Após mais de vinte anos desde as primeiras propostas, a Assembleia da República aprovou a alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo permitindo a concessão do grau de doutor pelos Institutos Politécnicos e o uso da designação de Polytechnic University.
A história do ensino politécnico em Portugal é marcada, desde a sua origem, por uma luta contínua entre uma diferenciação de caráter vertical (abaixo) do ensino universitário e uma diferenciação horizontal (ao lado). Os sucessivos governos e as diversas forças políticas sempre afirmaram que perfilhavam a segunda opção. Mas, na verdade, quase sempre agiram no sentido da primeira. E esta diferenciação vertical foi apoiada pela esmagadora maioria dos responsáveis universitários portugueses. No artigo “Ser ou não ser: o ensino politécnico” incluído no livro 40 Anos de Políticas de Ciência e Ensino Superior (2015: 607-622) organizado por M. Lurdes Rodrigues e Manuel Heitor tive oportunidade de analisar de forma sustentada aquela dicotomia. Mas, para se perceber melhor a posição do “establishement” universitário, bastará notar que, nesse livro sobre o ensino superior (onde, nos 50 autores participantes, se encontram ex-governantes, ex-reitores, ex-diretores, ex-presidentes, etc.,) somente um texto é sobre o ensino politécnico e dois ou três se referem expressamente ao mesmo…
A questão nunca foi pacífica nem sequer dentro dos próprios politécnicos. Quando, no início do século XXI, na qualidade de presidente do Instituto Politécnico de Castelo Branco, reivindiquei o direito de usar a designação de “Universidade Politécnica” fui objeto não só de avisos do ministério sobre a proibição de tal possibilidade, mas ainda de muitas críticas por alguns dos meus próprios colegas.
Após a aprovação do paralelismo de requisitos entre as carreiras docentes (universitária e politécnica) não fazia de todo sentido a proibição do grau de doutor pelos politécnicos, pelo que a recente decisão se mostra de racionalidade óbvia.
Convém, no entanto, lembrar que esta evolução se deve principalmente à pressão da OCDE e às suas críticas aos critérios administrativos e não científicos, na sua avaliação do ensino superior português, o que levou finalmente o Governo a alterar a legislação nesse sentido. Mas não pode deixar de ser acentuado que a presente alteração à lei de bases ao permitir efetivamente a concessão de doutoramentos pelos politécnicos resulta de uma INICIATIVA DE CIDADÃOS e não do governo ou dos partidos políticos. Iniciativa liderada pelos presidentes dos Conselhos Gerais de alguns politécnicos, com relevo para Pedro Lourtie, cujo papel e persistência devem ser realçados. Por isso, mais uma vez, a mudança aconteceu de fora para dentro. Lamentavelmente a universidade portuguesa continua a não ser fonte de mudança em Portugal.
O pormenor picante desta história é a decisão dos deputados ao permitir o uso da designação em língua inglesa de “Polithecnic University”. Ou seja, os senhores deputados consideram que os estrangeiros devem conhecer os Institutos Politécnicos por “Universidades” (o que é útil porque em muitos países nem se percebem estas “nuances” nominalistas), mas os portugueses não podem.
Ridículo e estúpido! Mas uma estupidez com significado político e social. Shame on you!