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Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVII

Opinião Temos que ser diferentes, ou temos que deixar de o ser?

Finalmente, é reconhecido, publicamente, que temos falhado na formação e actualização permanente dos docentes, ao longo da sua carreira profissional. E continuamos, também, a falhar na formação inicial de professores e de educadores, uma formação essencialmente virada para um saber académico, com escassa prática em trabalho desenvolvido dentro da escola e da sala de aula, ou seja, divorciada dos procedimentos diários da comunidade escolar e dos jovens que a integram.
Importa também responder à pergunta: Onde se situa o lugar de trabalho do professor? Todos os projectos de formação de docentes assentam na presunção de que o espaço de actuação dos professores é apenas a sala de aula. O professor, por motivos que não importa agora aprofundar, foi-se habituando a valorar, a animar, a vivenciar e a humanizar a sala de aula, não sendo chamado a envolver, até pelo escasso tempo de que dispõe, a sua capacidade criativa no espaço escola e na comunidade que a envolve.
Tal concepção não resistiu à evolução social, cultural e tecnológica das últimas décadas. O professor deve também ter competências de actuação no espaço escola e no meio que a envolve? O professor, para além de ensinar deve também educar, tutorar, intervir e supervisionar o meio e a família de referência dos seus alunos? O aluno deve aprender matérias, mas também aprender a ser e a saber fazer as suas escolhas, de acordo com procedimentos éticos socialmente relevantes? A escola deve promover o sucesso escolar dos aprendentes, mas também cuidar do seu sucesso educativo e da promoção da sua integração social e laboral? O educador deve saber ser e estar frente aos seus formandos, mas também necessita de comunicar com eles nesse outro universo proporcionado pelas novas tecnologias da informação e da comunicação?
Se as respostas forem afirmativas, então a formação de professores tem que mudar radicalmente.
Inevitavelmente, terá que incluir o treino de todas essas competências que permitam esta nova e múltipla actuação do professor na sala de aula e, em trabalho colaborativo, na escola, na comunidade parental, no mundo da informação global, anulando o estigma da burocracia e do tarefismo que diariamente atrofia o desenvolvimento profissional dos docentes.
E uma das formas formas de o conseguir está na entrega (devolução?) às escolas “reais” de uma boa parte da formação inicial e permanente que, até agora, está cometida apenas às instituições formadoras dos docentes.
O medo ou a incapacidade de agir perante o desconhecido. A humana tendência de nos apegarmos ao que sabemos melhor fazer. Tudo isso, diríamos, condiciona o sentimento de bem-estar profissional e a auto estima dos professores e dos educadores.
Em todos os ofícios o desânimo configura uma gravíssima anomia profissional. Uma boa parte do mal-estar dos docentes advém de uma clara erosão das suas competências profissionais, das injustificadas rotinas que se instalaram injustificadamente, e da pressão para o cumprimento de novas funções para as quais não foram preparados.
Não sabendo como assumir essas novas competências, o professor sente-se incompetente e retrai-se.
Cabe também às associações profissionais e sindicais o esforço de inverter a situação. De ajudar a anular a retroactividade que se pode instalar nos seus associados. De colocar o debate no futuro e não no sistemático carpir sobre o passado, centrando o discurso e a narrativa no papel insubstituível da escola e dos professores, enquanto imprescindíveis impulsionadores do desenvolvimento económico, social e cultural dos portugueses.
Julgo que todos nós sabemos o que queremos ser e o que a sociedade exige de nós. Mas temos medo de dizer que sabemos o que deveríamos ser e o que querem que sejamos. Por isso, temos que ser diferentes, ou temos que deixar de o ser?

João Ruivo
ruivo@rvj.pt

Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico