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Entrevista Pornografia “está a transformar por completo” as relações entre os jovens

29-07-2024

 A pornografia “está a transformar por completo” as relações entre os jovens, alertou a presidente da Comissão Nacional de Proteção das Crianças e Jovens, para quem este fenómeno pode ser contrariado com “educação muito próxima”.

Em entrevista à agência Lusa para um balanço dos sete anos em que esteve à frente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ), Rosário Farmhouse alertou para o impacto nas crianças e jovens da exposição a conteúdos pornográficos, tendo por base estudos internacionais.

“[A pornografia] está a transformar por completo as relações entre adolescentes porque, quando começam a chegar à puberdade, o exemplo que têm foi baseado em conteúdos que viram e que são desadequados para a idade deles”, apontou.

Segundo a responsável, estão a perder-se as relações de afetividade e os adolescentes estão a experienciar “graves problemas de iniciação da sua vida [sexual] ”.

“Não sabem como iniciar porque querem replicar aquilo que viram, porque acham que aquilo que viram é que deve ser o modelo”, explicou, apontando que isso muitas vezes tem como consequência relações de subjugação e de violência.

Rosário Farmhouse salientou que alguns adolescentes “acabam por entrar em relações que não querem porque acham que isso é normal”.

“Sentem-se violentadas, muitas raparigas queixam-se disso. Os rapazes sentem uma frustração enorme por não corresponderem e tudo porque não tiveram formação e porque não perceberam que há todo um caminho a percorrer até depois fazerem o que entenderem dos seus corpos”, alertou.

“Há todo um caminho a percorrer, que tem várias etapas que têm que ser seguidas”, acrescentou.

De acordo com a responsável, não há por enquanto dados sobre esta realidade em Portugal e os estudos mais recentes baseiam-se na experiência australiana e inglesa.

O Conselho da Europa está a tentar construir materiais que ajudem os vários países a lidar com estes “desafios novos” e para que possa “vir a haver uma educação sexual adequada à idade”, para todas as crianças.

“Sendo que esta é uma matéria que para alguns países ainda é tabu”, apontou.

A presidente da CNPDPCJ contou que o Conselho da Europa está a tentar um consenso com os 46 Estados-membros, criando “documentos estruturantes e que permitam que as crianças cresçam de forma saudável em todos os ambientes”.

“É um dos grandes desafios neste momento”, apontou, sublinhando que esta questão está relacionada com a pouca qualificação digital por parte dos pais e a consequente pouca supervisão.

Para Rosário Farmhouse, só será possível contrariar este fenómeno com “uma educação muito próxima”.

A responsável defendeu que as crianças com competências digitais podem aprender não só os benefícios, mas também os perigos da internet, bem como os cuidados a ter no acesso a determinados conteúdos, formação que deve ser extensível aos pais ou cuidadores.

“Só com esta educação é que conseguimos proteger, porque estamos perante um mundo que não tem fronteiras, que deixou de ter forma de travar o que quer que seja. Ou conseguimos pela educação chegar lá ou então vamos estar todos desprotegidos”, salientou.

Sobre a educação sexual nas escolas, a responsável entende que “os conteúdos têm que ser adequados à idade”, preparados por pessoas que saibam falar do tema.

A par da educação sexual, a presidente da CNPDPCJ defendeu que é “absolutamente fundamental” que haja uma educação intercultural, apontando que as escolas são cada vez mais plurais e diversas e que isso “é uma enorme oportunidade”.

“Temos de os ensinar a viver juntos. O respeito pelos outros, não generalizar, não julgar antes de conhecer, celebrar as diferenças é fundamental e as escolas que conseguem aproveitar a oportunidade da diversidade são escolas em que todos ganham”, afirmou a responsável.

 

Presidente da Comissão de Proteção de Crianças defende uso equilibrado de telemóvel nas escolas

 

A presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ) defende um uso equilibrado dos telemóveis nas escolas e que as restrições, em vez de impostas, sejam discutidas e decididas com os alunos.

Em entrevista à agência Lusa, no momento em que termina o mandato à frente da CNPDPCJ, que ocupou nos últimos sete anos, Rosário Farmhouse afirmou não ter uma visão radical sobre o assunto, mas concordou que o uso de telemóveis nas escolas “tem de ser equilibrado”.

Por um lado, o telemóvel pode ser “uma ótima ajuda” nas aulas, com a concordância dos professores, para “as crianças aproveitarem para saber como procurar [informação]” ou até para aprenderem a distinguir a informação verdadeira de informação falsa.

Por outro lado, “nos intervalos, podiam, pelo menos começar por [ter] um intervalo sem telemóvel para brincar com outras coisas, para que não se isolem”.

“É impressionante como passamos nos corredores das escolas e estão todos sentados no chão, cada um no seu telemóvel, às vezes a jogar uns com os outros, e eu acho que tem de se criar momentos para tudo”, defendeu Rosário Farmhouse.

Ainda assim, não se mostrou a favor de uma proibição total, sublinhando que o processo tem de ser gradual e lembrando que a resistência em relação a medidas mais restritivas parte, não só dos alunos, mas dos próprios pais, que “querem os filhos contactáveis ao minuto”.

Para a responsável, com exceção para uma situação de emergência, durante o tempo das aulas, os pais ou educadores “devem deixar as crianças na escola sem estar a interferir constantemente”, porque isso “cria uma dependência enorme e inibe a criança de conviver com os outros”.

Na opinião de Rosário Farmhouse, seria importante discutir e ouvir a opinião dos alunos sobre esta questão, procurando com eles a solução.

“Eles são muito cuidadosos, têm opiniões que contam muito e se calhar têm ideias muito melhores do que as nossas, que estamos a querer criar um mecanismo de imposição que não vai resultar”, sugeriu.

 

Conflito parental é o "maior flagelo"

 

A presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens apontou o conflito parental como o “maior flagelo”, a par da violência doméstica, com crianças “que são autênticas bolas de ping-pong” entre os pais.

“Estamos com situações de crianças que são autênticas bolas de ping-pong, de um lado para o outro, quando os pais estão em conflito”, alertou a responsável, lembrando que “a relação terminou, mas a parentalidade não”.

Rosário Farmhouse deu conta de um “drama maior”, com as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) a receberem “testemunhos horríveis” de casos “nas mais variadas zonas do país”, e em que “ninguém pensa no interesse da criança”.

Contou o caso de uma criança, ainda em idade de creche que, como os pais estavam separados e cada um em zonas distintas do país, estava 15 dias numa creche e 15 dias noutra, e apontou que há casos em que os adultos “começam a entrar num registo que para a criança é um sofrimento atroz”.

“Temos crianças com tentativas de suicídio, crianças com comportamentos autolesivos, precisamente porque estão a viver a violência entre os pais, já para não falar da violência doméstica enquanto ainda estão juntos, que é outro flagelo”, alertou.

Salientou que as crianças em contexto de violência doméstica desenvolvem “sintomas equiparáveis a sintomas de [trauma de] guerra”.

“Não há nada pior do que ver as duas pessoas que são referência, que tanto amam, em guerra, seja enquanto vivem debaixo do mesmo teto – e aí é horrível porque é constante – seja quando a separação é conflituosa, em que sempre que é tempo de trocar de pai é um drama, a criança perde o apetite, fica apática”, alertou.

Revelou que há igualmente escolas a queixarem-se deste conflito entre pais e a dirigirem-se às CPCJ “sem saber como gerir” casos, como por exemplo, de “pais [que] vão à porta da escola fazer escândalo”.

Defendeu que é preciso “avançar muito” no direito à participação das crianças em “todas as matérias que lhes dizem respeito”, salientando que “o que elas querem mesmo é passar tempo de qualidade com os seus pais ou os seus adultos de referência”.

Questionada sobre o aumento do número de crianças acompanhadas pelas CPCJ em 2023, mais 6,7% do que no ano anterior, e com perto de 55 mil comunicações de perigo, a maioria por negligência e violência doméstica, Rosário Farmhouse disse acreditar que esse aumento reflete uma maior sensibilização da sociedade para a problemática.

Segundo a responsável, e em comparação com outros países, Portugal tem uma taxa de incidência semelhante, que ronda os 2,5% e os 3%, dependendo da zona do país.

Admitiu, por outro lado, que “cada situação de perigo é de uma complexidade enorme” e apontou que as CPCJ têm sentido que “as situações são cada vez mais complexas”.

“Aquilo que aparentemente pode ser um absentismo escolar, quando se vai a ver é a ponta do icebergue. Há uma enorme tipologia de crimes por trás, não só negligência, mas às vezes violência, maus tratos físicos, maus tratos psicológicos, violência doméstica, e está tudo por trás a provocar que a criança falte à escola”, exemplificou.

Lembrou, a propósito o papel das escolas na denúncia deste tipo de casos, apontando que “são a segunda entidade que mais comunica situações de perigo”, e salientando que se trata de um “drama que não só põe em causa o direito à educação, mas também todos os direitos da criança”.

 

 

Susana Venceslau | Lusa
CNPDPCJ
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