As doenças cardiovasculares são a principal causa de mortalidade nos países desenvolvidos.
Em Portugal, cerca de 5500 doentes são submetidos a cirurgia cardíaca por ano, existindo ainda mais de 1500 doentes a aguardar intervenção cirúrgica ao coração. Destes doentes em lista de espera, mais de 75% ultrapassam o tempo de espera máximo determinado em Diário da República.
Existem várias justificações para esta situação, tais como a escassez dos recursos humanos, o atraso provocado nas cirurgias eletivas pela pandemia de COVID-19 e a crescente capacidade de diagnóstico e referenciação destas patologias cardíacas para cirurgia, por parte dos Cuidados de Saúde Primários e Cardiologia.
Esta atual situação tem-se revelado um verdadeiro drama, uma vez que – mais frequentemente do que a sociedade poderá imaginar – aquando da convocação do doente para cirurgia cardíaca, as equipas médicas são deparadas com o falecimento do mesmo. Outros, quando convocados, chegam consideravelmente em pior situação clínica à cirurgia do que quando avaliados inicialmente pelo cirurgião, tendo recorrentes descompensações que motivam idas ao Serviço de Urgência ou internamentos antes de serem submetidos à intervenção cirúrgica. Assim, é imperiosa uma “reflexão de fundo” no sentido de corrigir esta problemática.
A questão dos critérios sobre os tempos de espera para cirurgia cardíaca coloca-se, maioritariamente, nos sistemas de saúde beveridgianos, como é o caso dos países anglo-saxónicos, nórdicos e, também, de Portugal, onde cabe ao Estado a principal responsabilidade de financiamento e de prestação dos cuidados de saúde.
Será moralmente aceitável que um cidadão, que contribui com elevada carga fiscal para a saúde e que se depara com a indicação do seu médico de referência para ser operado, não encontre resposta em tempo útil por parte do SNS que lhe garanta a necessária cirurgia?
É de conhecimento clínico que a esperança média de vida de um doente com estenose aórtica grave e dispneia é inferior a dois anos; e que o elevado risco de morte súbita recomenda que a substituição valvular seja realizada num curto espaço de tempo. Estudos sobre estenose valvular aórtica grave sintomática demonstraram uma mortalidade em lista de espera de 3,7 e 8,0% ao fim de um e seis meses, respetivamente. Existe ampla evidência de que uma intervenção em estadios precoces melhora o prognóstico a longo prazo e poderá evitar consequências como arritmias, persistência de disfunção ventricular e hipertensão pulmonar.
É necessário diferenciar os tempos de espera máximos entre especialidades médicas, como, por exemplo, para uma estenose aórtica ou para a doença coronária; dos tempos máximos aceitáveis para outros tipos de intervenção cirúrgica (ex.: cirurgia ortopédica ou oftalmológica), onde se observa uma menor gravidade das consequências. A redução dos tempos de espera máximos na cirurgia cardíaca assume-se de especial importância, não só para evitar impactos severos na saúde e na qualidade de vida dos doentes, tais como deterioração da função ventricular, enfarte do miocárdio, insuficiência cardíaca ou morte, como também consequências a nível económico, através dos custos diretos e indiretos relativos a morbilidades, internamentos repetidos ou prolongados e reduções notórias da atividade laboral dos doentes e familiares.
As estratégias para resolver esta problemática poderão envolver a atividade adicional, o trabalho em horas extra com remuneração adequada, a contratação de recursos humanos (desde anestesistas, cirurgiões, enfermeiros e perfusionistas) ou estabelecimento de acordos com entidades privadas.