua a vender a alma ao diabo. Ontem foi o eucalipto, hoje são os olivais e amendoais superintensivos. Sempre o mesmo modelo: lucro rápido, destruição garantida. Estamos a empobrecer o país natural, a condenar o futuro das gerações que aí vêm, a trocar florestas vivas por uma monocultura de papel e fogo.
Estamos num país a prazo.
E quanto mais tempo demorarmos a acordar, menos floresta, menos biodiversidade, menos água e menos vida teremos para salvar.