O poeta português Amadeu Baptista é o vencedor do Prémio Internacional de Poesia António Salvado (promovido pela Freguesia e Câmara de Castelo Branco e ao qual concorreram mais de 500 poemários) com a obra ‘As Sombras Nítidas’. Ao Ensino Magazine considera que “a poesia é uma intransigência incaracterizável”. Diz que ganhar prémios é mal visto pela crítica e pelos pares e considera que “novos autores serão sempre bem-vindos, sobretudo os que ampliem e revolucionem a tradição linguística a que pertencemos”.
Durante vários anos dirigiu um blogue e promete um dia regressar a essa plataforma. Amadeu Baptista olha para o mundo digital com naturalidade. “Estou no mundo digital. Hoje em dia é inevitável que assim seja”, conta, enquanto apela às gerações mais novas para escreverem. “Desde que escrevam, e que escrevam bem, pouco importará o suporte em que vierem a responder ao apelo das suas mais profundas interrogações”, reforça. Também as respostas às nossas perguntas vieram na volta do email.
As sombras nítidas” é o título do livro vencedor do Prémio Internacional António Salvado. Como caracteriza esta sua obra?
É mais um livro de poesia. E, como deveria saber-se, a poesia é uma intransigência incaracterizável: vem-se-nos à carne e, depois, é impossível desaloja-la, obriga-nos a um enfrentamento compulsivo e leva-nos a pensar que atingimos o auge do mistério e que o podemos decifrar. É uma ilusão, mas como ilusão faz parte do ofício da aprendizagem do mundo, isso que será para sempre indecifrável.
Este não é o primeiro prémio que os seus poemas conquistam. O facto de ter como patrono António Salvado, tem um significado especial?
Já perdi a conta aos prémios que ao longo de muitos anos fui recebendo. Apraz-me concorrer a prémios de poesia, sobretudo quando as obras a concurso são obrigadas a anonimato, como é o caso deste. Para além do benefício económico, não servem para muito mais. Ganhar prémios é mal visto pela crítica e pelos pares. Mas como tenho uma reforma miserável tenho que usar desta estratégia para sobreviver. De outro modo, creio que passaria fome e pelas demais necessidades com que um autor de poesia se confronta nos dias de hoje e desde sempre. Costumo dizer, no entanto, que não agradeço prémios literários, mas que fico por eles grato. E um prémio promovido sob a égide de António Salvado não é, em caso algum, despiciendo.
Neste seu livro que mensagens quis transmitir aos seus leitores?
Se é que tenho leitores…
A mensagem subjacente a todos os livros de poesia é a da extrapolação do conhecimento, tomando como ponto de partida os temas intemporais que são próprios da poesia: a memória, o amor, a morte, a resistência ao quotidiano, a descoberta do funcionamento do mundo e as implicações que reformulam e explanam o autor enquanto ser que pensa e que sonha.
Amadeu Baptista escreve sobretudo poesia, mas também já publicou prosa e literatura para a infância. Neste seu percurso, como é que avalia o aparecimento de novos poetas e escritores portugueses?
Novos autores serão sempre bem-vindos, sobretudo os que ampliem e revolucionem a tradição linguística a que pertencemos. Mas temo que poucos apareçam a este tipo de chamada, uma vez que para escrever é absolutamente necessário ler e o que é certo é que, infelizmente, há cada menos leitores neste país, que cada vez mais exerce uma espécie de indigência criativa que mostra que estamos todos no mau caminho, sobretudo pela falta de juízo crítico sobre as coisas.
A cultura em Portugal quase sempre foi encarada pelos governos como o parente pobre das prioridades. Teme que a junção da cultura ao desporto promovida pelo actual Governo pode ter efeitos menos positivos para a cultura no nosso país?
É o que creio e é o que temo. E também acredito que não é por acaso que assim acontece. Pior: acho que assim é por uma acção deliberadamente premeditada. Basta pensar como o acordo ortográfico actualmente em vigor desestruturou a língua a ponto dos próprios falantes (e quem diz falantes diz leitores) serem arrastados para inúmeras armadilhas sem sentido que, em vez de os aproximarem da sua língua materna, os exilam em territórios de incompreensão e de desentendimento. Misturar conceitos como desporto, juventude e cultura, é querer servir a demasiados amos ao mesmo tempo e, pelo absurdo que é misturarem-se concepções tão dispares entre si, não augura nada de bom, obviamente.
Representou Portugal em vários encontros internacionais de escritores, designadamente na Bélgica, em Espanha, em França, no Luxemburgo e no México. Como é que esses países olham para os poetas e escritores portugueses?
Somos olhados lá fora com muita surpresa e com muita atenção. A nossa periferia garante uma frescura e uma novidade que resulta, o mais das vezes, em pontes de intercâmbio e de interacção. E esse intercâmbio, obviamente, só pode resultar como um segmento importante e consequente da nossa cultura. Pena é que este seja um caminho árduo e cheio de contrariedades.
Nas gerações mais novas o livro é muitas vezes substituído por conteúdos digitais e pelo ecrã do computador, tablet ou do telemóvel. De que forma, enquanto escritor, olha para esse fenómeno?
Desde que escrevam, e que escrevam bem, pouco importará o suporte em que vierem a responder ao apelo das suas mais profundas interrogações. A manutenção de vários blogues dedicados à literatura em geral e à poesia em particular é, manifestamente, um bom atalho para a difusão de novos e de ‘velhos’ autores. Importa é não desistir e perseverar na realização dos projectos que cada um queira manter.
Durante algum tempo manteve o seu blogue pessoal. Como classifica essa sua experiência?
Um dia voltarei ao blogue. O blogue abriu-me novos horizontes e, através dele, cheguei a muitos pontos onde não esperei chegar. E fiz, através dele, muitos novos amigos. É uma experiência a repetir, um dia destes.
Voltará ao mundo digital?
Estou no mundo digital. Hoje em dia é inevitável que assim seja. Como disse, um dia destes voltarei ao blogue. E no facebook, quase diariamente, publico poemas meus e poemas vertidos para português de outros autores de várias procedências. É uma difusão do que faço que me projecta e garante um público mais vasto. E uma difusão mais eficaz.
Cara da notícia
Traduzido em várias línguas
Nascido no Porto, publicou o seu primeiro livro de poemas, "As Passagens Secretas", em 1982. Em 2023 publicou a Antologia ‘Danos Patrimoniais’, que comemora os seus 40 anos de atividade literária (com ilustrações de Margarida Santos e António Ferra e posfácio de Henrique Manuel Bento Fialho), Porto, Edições Afrontamento, 2023.
Tem colaboração dispersa em jornais, revistas, livros coletivos e antologias na Alemanha, Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, EUA, Espanha, França, Grã-Bretanha, Itália, Luxemburgo, México, Portugal, Roménia e Uruguai. Alguns dos seus poemas foram traduzidos para alemão, castelhano, catalão, croata, francês, hebraico, inglês, italiano, mandarim e romeno.
É tradutor de poetas espanhóis, gregos e escandinavos. Os seus últimos livros publicados foram: “Cu + Sn – Bronze”, Vila do Conde, Flan de Tal, 2024 e "Sobre a Beleza" (com fotografias de Alfredo Cunha), Porto, 2024.