No decurso da revolução industrial a implantação dos caminhos de ferro foi considerada um momento marcante da evolução civilizacional, tanto a nível tecnológico e económico, como antropológico. Na transição do século XIX para o século XX a invenção da máquina a vapor demonstrou ser o elemento fundamental para o desenvolvimento de múltiplas áreas industriais, tais como a máquina rotativa com a consequente divulgação massiva da imprensa escrita. A locomotiva a vapor, que ao ser colocada sobre carris, demonstrou ter potência bastante para puxar carruagens de passageiros e vagões foi motivo de progresso e motor de revoltas de agricultores que não aceitaram a invasão dos campos pelos “monstros de ferro” que deslizavam sobre carris e rasgavam os campos. Na Inglaterra, a revolta dos camponeses conduziu em alguns casos à destruição de material circulante. Os camponeses temiam que a sua atividade milenar pudesse entrar em crise. Essa terá sido uma das principais motivações para as migrações de grupos de agricultores, que abandonaram as suas atividades e se proletarizaram nos arrabaldes das cidades.
Na transição da primeira para a segunda metade do século passado surgiram os primeiros computadores, máquinas imponentes mas com poucas capacidades de processamento de dados. Com a comercialização do primeiro PC - Personal Computer - máquina criada pela I.B.M. em agosto de 1981 - aumentou o poder da computação e a sua relativa portabilidade. Entretanto, a miniaturização progressiva das máquinas avançou, a par com a melhoria das capacidades de processamento e diminuição de peso. Segundo a “Lei de Moore” o número de transistores que equipa os processadores diminuiu progressivamente de tamanho e duplicou as capacidades de cálculo em média todos os dezoito meses.
Esta breve digressão por um passado relativamente recente serviu para contextualizar processos e procedimentos na investigação sobre inteligência artificial cuja progressão vai de par com a capacidade de computação das máquinas agregadas em rede, com acesso a bases de dados bem estruturadas. Desde que o anúncio da criação de sistemas de inteligência artificial se propagou, logo nasceu nos media e nas redes sociais correntes de opinião que prevêem o desemprego dos chamados “colarinhos brancos”, ou seja de profissionais de múltiplas áreas, tal como ocorreu no século XIX.
O certo é que com a robustez consolidada do hardware, software, bases de dados e das redes, foi possível melhorar exponencialmente a prestação algorítmica, organizada em redes neurais, que possuem com boa capacidade de extração, organização da informação e restituição de resultados.
Assim se justifica o aparecimento de um panóplia crescente de programas de apoio à tomada de decisão, como por exemplo, a Case Law Analytics que apoia a decisão nas áreas jurídicas; a Jukedeck empresa recém comprada pela chinesa Byte Dance, detentora do TikToK, que utiliza algoritmos de inteligência artificial para criar música original. Assim também a Dall-E-2 demonstra capacidade de recriar imagens e quadros a partir de obras já existentes. Neste último caso, a Getty, empresa que gere direitos de autor sobre as imagens sob a sua jurisdição, decidiu processar a Dall-E 2 por considerar que as obras “criadas” por este sistema de “inteligência artificial” são um produto oriundo de imagens de que a Getty afirma possuir os direitos de autor.
Ultimamente, o Chat GPT, agora adquirido pela Microsoft e batizado como Bing, entrou nos grandes parangonas de alguma imprensa mundial como o nec non plus ultra da inteligência artificial.
Nada de mais errado.
Trata-se, isso sim, de um sistema de “machine learning”, ou seja, de uma rede neural que gere grandes massas de dados e tem a capacidade de cotejar dados e, entre eles, encontrar padrões informativos que organiza e devolve ao utilizador como respostas estruturadas em função dos pedidos que lhe foram colocados. Todavia, não possui um conhecimento profundo, nem qualquer tipo de mundividência sobre o conhecimento humano. Os sistemas de “machine learning” são apenas uma ferramenta. Os resultados que apresentam só serão úteis, se os dados das bases que pesquisam demonstrarem qualidade acima de qualquer suspeita.
Entretanto, nos Emirados Árabes Unidos, país onde Cristiano Ronaldo se esforça por demonstrar competência para continuar a marcar golos, surgiu uma notícia inesperada. O ministro da educação, Ahmad Belhoul Al Falasi, decidiu equipar as salas de aula do seu país com sistemas Chat GPT3 através de contratos assinados com a Microsoft e a Open A.I, de Sam Altman.
A informação surgiu no decurso da Alef Education Summit 2023, simpósio que decorreu no Museu do Futuro, no Dubai. No decurso da sua intervenção o ministro Al Falasi fez questão de sublinhar que “os “métodos tradicionais de ensino foram transformados com ferramentas inovadoras, revolucionando a sala de aula através da aprendizagem interativa e à distância”.
No seu entusiasmo, o ministro da educação dos Emirados Árabes Unidos foi ainda mais longe ao aconselhar “professores e académicos de todo o mundo a reavaliar não só a forma como ensinam, mas também o modo como avaliam os estudantes”.
Salvo melhor opinião creio que o senhor ministro poderia arrefecer um pouco o seu entusiasmo e seguir a abalizada opinião de um outro craque do futebol português, que acertou no “véu da noiva” ao afirmar que “prognósticos só depois do jogo”.