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Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVII

Opinião Não deixar a prótese à porta

Como bem referiu Eduardo Marçal Grilo numa das suas muitas intervenções a que tive o prazer de assistir, hoje todos temos uma “prótese” que não largamos - o telemóvel. Somos, novos e menos jovens, incapazes de sair de casa sem aquele equipamento que faz praticamente quase tudo, menos “tostas mistas” e que pode ser visto como um instrumento importante no ensino. Para que isso aconteça é importante definirem-se estratégias, imporem-se regras e explorar as suas potencialidades para atividades didáticas e de aprendizagem.

Numa altura em que se discute se deve, ou não, o uso dos telemóveis ser proibido dentro da escola, e num ano letivo em que uma em cada quatro escolas já limitou ou proibiu o uso de telemóveis, importa refletir sobre o tema.

Parece-me claro que a proibição não será o caminho correto. Nesta matéria partilho a ideia defendida pela investigadora do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, Neuza Pedro, quando diz que “se tirarmos os telemóveis por completo do contexto escolar, estamos a não preparar as nossas crianças e jovens para utilizá-los produtiva e pedagogicamente. E estamos também a não prepará-las para saberem ser capazes de não utilizar estes equipamentos, ou seja, de regular a necessidade de os usar e também regular a capacidade de saber não usá-los. Precisamos de educar as crianças para o uso dos telemóveis, mas temos as escolas a viver movimentos contrários de levar a que os equipamentos móveis sejam removidos do seu interior” (in Expresso).

Também o investigador, professor universitário e antigo reitor da Universidade de Lisboa, António Nóvoa, considera que o nosso dia-a-dia está marcado “pelas novas tecnologias, pelos smartphones, pelos tablets. Dizem: mas isso é um elemento de distração. Mas pode não ser. Pode ser um instrumento de trabalho, de aprendizagem, de conhecimento. Perguntar se as novas tecnologias têm ou não lugar dentro da escola, é quase a mesma pergunta que se chegou a fazer há 500 anos atrás, se os livros deveriam entrar na escola ou não. Na altura, o ensino era de memorização, e diziam que o livro os iria distrair, pois precisavam de memorizar. Que tinha lá as informações e que se podia ir consultar quando se quisesse, pelo que o melhor era o livro não entrar no ensino. Ou seja tudo isto não faz sentido. O digital faz parte da vida. Ele tem que ser utilizado. É um potencial impressionante”, disse ao Ensino Magazine.

A decisão de proibir, ou não, o uso desses dispositivos na escola compete às suas direções. Em setembro, o Governo recomendou às escolas para que optassem pela proibição do uso e da entrada de telemóveis nas escolas dos 1.º e 2.º ciclos. A medida gerou aplausos de quem considera que esses equipamentos são a razão de maus comportamentos ou de distrações. Mereceu criticas por quem, em sentido contrário, olha para eles como uma oportunidade.

Aquilo que não podemos aceitar é que a escola não veja o mundo como ele é na realidade. Um mundo onde muitas das crianças e jovens que agora entram para a escola receberam o seu smartphone com apenas quatro anos. A sua habilidade e intimidade com a máquina podem ser uma mais-valia na perspetiva pedagógica, de os preparar para uma utilização positiva, mas também para  lhes gerar capacidade de não a usarem em determinados momentos. Nenhum de nós deixa o telemóvel em casa. E se formos de uma divisão para outra, ele vai connosco. O mundo está na palma da nossa mão, à distância de um polegar. Esta é a realidade. E a escola deve ter a capacidade de se adaptar e não de proibir a utilização da tal prótese que ninguém larga...

João Carrega
carrega@rvj.pt