Apesar da "interioridade" (e, convenhamos, que esta designação não é apenas um estigma…) gostaria de sublinhar que a apresentação do nosso livro – Ideias Simples Para uma Escola Feliz – que decorreu no Centro Cultural Raiano, em Idanha-a-Nova, no passado dia 5 de julho, constituiu um êxito editorial.
Felizmente, tivemos casa cheia, com alguns dos autores a deslocarem-se de várias cidades do país, e a simpática e solidária presença dos "habitués", sempre muito interessados neste tipo de iniciativas: consumidores de literatura, profissionais da educação, estudantes, autarcas, dirigentes institucionais, comunicação social… sempre num ambiente agradável e descontraído.
O livro, de que sou coautor e organizador, dado o seu conteúdo e colaboradores participantes, revela-se-nos como uma obra singular, única e com forte probabilidade de integrar o espólio histórico da educação, no último meio século.
Desde logo, porque conta com a colaboração exclusiva (dado que todos os textos foram redigidos, propositadamente, para este livro) de Professores, em situação de aposentação, ou termo de carreira, nacionais e internacionais, com significativa e prolongada experiência na docência, investigação, ou no exercício de cargos públicos. Docentes que são reconhecidos, entre pares, enquanto referências no âmbito da Educação: na investigação, na direção de instituições, ou no exercício de cargos governamentais, e com percursos diversificados em diferentes países da Europa.
Mas também, porque consideramos difícil reunir, num mesmo volume, o testemunho personalizado de quem tem memórias e histórias demasiado relevantes para nos comunicarem, e que, de todo, não poderiam cair no esquecimento, esse contentor agnóstico de tanto gostam alguns portugueses.
Em boa verdade, esta obra reúne um relato irrepetível, de toda uma geração de formadores que atravessaram uma parte de dois séculos relevantes nos sistemas educativos, e na luta pela consolidação de regimes democráticos nos seus países, designadamente quanto à defesa da Escola Pública, uma escola que se desejava ser para todos, inclusiva e meritocrática.
Trata-se de uma geração que decidi designar por “Geração dos três Terços”.
Porquê? Porque viveram o primeiro terço da sua vida durante o período da ditadura. Conheceram um país “orgulhosamente só”, um país pobre, sem liberdade, com percentagens inacreditáveis de analfabetismo, muita pobreza, que levou a que mais de um milhão de portugueses (a maior parte analfabetos), na década de sessenta, tivessem emigrado, a maioria “a salto”, para os países da europa central, onde a juventude foi arrastada para uma guerra colonial, e onde, na Escola elitista, entravam e progrediam apenas as minorias oriundas dos estratos sociais mais favorecidos. E assistiram à perseguição sistemática de todo e qualquer democrata.
Com a revolução do 25 de Abril de 1974, esta mesma geração inicia o segundo terço da sua vida: envolve-se no desenvolvimento da democracia, no respeito pelas liberdades, na construção de uma escola para todos, no acesso e no sucesso, uma escola inclusiva e meritocrática. Assistiu à elaboração da Constituição de 1976, à Lei de Bases de 1986, ao erguer de um serviço nacional e universal de saúde, e ao aumento exponencial da criação da rede de ensino público, designadamente de universidades e politécnicos, que trouxeram ao interior forças de desenvolvimento e aí radicaram uma massa cinzenta, outrora inimaginável.
Esta mesma geração, agora jubilada, ou em vias de o ser, entra no terceiro terço da sua vida, em perplexidade, por nunca imaginar que poderia assistir, novamente, a tentativas sistemáticas de retrocesso, designadamente quanto a direitos elementares dos cidadãos; à corrosão das instituições sobre as quais se alicerçou o regime democrático; às crises económicas e sociais, demasiado repetitivas e inesperadas; ao estado de guerra permanente; à violação dos princípios do humanismo, sobre os quais se ergueu a Europa democrática; à opressão manipuladora das redes sociais, com todos estes acontecimentos a gerar apreensão e temor.
Já o disse e repito, neste terceiro terço, passou-se, com uma velocidade inesperada, da “aldeia global” para a “megalópolis do imprevisível”.
Por isso nesta obra, não vai encontrar herméticos artigos científicos. Antes, sim, a agradável leitura de narrativas pessoais (algumas mesmo autobiográficas) com base nas significantes memórias adquiridas ao longo de um trajeto profissional baseado em convicções, que se tornaram evidências, e que estes autores e protagonistas nos quiseram deixar enquanto Legado Pedagógico para as Novas Gerações.
Estamos, pois, perante uma edição marcante e duradoura, desde logo pela lista de colaboradores que nela quiseram participar. Mas, sobretudo, pela qualidade dos testemunhos que pretendem deixar às gerações que os irão substituir no imparável, irreversível e perpétuo movimento da História, porque não existe a era do vazio.
E, intencionalmente repito, porque não existe a era do vazio, estamos já a trabalhar em dois projectos, em parceria com Fabio Bocci (Universidade de Roma Tre), com Gianluca Amatori (Universidade Europeia de Roma – IRCIT - International Research Center for Inclusion and Teacher Training) e com membros do CICS.NOVA - Interdisciplinary Center of Social Sciences, da Universidade Nova de Lisboa: 1 – Como Formar Professores para o Século XXI e 2 – As Salas de Aula do Futuro.
Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico