Jesus dirigia-se vagarosamente a na direção do Templo. O dia amanhecera em morna apatia e as cerimónias religiosas só algumas horas depois teriam início. Jesus palmilhava um caminho engastado num verde prado e tinha o segredo (com toda a certeza) de dar delicadeza, dignidade e bom gosto às mais banais sensações. Seguindo o Mestre e os seus discípulos, começavam a chegar os primeiros ouvintes e, de mão estendida, um ou outro postulante pobre ou doente. Desassombrado, fácil, cheio de confiança em si e, por isso, tão bondoso como pouco suspicaz com o próximo, social por excelência e francamente otimista, São Pedro era o que mais alto falava e o mais caudaloso em motivos de uma alegria sincera.
De súbito, meia centena de homens (homens só) conduzidos por uma dezena de escribas e fariseus, aos gritos, aos insultos e vitupérios, arrastam e agridem uma mulher desgrenhada , de vestes rasgadas e choro convulso. Pelas vestes rasgadas se distingue que se trata de mulher elegante, apetitosa e trintona não mais. Ao abeirar-se de Jesus, a turba abriu-se num círculo. Um dos escribas, em voz exaltada e fanhosa, afirmou: “Mestre, sabemos que és sábio e justo, Pedimos-te, por isso, uma opinião. Esta mulher é casada e foi apanhada a fornicar com um homem que não é o seu. Ora, segundo a lei de Moisés, a mulher adúltera deve ser lapidada. Neste caso (e sublinhou) um caso semelhante, o que devemos fazer?”.
Pesado de leis e de normas religiosas, um ansioso silêncio esperava o conselho de Jesus. Aos pés de um rapaz possante, cujos braços musculosos o esforço entumecia e avermelhava, um saco esperava o momento de começar a despejar as pedras, uma após outra, na mulher adúltera. Simulando distração, Jesus agachou-se e começou, com um dedo, a escrever na areia. “Não dizes nada? Nem uma palavra sequer?”, gritou, impaciente, um fariseu. “Moisés quem é para ti?” interrogou, colérico, um escriba. “Gostavas que acontecesse o mesmo contigo ou com alguém da tua família?”, insistia, engrossando a voz, um dos presentes. Indiferente ao escarcéu que se levantara à sua volta, Jesus escrevia, escrevia sempre…
Até que se ergueu o Mestre e fitando com altivez, corajosamente, cada um dos acusadores, escondendo o fel de uma mágoa intraduzível, disse: “De todos vós quem estiver, aqui, sem pecado, seja o primeiro a lançar uma pedra contra esta mulher”. E agachou-se de novo a escrever, a escrever sempre. O escriba deitou os olhos para os carateres que Jesus riscava no chão e leu: ”ladrão”. Um dos acusadores mais irados baixou os olhos e soletrou: “assassino”. Um dos fariseus viu escrito no chão: “adúltero”. Outro todo se viu na palavra: “corrupto”. Um saduceu leu, de longe: “perjuro”. E, afinal, nenhum dos homens que ardentes, afogueados, pedia a morte da mulher – ali, estava sem pecado! E pecado grave! Mesmo invocando Moisés e outros profetas.
À medida que os crimes ocultos, de cada um dos acusadores, eram conhecidos, um silêncio se fez e todos eles vencidos, humilhados envergonhados, paulatinamente se foram afastando. Só os soluços da mulher se escutavam. Sentindo Jesus uma piedade profunda pelos pecados, pelos erros, pelos devaneios daquela mulher, perguntou-lhe: “Onde estão os que te acusavam e te queriam matar?... Ninguém te condenou?” Ela respondeu: “Não, Senhor, ninguém me condenou”. Então Jesus disse-lhe: “Também eu não te condeno. Vai e não voltes a pecar”. Jesus acabava de escrever uma das mais belas páginas da história da humanidade! Isto, há mais de dois mil anos!