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Cátia Moreira de Carvalho, investigadora em migrações, extremismo e radicalização As escolas e as paróquias são laboratórios para a inclusão

08-08-2024

Portugal tem de agir depressa para promover a integração e a inclusão social dos migrantes. Para Cátia Moreira de Carvalho, apesar da escola ser um «laboratório» para a integração destas comunidades no nosso país, «não é imune ao preconceito e está muito permeável ao que vem do exterior.»

Atualmente, está a trabalhar na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, num projeto financiado pelo “Horizonte 2020” da União Europeia, que se centra na promoção da integração de jovens migrantes e refugiados nas escolas. Pode falar-nos, um pouco mais em detalhe, desta investigação?

Este projeto tem como objetivo promover a integração de crianças e jovens migrantes e refugiados através da educação formal, informal e não formal. O desconhecimento da língua e as experiências traumáticas durante o processo de deslocação são fatores que tornam a sua integração mais difícil. Mas há, necessariamente, aspetos relacionados com a discriminação e o racismo. Inicialmente, o objetivo do projeto passava por trabalhar em três escolas, duas em Lisboa e uma no Norte, mas só conseguimos fazê-lo num estabelecimento de ensino, na capital. Este projeto está a acontecer em outros nove países da Europa. Apesar dessa escola da capital ter muita experiência e muito trabalho nesta área, foram detetadas e identificadas situações de discriminação, entre os pares e também por parte dos próprios professores. Isto significa que o ambiente escolar não é imune ao preconceito e está muito permeável ao que vem do exterior.

Segundo um relatório do Conselho Nacional Educação há alunos de 246 nacionalidades nas escolas portuguesas. Alguns estabelecimentos têm mesmo quase 50 por cento de imigrantes. Perante esta imensa Babel, a aprendizagem da língua portuguesa é um aspeto fundamental para a boa integração?

A língua é um fator determinante. A escola com a qual trabalhamos é muito multicultural, tem mais de 30 nacionalidades. Sentimos que está no bom caminho, mas como disse anteriormente, ainda existe muita permeabilidade ao exterior.

Qual deve ser o papel dos docentes e dos diretores das escolas?

Devo dizer que este projeto não avançou noutras escolas precisamente devido à falta de disponibilidade de alguns professores. Os próprios alunos, muitas vezes, têm dificuldades em participarem nestas iniciativas devido aos seus horários muito preenchidos. Contudo, no estabelecimento onde a iniciativa avançou foi determinante a sensibilização, a empatia e a consciência dos docentes para a importância de um projeto desta natureza. Neste projeto em concreto o papel dos professores centrava-se mais na sua ação como uma espécie de «embaixadores» de ambientes culturais, multiculturais e pró-diversidade. Eles, a par com a diretora, foram determinantes no auxílio aos investigadores, no trabalho de mediar e guiar as atividades. Existiu um genuíno envolvimento ativo da parte deles, o que é crucial para a boa implementação de projetos desta natureza.

As escolas e as paróquias podem ser consideradas dois «laboratórios» para a inclusão de imigrantes em Portugal?

A escola é um micro contexto, plenamente apropriado para se trabalhar este tipo de temática, em que as crianças acabam por passar mais tempo por dia lá do que na sua própria casa. Nesses ambientes pode-se trabalhar a prevenção do discurso de ódio e de discriminação e promover as práticas de integração, o desenvolvimento e as sociedades mais multiculturais, sem esquecer valores como a tolerância, a empatia e a solidariedade. Por isso, as escolas são um contexto-chave para se trabalhar estes fenómenos, desde idades muito jovens. Ao nível das paróquias, a minha experiência com comunidades religiosas não tem tanto a ver com a discriminação de sociedades migrantes, mas sim com a prevenção do extremismo. Na investigação que fiz nos Países Baixos constatou-se que as comunidades muçulmanas locais foram determinantes para a coesão social e para manter a boa ordem e segurança. No fundo, para evitar a radicalização. Ao trabalhar nestes contextos está-se, de alguma forma, a promover a integração de comunidades vulneráveis, minorias étnicas e migrantes.

Portugal sempre foi um país de emigrantes. Esse lastro não devia servir de ensinamento para a tolerância e compreensão das comunidades migrantes em situação de maior vulnerabilidade, com muitos deles em situação de sem abrigo, a aguardar regularização?

As migrações não são um assunto de segurança, mas de humanismo. E esse é precisamente um terreno fértil para que problemas surjam no futuro. A literatura científica indica que não existe relação causal entre migrações e o extremismo violento. Não é a norma, mas por serem humanos é um facto que certos migrantes ou refugiados estiveram envolvidos em atividades criminosas e até mesmo extremismo ou terrorismo. Isso viu-se, em maior escala, durante o pico do Estado islâmico e a ocupação territorial na Síria e no Iraque, por exemplo. Durante o êxodo desses países para a Europa e do “velho continente” para lá, foram identificadas infiltrações por parte de pessoas afiliadas a movimentos terroristas. Portugal é visto como uma plataforma de entrada na Europa e devido a problemas no controlo de fronteiras é impossível vedar a entrada a todas as pessoas relacionadas com algum tipo de criminalidade. Mas não tenho dúvidas que a esmagadora maioria dos migrantes e refugiados o que procuram nos países de acolhimento é uma vida melhor e também segurança, no caso específico dos refugiados. Contudo, se a integração e o acolhimento não se concretizarem, há sempre a possibilidade de estas pessoas serem atraídas por práticas ou movimentos criminosos ou extremistas. No caso concreto do nosso país, entendo que os esforços que deviam estar a ser implementados não o estão a ser o que aumenta, naturalmente, os riscos associados. Enquanto país temos de agir de forma célere para promover a integração destas pessoas. até como forma de prevenir esses riscos atrás mencionados.

Defende algum modelo específico para a promoção e integração destas pessoas?

Fala-se muito dos países nórdicos como faróis de integração, mas o que lá se passa é um processo de assimilação, e assimilação é uma forma subtil de discriminação. Em especial as pessoas de segunda e terceira geração percebem sinais e pistas sociais de discriminação, como o acesso a determinado emprego, com que todos os dias se deparam. Mas há mais formas e posso exemplificar: «Não me importo que eles vivam aqui, desde que se vistam como eu». Isto pode parecer tolerância, mas é, basicamente, preconceito e discriminação, porque obriga os migrantes e refugiados a abandonarem as suas tradições, a sua cultura e a sua história. Mas voltando ao caso português, reforço que temos de agir depressa. Para além disso, a língua é um aspeto essencial para a integração destas pessoas.

Há alguns meses, uma vaga de assaltos na cidade do Porto foi atribuída a um grupo de magrebinos que, posteriormente, foram agredidos violentamente por populares.  Sem uma ação policial forte, teme a proliferação da justiça pelas próprias mãos?

O papel das autoridades policiais é essencial para repor o sentimento de segurança e para travar a escalada da justiça popular e a justiça pelas próprias mãos. E é preciso ter toda a atenção para a possível infiltração de elementos afetos a uma ideologia extremista e radicalizada, bem como a instrumentalização por parte de movimentos radicais ou partidos – pese embora não defenderem estas práticas violentas – cultivam uma narrativa que acaba por legitimar comportamentos de aversão a estas comunidades. Mas a própria comunidade tem um papel muito importante para prevenir que este tipo de ações não aconteçam. E alerto que devem ser desenvolvidos projetos na comunidade sobre estas temáticas, na medida em que a sensibilização ainda é muito incipiente.

António Saraiva, presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, alertava recentemente que «Portugal sem imigração a economia fecha.» Como manter equilibrados os pratos da balança com os pesos da economia e do humanismo?

Não sei se a economia pararia, mas seria, aqui como noutros países, muito afetada. Considero que existem boas e válidas razões para os países acolherem migrantes. Não negligenciado os fatores económicos e demográficos, a minha prioridade passa pela importância do humanismo e a promoção de sociedades multiculturais. As trocas culturais só nos enriquecem como pessoas e seres humanos. Há esse risco de desequilibrar os pesos da balança e disso resultar uma instrumentalização em particular dos refugiados que protagonizaram uma migração forçada. Em Itália, o partido do governo, liderado por Giorgia Meloni, mudou a narrativa quando percebeu que sem migrantes não era possível sustentar o país. Mas depois entra-se na tal instrumentalização quando o discurso passa a ser, «vamos acolher imigrantes, mas os que são parecidos connosco…»

Mas isso é o que defende o partido Chega, em Portugal…

Sim. Isso é contra os valores mais básicos de humanismo, visto que estamos a fazer uma seleção de pessoas com base em critérios que não sei, sequer, quais é que são. Onde é que se traça a linha de uma pessoa culturalmente próxima ou distante de nós? Não faço ideia.

As zonas da Mouraria e do Martim Moniz têm, como é sabido, uma forte presença muçulmana. Há um debate em curso sobre a construção de uma mesquita naquela zona de Lisboa. Pensa que seria uma forma de inclusão ou de guetização desta comunidade?

Não tenho acompanhado essa polémica. Mas se houver integração da comunidade muçulmana na sociedade, acho que faz sentido e não acho que contribua para a guetização, desde que exista, naturalmente, uma inclusão social. É preciso ter atenção que em França e na Suécia tivemos experiências de guetização, mas em Portugal isso, para já, não se afigura um problema. Relembro que o nosso país em 2015, quando vieram muitos migrantes, dispersou as famílias para evitar o fenómeno da guetização.

Os atentados em massa têm sido neutralizados nos últimos anos pela coordenação entre as polícias europeias. Eventos que congregam centenas de milhares de pessoas como o campeonato da Europa de futebol ou os Jogos Olímpicos são alvos prioritários dos chamados “lobos solitários”?

Sou contra a utilização da expressão “lobos solitários”, até porque já levou no passado à romantização e à inspiração de outras pessoas. Veja-se os casos dos massacres de Christchurch, na Nova Zelândia, e de Anders Breivik, na Noruega, crimes em massa que já foram mimetizados. Por isso, prefiro usar a expressão “atos isolados”. De facto, nos últimos anos a tendência tem sido essa, com os atentados em larga escala a serem quase inexistentes, à exceção do recente atentado em Moscovo, no mês de março. Mas as ameaças permanecem: em primeiro lugar, o terrorismo de inspiração islamista e depois a extrema-direita. No primeiro caso, os atentados em massa são uma raridade, - muito devido ao facto de a cooperação das várias polícias e serviços de segurança na Europa funcionar de forma cada vez mais coordenada - mas agora atua-se por inspiração ou em reação a um repto, com recurso a uma faca ou outra arma numa qualquer cidade da Europa. No caso dos movimentos radicais de extrema-direita são pessoas afiliadas a estruturas mais inorgânicas, que normalmente se mobilizam em grupos online.

 

A CARA DA NOTÍCIA

Bolsa Marie Curie

Cátia Moreira de Carvalho é investigadora em extremismo, radicalização, migrações e direitos humanos no Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-NOVA) e nas universidades do Porto e de Leiden, nos Países Baixos.  Doutorada pela Universidade do Porto, é presença assídua na comunicação social para analisar temas como o terrorismo ou a discriminação nas comunidades migrantes. A professora e investigadora do Laboratório de Psicologia Social e do Centro de Ciências do Comportamento Desviante da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP) viu-lhe ser recentemente atribuída a bolsa Marie Curie que pretende investigar as lacunas na legislação, na teoria e nas intervenções, especialmente de prevenção e reintegração, relacionadas com os combatentes estrangeiros da União Europeia (UE). O seu objetivo principal é contribuir para o desenvolvimento de políticas de segurança e esforços de contraterrorismo na UE.

Nuno Dias da Silva
Direitos Reservados
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