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Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVII

Rogério Jóia, especialista em assuntos de segurança e comentador da CMTV 'Portugal está, claramente, um país mais inseguro'

24-06-2024

Como inspetor da PJ a perseguir os criminosos, no organismo contra o “doping” no encalço dos batoteiros no desporto e na faculdade a ensinar os jovens que amanhã vão estar no mercado de trabalho. É esta a vida multifacetada de Rogério Jóia, que em entrevista fala, entre outros temas, de crime, segurança, administração pública e…touradas.

 

Tráfico de pessoas, auxílio à imigração ilegal, crimes de ódio e violência entre grupos são os principais indicadores apontados pelo Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), relativo a 2023, que indica o aumento da criminalidade e da violência em Portugal. As estatísticas, à semelhança do algodão, não enganam? Portugal está um país mais perigoso e violento?

As estatísticas não mentem, mas podem enganar-se. E também podem suscitar leituras diferentes. Mas o que se pode constatar, atualmente, é que Portugal está, claramente, um país mais inseguro. E isso traduz-se, não apenas nas estatísticas, mas também naquilo que é a nossa perceção de (in)segurança.

 

No seguimento do volume cada vez maior de migrantes que chegam até nós, as práticas criminosas cometidas por estrangeiros aumentaram?

Para responder à sua pergunta preciso ainda voltar ao RASI, considero que os dados podiam ser divulgados de outra forma. O relatório fala de «estrangeiros» e depois, em concreto, sobre determinados crimes, fala de «africanos», «brasileiros», «pessoas oriundas de Leste», etc. Quando se mencionam roubos e tráficos de pessoas, existem etnias que não estão traduzidas neste relatório. Seria, por isso, da maior importância que o RASI fosse mais específico e menos genérico relativamente aos estrangeiros envolvidos na prática da criminalidade.

Existe a perceção na sociedade que a comunidade indostânica constitui um problema grave em matéria de segurança, nomeadamente no que diz respeito a crimes contra mulheres. Mas antes de os julgar, temos de perceber de onde é que esta gente vem. Nos seus países de origem as mulheres têm uma vida repleta de restrições e mesmo nalguns saem à rua cobertas, enquanto aqui no ocidente a realidade é completamente outra. Por vezes, não conseguem controlar determinado tipo de impulsos e avançam para certos tipos de práticas contra as mulheres. É preciso, por isso, contextualizar o motivo que pode explicar este tipo de criminalidade.

 

Não desculpando esses atos, estes povos são, frequentemente, vítimas…

Sem dúvida, nomeadamente na questão relacionada com a imigração ilegal ou o tráfico ilegal de pessoas relativamente à atividade laboral. Sobre as práticas criminosas cometidas por estas comunidades importa analisar os seus motivos e depois atacar e combater as razões que estão na base dessas atitudes. O que não se pode é tomar a parte pelo todo.

 

Há poucas semanas, o primeiro-ministro dizia não existir correlação entre o aumento do crime e a participação criminal de casos envolvendo imigrantes. Isto é uma mensagem para apaziguar eventuais focos de tensão?

Compreendo essas palavras proferidas pelo primeiro-ministro. Vivemos em Portugal uma governação muito difícil. O executivo governa, não com uma maioria absoluta, mas com uma maioria frágil. É, por isso, natural que Luís Montenegro tenha de gerir determinados assuntos e pastas com pinças. Por um lado, é fundamental admitir que estes migrantes desempenham funções que os nossos compatriotas rejeitam. Por outro, não pode publicamente reconhecer que certas comunidades migrantes contribuem para as estatísticas da criminalidade. Caso contrário, grupos ou partidos extremistas iriam, de imediato, exigir-lhe que fechasse as fronteiras. E se tal acontecesse, teríamos um sério problema de natureza económica. Não é fácil conseguir este tipo de equilíbrio. Em suma, compreendo as palavras do primeiro-ministro, mas é evidente que existiu um aumento da criminalidade, nomeadamente na sua vertente mais agressiva.

 

A que tipologias de crime é que se refere?

Houve crimes que sempre se cometeram em Portugal. Mas, por exemplo, os crimes contra as pessoas são bem mais violentos do que eram há uns anos atrás.

Se se analisar o RASI, quanto ao furto de residências, assistiu-se a um pequeno decréscimo. Mas, por outro lado, constatou-se o aumento marcado nos furtos a estabelecimentos comerciais. O roubo e a violência grupal estão com uma grande incidência, sem esquecer os sequestros e os raptos que em Portugal sempre foram muito raros e agora são mais frequentes. Estamos cada vez mais confrontados, intramuros, com realidades mais próprias do estrangeiro. O que há que dizer, com clareza, é que não se pode dizer que todos os estrangeiros são criminosos. Estou em crer que, a esmagadora maioria dos migrantes que veem para o nosso país, só querem é trabalhar. A grande questão é que temos cerca de meio milhões de estrangeiros que residem no nosso país e dos quais pouco ou nada sabemos, porque não têm a sua situação regularizada. E até admito que alguns tenham conotação ou radicalização terrorista, podendo inclusive servir-se do nosso país como base para cometer atentados algures na Europa.

Bairros como o da Mouraria, em Lisboa, já são dominados, quase por completo, por pessoas que não são portuguesas. Já acontece que nós, cidadãos portugueses, quase que nos sentimos vigiados e observados sempre que circulamos por aquelas ruas da “baixa” de Lisboa. As próprias autoridades sabem que existem pequenas mesquitas “ilegais” naquele bairro. Por tudo isto, este é um assunto que temos de enfrentar.

 

Após a onda de assaltos no Campo 24 de agosto, no Porto, alegadamente por migrantes argelinos e indostânicos, alguns cidadãos estrangeiros queixaram-se de «milícias» terem feito justiça pelas próprias mãos, tendo sido vítimas de agressões. Se as autoridades não tiverem uma resposta adequada, este é um rastilho que dificilmente conseguirá ser travado?
A proliferação das milícias é uma possibilidade. Portugal tem um problema: a fragilidade do seu sistema punitivo. E refiro-me, em concreto, no período compreendido entre a detenção e a efetiva responsabilização penal.  Gostaria de deixar aqui a minha homenagem aos polícias que circulam fardados na rua, isto numa altura em que há cada vez menos respeito pela força policial e as provocações são frequentes, potenciando o sentimento de impunidade. Os polícias auferem baixos salários, têm frágeis condições de trabalho e quando têm a necessidade de intervir numa ocorrência podem ser confrontados com um processo disciplinar por terem, alegadamente, usado força em excesso. Perante a multiplicação destas situações, o que é que acontece? O polícia prefere não intervir (ou com o bastão ou com uma “shotgun” com balas de borracha) e a chegada ao teatro dos acontecimentos só acontece já a situação se resolveu por si própria. Isto tudo para não correr o risco de ser suspenso ou afastado, ficando sem meios para suprir as necessidades básicas da sua família.

 

Devíamos ter mais policias em Portugal ou o que está a faltar é a recuperação da autoridade das polícias?

Para um país pequeno como é o nosso, entendo que temos polícias em número mais do que suficiente. O que acontece é que essa quantidade de forças da autoridade não se traduz num clima de segurança. Por isso, e em resumo, entendo que a atuação das forças de autoridade tem de ser muito mais musculada.

 

Frequentemente, os polícias são vistos como os “maus da fita”. Hoje em dia, o telemóvel de qualquer cidadão que filma um altercado nas ruas e em que intervêm polícias, vai em segundos ser visto por milhões de pessoas nas redes sociais…

Isso é verdade, mas esses vídeos também podem ser manipulados. Por norma, o vídeo oculta sempre o princípio dessa litigância e que se inicia, geralmente, por uma provocação. E nas redes sociais, por norma, só passa o que é vantajoso para alguns grupos da população e não aquilo que verdadeiramente se passou.

 

O partido Chega publica, quase diariamente, vídeos com migrantes envolvidos em situações de violência e confrontos. Quão perigoso é o uso de imagens desta natureza como arma para fomentar a intolerância e a crispação social?

Acho perigoso, mas voltando à primeira questão sobre o RASI, se esse relatório fosse mais específico e concreto o potencial de perigosidade desses vídeos não seria tão grande.  Em Portugal, a comunidade cigana tem cerca de 47 mil pessoas registadas – como é sabido este registo é muito fácil, porque a esmagadora maioria desta comunidade vive de subsídios atribuídos pelo Estado. Simultaneamente, estão presos cerca de 1700 membros desta comunidade. Se fizermos uma correlação entre estes dados estatísticos e o de outras comunidades, vamos chegar à conclusão de que temos um problema com esta comunidade em termos de incidência criminal. E esta questão devia estar refletida no RASI. E a solução passa por advertir, esta e outras comunidades, para o seguinte: «acabou a brincadeira. Os senhores vão ter necessariamente de trabalhar!». Presentemente, estou em comissão de serviço numa empresa municipal de Cascais, a Cascais Próxima, em que um coordenador de um grupo é de etnia cigana. O que quer dizer que há gente nesta comunidade que trabalha. Este é um exemplo claro daquilo que é o sucesso de uma política pública. A verdadeira integração destas pessoas que querem trabalhar. É por isso que tenho tanto orgulho na minha Câmara Municipal de Cascais e nas respectivas empresas municipais, neste caso, na Cascais Próxima! Em suma, temos de lidar com a realidade em vez de branqueá-la.

 

Apesar de atualmente se encontrar afastado, foi inspetor da Polícia Judiciária (PJ) na área da investigação criminal. Mesmo mais distanciado dos fenómenos criminais no terreno, quais as principais diferenças entre os crimes de hoje e do início da sua carreira como polícia?

Quando entrei para a PJ, a polícia dominava completamente toda a informação da noite. E este conhecimento é fundamental para a investigação do crime, porque é neste período que as operações criminais ou são planeadas ou mesmo praticadas. Hoje, receio que esse domínio não seja tão efetivo. Aliás, basta avaliar a pergunta que os porteiros desses locais noturnos fazem a algum inspetor sempre que é mostrada a identificação de agente da PJ: «Está em serviço?». Esta pergunta não devia ser feita, porque a PJ está sempre em serviço. E isto explica-se não por culpa da polícia, mas por existir um sistema punitivo muito frágil que faz com que se retire autoridade às polícias, com reflexos na recolha de informação e na própria intervenção dos profissionais. O resultado é obvio: deixa de haver um perfeito domínio da realidade criminal. Isto quando as formas de criminalidade são cada vez mais sofisticadas, complexas e organizadas. E isto também é provocado pela amálgama de diferenças e das origens dos que perpetram estes crimes.  Mas para além do aumento da criminalidade violenta, gostaria ainda de destacar a heterogeneidade em termos sexuais, no que à violência grupal diz respeito. Muitos dos jovens integrantes desses grupos a partir dos seus 13 anos já utilizam, de forma correta, armas de fogo e armas branca. E isto deve preocupar-nos a todos.

 

Precisamente o RASI indica que a criminalidade grupal, definida como o cometimento de crime por três ou mais suspeitos, também assinala um aumento de 14,6% nas ocorrências registadas, com o maior enfoque a registar-se nos bairros da Grande Lisboa…

Estes grupos, que se agregam em torno de ideologias xenófobas, ideologias religiosas, ideologias clubísticas, ideologias de género ou ideologias de lealdade grupais, são caracterizados pela sua constituição ser muito instável, com entradas e saídas permanentes. O que torna, necessariamente, mais difícil a investigação. Os líderes de hoje «comem-se» uns aos outros e normalmente é pela violência que as pessoas se vão sucedendo, entre si, nos cargos de liderança.

 

É comentador da CMTV há cerca de ano e meio. Que balanço é que faz desta sua experiência e que cuidados tem para comentar casos que surgem num ápice e sobre os quais dispõe de pouca informação?

Não é nada fácil. É um desafio permanente, porque eu e outros comentadores, por vezes, entramos para estúdio e não sabemos o que vamos comentar. O que é essencial é possuir uma preparação técnico jurídico sólida, o que no meu caso é facilitada por ser professor de Direito na faculdade. Para além disso, é preciso raciocinar muito rapidamente e ter capacidade de concentração. O importante é, com os dados que dispomos, transmitir sempre a verdade, esclarecer o público, nunca despindo a pele de inspetor da PJ, instituição que considero a melhor casa de investigação criminal da Europa. Já agora, aproveito a oportunidade para referir que os meus comentários são também uma forma de atrair jovens sobre a possibilidade de seguirem uma eventual carreira como inspetores na PJ. Vale a pena pertencer a uma casa como esta.

 

Falemos agora de tauromaquia. Para além de grande aficionado, foi diretor de várias corridas. Como é que vê as críticas e as campanhas contra as touradas em Portugal? O PAN tem um “outdoor” no Campo Pequeno, em Lisboa, em que se pode ler «touradas só na cama»…

Esse cartaz do PAN é apenas um dichote mal educado. Da mesma forma, que são de muito mau gosto as manifestações provocatórias à porta da praça de touros do Campo Pequeno, especialmente para mim, que levo o meu filho Manuel, de 6 anos, para assistir à tourada.

Como disse, sou aficionado, diretor de corridas, mas antes de mais fui novilheiro amador. Por isso, sei o que é estar na cara de um touro e ter ferimentos no corpo provocados pelo animal. Fui criado neste ambiente e, ao contrário do que alguns querem fazer querer, este é um ambiente são, de respeito, onde existe gente séria e transparente. Aquilo que eu costumo chamar de homens à moda antiga. Respeito toda a gente e todas as formas de estar, partindo do princípio que me respeitam. Passou a ser moda achar que determinado tipo de tradições devem ser erradicadas. No caso do touro o pretexto é a dor infligida ao animal. Esse é um argumento falacioso. A dor no touro no momento da lide leva a que, pela fisiologia do local onde os ferros são colocados, a dor seja muito menor. Se há alguém que gosta de animais é o Rogério Jóia. Dito isto, as pessoas dos touros também gostam de animais. No meu caso, não invetivo ou agrido verbalmente as pessoas quando as vejo vestidas de determinada maneira. Como não tenho medo das palavras, refiro-me, em concreto, à comunidade LGBT. Não gosto da forma como se apresentam, mas por respeito e educação, tenho de ser tolerante. Desafio, por isso, as pessoas que não gostam de touros e de touradas, que tenham o mesmo respeito pela cultura portuguesa. Se houver respeito, tudo se torna mais fácil.

 

Presidiu, entre 2014 e 2019, à Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP). Continua a haver muito batota no desporto de alta competição?

Nunca vi tantos indícios de corrupção como nos cinco anos em que estive como presidente da ADoP. E isso só acontece porque há uma grande promiscuidade entre o desporto, o futebol, a política e, por vezes, o meio policial e judicial.  Sou sportinguista, assumo-me como tal, e enquanto presidente da ADoP, nos cinco anos nessa função, nunca fui ver qualquer espetáculo desportivo, do meu ou de outro clube. Quando se desempenham lugares desta natureza devemos ter uma postura institucional que não se pode confundir com o facto de eu ver primeiros-ministros, ministros, secretários de Estado, juízes, autoridades policiais e judiciais, em camarotes nos estádios dos clubes ditos «grandes» no apoio a esses clubes como adeptos. Sou completamente contra essa forma de estar e continuo a achar que foi devido à minha postura que deixei de ser presidente da ADoP. Esse é o primeiro passo para a corrupção no desporto. Porquê? É o passar da linha vermelha da promiscuidade. Tudo começa no pedido, depois a concessão do favor e, finalmente, vem a corrupção.

 

Numa entrevista ao jornal «Record» acusou o futebol e os seus intervenientes de serem pouco controlados. Há modalidades mais controladas do que outras?

Antes de tomar posse eram feitos controlos dentro e fora de competição, no futebol a três atletas, sorteados, para recolha de amostras de urina. Quando introduzi o passaporte biológico no futebol, em Portugal, passou a acontecer diametralmente o oposto: para a recolha de urina e sangue passou a mobilizar-se uma equipa com médicos, enfermeiros e técnicos de análise. E se estivessem 30 jogadores a treinar era, à boa moda policial, todos  «encostados à parede», e sujeitos a controlos de sangue e urina. Ou seja, toda a gente era controlada. Um diretor da UEFA, que se dirigiu a Portugal, ficou de cara à banda quando lhe disse o que conseguíamos fazer a este nível. Coincidência ou talvez não, depois de introduzir estas práticas, deixei de ser convidado para as finais da Taça de Portugal e da Taça da Liga, o que só posso entender como um «recado». Só para contextualizar, o ADoP estava sob a alçada do Ministério da Educação, mais concretamente da secretaria de Estado da Juventude e Desporto, liderada por João Paulo Rebelo.

 

O ciclismo é, provavelmente, o desporto que está sempre com a mira apontada, devido à grande suspeição que suscita. O que é que explica isto?

O ciclismo é por tradição histórica e culturalmente o desporto do “doping”. E temo que assim continue. Enquanto presidente da ADoP não o podia dizer. Agora que não sou, já posso. Gostaria de recordar o caso da equipa de ciclismo do FC Porto que foi punida quase na totalidade, com base no desvirtuamento do passaporte biológico dos seus atletas. Desafio qualquer jornalista desportivo a investigar quais foram as amostras relevantes para esta punição e se calhar, chegaríamos, à seguinte conclusão: cerca de 80 por cento destas amostras foram recolhidas entre 2014 e 2019, enquanto eu era presidente da ADoP. E vamos chegar à conclusão que no período antes e depois da minha passagem pela ADoP se recolheram cerca de 15 a 20 por cento destas amostras e sob a minha liderança cerca de 80 por cento. Este é um facto indesmentível de que não se está a controlar devidamente. Mas o caso da equipa de ciclismo do FC Porto não é único. E estranho que outros casos não tenham surgido, entretanto, publicamente.

 

A sofisticação tecnológica, também no “doping”, leva a que o «ladrão» siga sempre à frente do «polícia»?

A fraude caminha sempre um passo à frente dos controladores. E sempre assim será. Já agora, defendo que à frente da ADoP esteja um polícia ou um procurador do Ministério Público. E isto explica-se pelo facto de as estratégias de combate ao “doping” serem decalcadas das estratégias de investigação criminal. Mas não contem comigo para essa função, porque fiquei farto de ver indícios de corrupção no desporto, sendo que quem os devia combater, compactua com os mesmos…

 

Para além de professor de Direito no ISCSP, há 20 anos, é investigador do Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP) na mesma escola. Enquanto docente, como analisa a preparação dos alunos que anualmente lhe passam pelas mãos?

A atividade como professor é algo que me apaixona. Infelizmente, constato que os alunos chegam muito mal preparados à faculdade e também que não se encontram numa dimensão de responsabilização. Nalgumas universidades surge uma tendência em que alguns professores procuram arranjar novas formas de motivar os alunos a estudar. Acho isto um erro. Andar com os alunos «ao colo» para que tenham boas notas ou simplesmente que passem, é o oposto do que deve ser a pedagogia. O aluno só vai para a faculdade se quiser estudar. Isto já não é o ensino secundário. O ensino superior é um espaço de formação de mulheres e homens para o mercado de trabalho.

Há uma pressão, que felizmente nunca senti, para que as pessoas saiam das faculdades licenciadas, mesmo que pouco ou nada saibam. E o que é que vão fazer no mercado de trabalho? Nada, porque, não sabem nada. Por isso, enche-me de orgulho quando anos depois, um antigo aluno se cruza comigo e me agradece que a exigência que eu colocava no ensino foi determinante para ele singrar no mercado de trabalho.

 

Em suma, o que pretende dizer é que o ensino superior não está a formar os mais capazes para as necessidades laborais?
Sim. O nível de inteligibilidade das pessoas é distinto. Nem todos conseguem uma licenciatura. Mas não é isso que nos vai fazer menos dignos. Bem pelo contrário. O paradigma dos doutores e engenheiros ainda está muito presente no nosso país. O défice no ensino é grande, mas a desvalorização das escolas profissionais foi outro dos erros cometidos. Estas entidades já não têm a qualidade que tinham no passado. Basta ver a dificuldade que todos nós sentimos quando precisamos de requisitar os serviços de um ladrilhador, um eletricista ou um canalizador.

 

Como investigador no domínio da administração pública, entende que essa é a mãe de todas as reformas?
É preciso mudar a filosofia de ensino em Portugal e esse objetivo está diretamente conexo com as políticas públicas e a atividade do CAPP. A nossa administração pública carece de uma reforma profunda. Em bom rigor, não temos capacidade para continuar a pagar um «monstro» tão grande. Conheço bem a realidade a Idanha-a-Nova, onde tenho as minhas raízes e não consigo perceber como é que num universo de 6000 eleitores existam 400 funcionários a trabalhar na máquina do Estado a nível local. E estas pessoas não produzem riqueza. Parte destas quatro centenas de funcionários seriam bem mais úteis alocados a uma empresa municipal de natureza agrícola e pecuária. Seria certamente uma forma de criação de mais postos de trabalho. E a situação de Idanha-a-Nova repete-se um pouco por todo o país. As câmaras municipais são os grandes empregadores de muitas regiões, não se preocupando com a criação de riqueza. Em resumo, isto é tudo menos a efetivação de uma correta política pública.

 

A CARA DA NOTÍCIA

Uma vida ao serviço da PJ

Nascido a 20 de outubro de 1966, Rogério Jóia não se cansa de sublinhar todas as suas raízes de Idanha-a-Nova, distrito de Castelo Branco. Inspetor da PJ há 28 anos –  na área da investigação criminal, tendo passado por departamentos variados desde o crime violento ao crime económico, em particular o Departamento Central de Investigação do Tráfico de Estupefacientes, atualmente designado por Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes –, encontra-se atualmente em regime de comissão de serviço num cargo dirigente na Cascais Próxima. É professor de Direito no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) e investigador no Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP), do mesmo instituto. É doutorado em Ciências Sociais pelo ISCSP. É licenciado em Direito pela Universidade Lusíada de Lisboa. Presidiu, entre 2014 e 2019, à Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP). É comentador residente para assuntos de direito, crime e segurança no canal CMTV.

Nuno Dias da Silva
Paulo Calado/Jornal Record
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