Portugal debate-se com um «atraso histórico de séculos» e pouco faz para mudar de vida. A opinião é do fiscalista Luís Leon que afirma que o principal problema do país não é de natureza fiscal, mas sim de caráter cultural.
«Nada é mais certo neste mundo do que a morte e os impostos.» A frase foi celebrizada, no século XVIII, por Benjamim Franklin. Apesar desta espécie de «fatalidade», defende que a população, de uma forma geral, desconhece o motivo pelo qual paga impostos. E até dá o exemplo do pagamento que cada residente faz do seu condomínio. É apenas um exemplo de que falta literacia fiscal e financeira?
O problema do país é, em primeiro lugar, cultural. E estou muito cético que nas próximas gerações essa situação seja resolvida porque as escolas não preparam os estudantes para a vida em sociedade. O que é o IRS? Que impostos é que pagamos? Devem ser poucos os portugueses que quando vão abastecer o seu veículo a uma bomba de gasolina sabem que a maior fatia do que pagam é impostos. Ou até quando vão ao supermercado. Existe sempre uma lógica confrontacional na sociedade que é prejudicial, quando todos contribuimos para o mesmo bolo que é o Orçamento do Estado. Efetivamente, costumo utilizar, em intervenções públicas, o paralelo entre os impostos que os cidadãos pagam e o condomínio que o proprietário de uma fração de um prédio tem de liquidar. Os impostos são uma conquista da civilizaçao. Historicamente, os impostos surgiram para defender os cidadãos da gula do Rei. São receitas comuns da sociedade que são canalizadas para despesas comuns da sociedade.
Ou seja, para haver despesa pública é preciso receita e os impostos são o grosso dessa fatia?
Irrito-me solenemente quando oiço que os medicamentos, os serviços médicos ou os livros são gratuitos. Nada é gratuito. A questão é quem paga? O contribuinte através dos impostos. Falta muitas vezes esta cultura na discussão no espaço público. Nos últimos 20/30 anos as dicussões políticas deixaram de estar baseadas em convicções e modelos de sociedade para passarem a ser um pouco mais ao sabor do vento e dos cliques das redes sociais.
Mas pagamos muitos impostos ou a contrapartida pelo que pagamos é insuficiente, nomeadamente nos serviços públicos, educação e saúde?
Com o devido respeito, se o país continuar a insistir em fazer as perguntas erradas vai ser impossível chegar às respostas certas. O problema do país não é a carga fiscal, o problema é que somos um país de pobres e pelintras. Até os nossos ricos são pelintras. O debate não deve ser sobre a carga fiscal em si, mas a forma como incide sobre montantes miseráveis. Veja-se a discussão sobre a fortuna e comparemos com os Estados Unidos. Lá temos os bilionários, enquanto cá falou-se de impostos sobre a fortuna a partir de um T2 na Lapa. Isto é comparar alguém que tem uma riqueza maior que o PIB português com a aquisição de um imóvel por três milhões de euros. Isto é digno de um país de pelintras, incluindo as nossas elites ricas, que já nem bancos a sério, os de retalho, têm em seu poder. Neste país somos contra ser ricos, contra a criação de riqueza e odiamos querem gera riqueza. Exceto, claro, se for jogador de futebol. Isto é cultural. O recente caso de Hélder Rosalino é paradigmático. Ia ganhar 15 mil euros no governo e levaria para casa, números redondos, 8 mil euros líquidos. Foi um escândalo. Ao mesmo tempo ninguém ousa discutir os salários dos plantéis de Benfica, Sporting e Porto. Um país que é contra a riqueza continuará, certamente, a ser pobre. Portugal continua obcecado com as desigualdades. E combate as desigualdades tirando a quem produz. Temos é de tentar combater a pobreza, mas isso também não se faz atribuindo subsídios. Faz-se capacitando e treinando as pessoas, dando-lhes formação profissional e criando grandes empresas.
Não estamos a fazer, enquanto país, o suficiente para conservar entre nós os melhores dos nossos compatriotas?
Vi esta semana uma entrevista de um jovem português dono de uma “startup” de aplicação de Inteligência Artificial (IA) em fisioterapia. Após finalizar a tese de doutoramento quis transformar a sua ideia num produto. Conseguiu 150 mil euros e depois 250 mil. Mas ninguém no SNS lhe abriu a porta para ensaios. Sem perspetivas, mandou um email para um dos maiores fundos americanos de investimento para “startups” na área da saúde. Recebeu uma resposta 24 horas depois. Fez a sua apresentação, convenceu e recebeu 20 milhões de dólares para lançar o produto. Hoje a sociedade que lidera é uma grande empresa nos Estados Unidos. Quanto é que Portugal fatura com isto? Zero. Penso que respondi à sua pergunta...
O IRS Jovem e o IRC foram os temas âncora do debate sobre o OE 2025. Que impacto terão estas medidas?
É triste que as duas medidas estrela e bandeira do documento não valham o papel onde estão escritas. O IRS Jovem resolve zero problemas e não atrai ou retém qualquer talento. Ninguém cá vai ficar por causa disso. A nossa educação gera boas competências e os portugueses são, por natureza, pessoas com uma capacidade de adaptação invulgar. Não é de
admirar que outros países venham cá buscá-los e lhes ofereçam o triplo. O drama dos jovens é este. Com uma economia pequena, pobre, periférica e irrelevante à escala mundial, o que é que estamos a fazer para mudar? Rigorosamente nada.
E no caso do IRC podia ter-se ido mais longe?
A redução de um por cento foi insuficiente. É melhor do que nada? É. Mas dificilmente mexerá o ponteiro da competitividade. Todos os estudos mostram que há uma correlação direta entre a tributação das empresas e o crescimento económico. Não é uma bala mágica, mas há uma ligação muito direta. Porquê? Se as empresas têm mais dinheiro, podem investir mais, nomeadamente em ativos. Depois lá vem a extrema-esquerda, com o argumento do costume, que isso só serve para distribuir lucros. O dinheiro só por si não vale nada, o que interessa é ter ativos. Guardar o dinheiro num cofre só o fará desvalorizar devido à taxa de inflação.
Qual seria a medida absolutamente incontestável e que traria, garantidamente, resultados?
Nenhuma. E esse é o problema do país. Não há nenhuma medida que resolva um atraso histórico de séculos. E a questão reside essencialmente na cultura. Há é um caminho que é preciso traçar e que tem a sua raiz na cultura. «Pobres, mas honrados» é o ditado popular português que mais me tira do sério.
É isso que acaba por explicar a baixa produtividade?
Acrescenta-se pouco valor, mas nem sempre o problema está no trabalhador, está sim na empresa por não ter os equipamentos e os investimentos necessários, bem como a marca. O pais desbaratou, nas últimas décadas, rios de dinheiro em pontes, autoestradas e afins, quando devia ter tido outras prioridades e estaria hoje a recolher esses frutos. Falta disseminar uma cultura de empreendedorismo desde muito cedo, como eu vi no país onde residi nove anos, o Canadá. É estranho como o país dos Descobrimentos que “deu novos mundos ao mundo” não seja hoje um país de empresários. O caminho não passa por ser trabalhador por conta de outrem, passa sim por arriscar, inovar e criar. Em Portugal falhar não devia ser visto como cadastro, mas sim como currículo. Falhar significa que se aprendeu. Só não falha quem não arrisca.
Sobre a IA existem estudos que apontam para uma massiva destruição de postos de trabalho, logo, menos pessoas a contribuir com impostos para a segurança social. A tributação das máquinas pode ser uma inevitabilidade?
A evolução da história da humanidade diz que esse cenario catastrófico é uma falácia. Ainda nem sabemos que empregos é que a IA vai criar. Como sei o que vou tributar? Já tivemos esta discussão, anteriormente, com a revolução industrial. Temos é de estar preparados para a transição. As revoluções tecnológicas do passado sempre ditaram melhor qualidade de vida e melhores postos de trabalho. No futuro os trabalhadores vão executar as tarefas com outras ferramentas. O que mudará são as competências e as capacitações necessárias dos trabalhadores. Alguém hoje discute o drama das datilógrafas ou das telefonistas? Não, essas profissões morreram. Paz à sua alma! A única diferença nestas mais recentes evoluções tecnológicas é que, nos últimos anos, o tempo entre a criação e a massificação de um produto está a ser encurtado.
Mas antevê a criação de novos impostos?
A política transformou-se na arte de inventar desculpas para criar novos impostos. A IA será mais uma tentação, certamente. E que recairá, inevitavelmente, sobre as empresas que vão ser beneficiadas pela tecnologia. Isto numa primeira análise. Depois pagará o contribuinte, seja ele cidadão, cliente ou empresário.
A CARA DA NOTÍCIA
O explicador dos impostos
Luís Leon nasceu em Lisboa, em agosto de 1975. Viveu no Canadá e regressou em 1984. Licenciado em Direito, desenvolveu uma carreira de 20 anos como consultor fiscal numa das “big four”, a Deloitte, tendo sido promovido a “partner” em 2014 e tornou-se líder da equipa de tributação individual (IRS) em 2020. Em 2022 criou a sua própria empresa, a ILYA. Para além de formador certificado é presença regular na comunicação social para explicar o intrincado mundo dos impostos, em particular as medidas constantes nos orçamentos do Estado.