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Tomás Appleton, jogador da seleção portuguesa de râguebi O capitão dos 'Lobos'

22-07-2024

O «profissionalismo absoluto» será o fator chave para Portugal entrar para o “top” das 10 melhores seleções do mundo de râguebi. A convicção é de Tomás Appleton, que vestiu mais de uma centena de vezes a camisola da equipa nacional.

«O râguebi é um desporto de brutos jogado por cavalheiros». Esta é uma frase atribuída à modalidade que escolheu abraçar. Numa altura em que a ética, o “fair play” e os valores estão arredados de muitas competições desportivas, a começar pelo futebol, esta é a mais apropriada frase para descrever fielmente a modalidade e os seus executantes?

Não acredito que a frase descreva o râguebi na perfeição. Acredito que muitas vezes, visto de fora, o râguebi, por ser um desporto de contacto e colisão, possa ser encarado com um desporto de brutos. No entanto, quem conhece o desporto sabe que acima de força está a técnica e a inteligência com que jogamos esta modalidade. Além disto, acrescem os bons valores incutidos desde cedo a qualquer miúdo que comece a jogar râguebi - desde o espírito de equipa, respeito pelo árbitro, pelo adversário, até à resiliência, ética e foco.

Nos mundiais e no Torneio das 6 Nações, provas em que a modalidade tem mais projeção mediática, a transparência é regra, com a comunicação entre os árbitros e o VAR a acontecer em tempo real e as imagens a serem transmitidas no estádio. O râguebi tem o mérito de ter sido pioneiro em novidades tecnológicas que, por exemplo, o futebol já adota, mas de forma algo mais renitente?

Sim, o vídeo-árbitro já existe há muitos anos no râguebi O râguebi rege-se pelo princípio da transparência e da justiça e estes valores devem abranger todos os envolvidos neste desporto.

No livro que acaba de editar, «Vencer contra a corrente», descreve a aventura no mundial de França, no último outono, e defende a ética no trabalho, a resiliência, o saber lidar com os erros e com as derrotas como a chave para o amadurecimento em termos de performance desportiva. Qual o principal segredo para que os «Lobos», epíteto pelo qual é conhecida a nossa seleção, tenham crescido e batido o pé a algumas das mais categorizadas seleções do mundo?

É um combinar de muita coisa. Mas, acima de tudo, com muito talento e até alguma sorte à mistura, o que nos levou longe foi a crença de que podíamos estar entre os melhores do mundo. Foi a forma como montámos um processo desde cedo e perceber que tipo de sacrifícios precisávamos de fazer para estar no topo.

O empate com a Geórgia, no primeiro jogo, e a épica vitória frente a Fiji na derradeira partida, em Toulouse, foram momentos épicos, com este último a merecer, a 9 de outubro de 2023, a manchete no jornal «A Bola». Qual é a sensação de estar associado a uma das mais brilhantes páginas da modalidade?

É uma honra enorme. Estes momentos são fruto de muito trabalho, dedicação e sacrifício. Ver os resultados no campo, especialmente em palcos como o do Campeonato do Mundo de 2023, é extremamente gratificante estar associado a essas conquistas. Isto é algo que eu e todos os jogadores levaremos connosco para sempre.

Curiosamente, os dois últimos mundiais em que participámos, em 2007 e 2023, realizaram-se em França. O aumento do grau de profissionalismo de muitos dos nossos atletas é o principal traço distintivo entre ambas as gerações?

Sim, o aumento do profissionalismo é uma diferença importante. No entanto, há que relembrar que mais de metade da nossa seleção em 2023 era semiprofissional, tendo outros empregos fora do râguebi. Obviamente que essa profissionalização tem sido crucial para o nosso desenvolvimento e sucesso nos palcos internacionais e esse é o caminho que queremos tomar.

Portugal ocupa o 16.º lugar do “ranking” da World Rugby. O profissionalismo absoluto será o fator crucial e determinante para podermos entrar no “top” 10 mundial?

O profissionalismo absoluto certamente será um fator fundamental. Melhores condições de treino e uma dedicação absoluta irão certamente fazer a diferença. No entanto, precisamos também de um desenvolvimento contínuo nas camadas de formação, investimento em infraestruturas e em suporte adequado para os atletas, assim como uma promoção contínua da modalidade, inspirando cada vez mais jovens a começar a jogar.

No próximo dia 20 de julho Portugal joga na África do Sul com a atual detentora do título mundial. Mesmo sendo um jogo amigável, é um sonho jogar com os «springboks»?

Não diria um sonho, mas sim uma grande oportunidade, talvez uma das maiores do râguebi português. Jogar contra os bicampeões do mundo é sempre uma experiência incrível e um teste importante para a nossa equipa. No râguebi não acreditamos em jogos amigáveis porque, na verdade, todos os jogos contam para o “ranking” mundial. Vamos aproveitar esta oportunidade para crescer e mostrar o nosso valor.

A sua primeira internacionalização com as cores nacionais aconteceu em 2012. Mais tarde passou a envergar a braçadeira de capitão. Que conselhos daria a um jovem das camadas de formação que está a dar os primeiros passos na modalidade?

Acima de tudo, diria para acreditar em si próprio e aproveitar o caminho até lá chegar. Hoje em dia, com 30 anos, olho para trás e gostar tanto do processo foi o que me fez continuar. Obviamente que nem tudo é um mar de rosas, há dias difíceis e as coisas nem sempre correm bem, mas aí é que o trabalho árduo, a dedicação e foco são fundamentais.

A privação da família, os estágios prolongados e o conciliar a vida desportiva com a vida familiar e profissional são desafios que exigem foco mental. Com os múltiplos estímulos, nomeadamente tecnológicos, das sociedades modernas, acredita que os seus sucessores na seleção de râguebi terão o grau de entrega e compromisso da sua geração?

Acho que cada geração traz consigo os seus próprios desafios e características. No entanto, a paixão pelo jogo e o compromisso com a seleção são valores que espero ver perpetuados. Com o apoio certo e a estrutura adequada, inspirados pela seleção atual, acredito que a próxima geração nos vai levar ainda mais longe.

Para além de desportista, é responsável de uma clínica dentária – sendo médico dentista – e está no 5.º ano do curso de Medicina.  Aproveito para lhe perguntar, como está a saúde oral no nosso país?

A saúde oral em Portugal tem melhorado, mas ainda há grandes desafios. A sensibilização para a importância da saúde oral e o acesso a cuidados dentários de qualidade são áreas limitadas e que precisam de contínua atenção e investimento.

Com estas duas formações, como perspetiva o seu futuro: nas clínicas dentárias ou nos corredores hospitalares?

Ainda estou a explorar várias possibilidades, mas vejo-me a continuar ligado às duas áreas. A ideia sempre foi encarar o curso de medicina como formação contínua e um dia ser cirurgião maxilo-facial, uma especialidade que une perfeitamente a medicina e a dentária. Assim, imagino o meu futuro a trabalhar tanto em clínicas como em hospitais, talvez até colaborando em projetos de investigação ou ensino.

 

A CARA DA NOTÍCIA

Pai, atleta e…dentista

Tomás Appleton nasceu em Lisboa, a 29 de julho de 1993. É jogador de râguebi e capitão da seleção portuguesa que participou no campeonato do mundo de 2023, em França. É um dos capitães mais experientes da história dos «Lobos» e representou Portugal em mais de 100 jogos internacionais, até ao momento, tanto em râguebi de 15 como na variante de 7. Desde os seis anos que defende as cores do CDUL, representando também os Lusitanos, franquia da federação portuguesa. Além da sua carreira desportiva e profissional, é marido e pai, dentista e diretor clínico da Appleton Medical Care, encontrando-se de momento no quinto ano do curso de Medicina. Em «Vencer contra a corrente», editado pela Oficina do Livro, partilha lições de vida que todos podemos retirar da equipa sensação do último mundial de râguebi.

Nuno Dias da Silva
Afonso Batista/Direitos reservados
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