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Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVII

Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) 'Os consumidores vão perceber que foram enganados por um discurso populista'

17-03-2023

Gonçalo Lobo Xavier, o rosto do retalho alimentar na polémica que tem agitado o país nas últimas semanas, admite que o ajustamento nos preços dos alimentos vai acontecer, mas que pode demorar «dois ou três meses». Confrontado com as críticas, o diretor-geral da APED defende-se, sustentando que este processo «foi uma forma de desviar as atenções dos reais problemas do país.»

A APED representa o retalho alimentar e o retalho não alimentar em Portugal. Qual é o universo de empresas e de recursos humanos que abarca e o seu peso na economia nacional?

Neste momento somos o setor de maior envergadura do país e representamos 11,2 por cento do PIB. Temos uma força de trabalho de 145 mil pessoas, sendo que 95 mil são do retalho alimentar e as restantes do retalho especializado, que se divide entre cosmética, brinquedos, mobiliário, desporto, têxtil, moda, calçado, eletrónica de consumo e cultura. Continuamos a crescer em termos de associados e recentemente atingimos os 197. Temos 4350 lojas abertas sendo que o ano passado, só no retalho alimentar, abriram 75 lojas. No fundo, a nossa missão é a defesa das empresas e dos trabalhadores que são o nosso principal ativo.

As últimas semanas foram agitadas, com um intenso debate sobre os preços praticados nos alimentos. Ouvidos os argumentos de produtores, distribuidores e do governo fica a sensação de um jogo de passa-culpas. Aos que acusam o setor da distribuição de especulação, a APED defende-se dizendo que o aumento dos preços era inevitável. Pode esclarecer melhor a vossa posição?

Antes de mais, permita-me que diga que não concordo com a referência a «passa-culpas», até porque nunca recorremos a essa expressão. O que não podemos admitir é que não se fale verdade aos portugueses. E nesse sentido, a ASAE não tem tido um papel positivo nessa matéria, na medida em que lançou no mercado um conjunto de “sound bites” e de dúvidas com base num trabalho incompleto e que acabou por semear a confusão entre os consumidores. E isso não podemos permitir. Uma semana e meia após o início desta discussão – pasme-se – as notícias veem evidenciar aquilo que a APED tem dito desde o princípio: ainda ontem o observatório de preços do INE revelou que o preço dos bens alimentares tem aumentado substancialmente no último ano com consequências evidentemente no índice de preços da indústria alimentar e que o retalho não passou, nestes últimos dois anos, a totalidade do aumento dos custos na produção para o consumidor.  Ou seja, foram transmitidas mensagens erradas para os consumidores, confundindo-os com a questão das margens.  Não se pode diabolizar, desta forma, um setor tão importante como é o da distribuição, ainda para mais quando há pouco mais de um ou dois anos éramos elogiados por termos estado na linha da frente, ao lado dos portugueses, durante a pandemia.

Mas é inegável que em determinados alimentos o aumento foi astronómico. Qual é a explicação?

Tivemos razões objetivas para que houvesse aumentos de preços, nomeadamente em áreas como a carne de porco, a carne de frango, os ovos, as cebolas e as cenouras. Nestes e noutros produtos que vieram à baila, fomos acusados de termos uma margem bruta, mas as pessoas esquecem-se que margem bruta não é lucro. A campanha para denegrir a imagem do setor da distribuição, em especial o alimentar, procurou abafar as nossas explicações e argumentos.

A SONAE, uma das vossas representadas, falou em «campanha de desinformação». Acha que há uma intenção de virar a opinião pública contra o vosso setor?

Não temos dúvidas que perante as dificuldades estruturais que o país está a atravessar, esta foi uma forma de desviar as atenções dos reais problemas. Com todo o respeito que temos pela ASAE, achamos que esta entidade foi instrumentalizada e transmitiu uma imagem errada do setor. O essencial, e que é preciso sublinhar, é que Portugal, por exemplo, não tem os apoios à produção agrícola que outros países têm. Por mais retórica a que o governo recorra, isto é demonstrado por todas as associações de agricultores.

Tem defendido que fatores como a gripe aviária, que dizimou muitas explorações, a par com as más colheitas, fruto de condições meteorológicas adversas, pesam nos preços. Considerando os diferentes elos da cadeia – produtores, indústria, transformação, transportes e distribuição – como é que se forma o preço de um produto?

Os preços dos alimentos dependem de um conjunto de fatores e de etapas: do mercado, do preço dos cereais e das rações, dos preços das matérias-primas, do preço das embalagens, etc. Só quem desconhece esta realidade, é que pensaria que com todos estes preços a pesarem nos vários elos da cadeia os produtos finais ficariam com os preços inalterados. É preciso evitar demagogias e atos de má-fé quando se abordam estes assuntos. Falou dos elos da cadeia e na verdade é preciso referir que tentaram que ficássemos todos uns contra os outros. Mas isso nunca vai acontecer, porque precisamos todos uns dos outros para que este processo de fazer chegar aos portugueses bens alimentares essenciais funcione. Todos os elos da cadeia têm de estar fortes.

Foi o presidente da Confederação de Agricultores que disse que, muitas vezes, os produtos são comprados pelos distribuidores aos produtores com dois ou três meses de antecedência e a descida de preço só se reflete mais tarde. Acha que a moderação de preços vai, gradualmente, verificar-se?

Sim, é evidente. O mesmo se passa noutros setores. Por exemplo, a gasolina ou a energia descendo ontem, isso não se vai refletir, no dia seguinte, no preço a pagar pelos consumidores. As pessoas não podem esquecer que a distribuição é um negócio de volume e de eficiências e isso só se faz com planificação e com algum tempo. Em suma, se os fatores de produção começarem a baixar e se os produtos começarem a ser vendidos a um preço mais reduzido, é natural que o preço final nas prateleiras também venha a ser menor. Mas é preciso que as pessoas percebam que o ajustamento de preços não se faz de um dia para o outro. Pode demorar dois ou três meses.

As acusações visando o setor da distribuição vieram de vários quadrantes, sendo «assalto» uma das palavras usadas. Para além dos eventuais danos reputacionais para o setor, admite que alguns clientes passem a preferir deslocar-se a outros espaços, como por exemplo os mercados?

Quanto mais competição houver, melhor será para o cliente. No caso do retalho alimentar há uma concorrência muito grande entre todos os “players” o que, afinal de contas, acaba por ser muito benéfico para o consumidor. Reconhecemos que este episódio significou um dano muito grande na nossa reputação, mas acreditamos, ao mesmo tempo, que os consumidores, mais cedo do que tarde, vão perceber que foram enganados por um discurso populista.

As políticas comerciais no retalho alimentar são diversas, seja o desconto em cartão ou o dia de compras sem IVA. Confirma que as vendas de produtos em promoção no retalho alimentar rondam os 50 por cento?

Na verdade, esse valor aumentou e já representa 52 por cento do total das vendas. Isto é, os portugueses têm procurado as promoções e o que se verifica é um “downgrade” por parte do consumidor que procura, tendencialmente, as marcas próprias, mais baratas, mas que mantêm uma qualidade muito assinalável. O crescimento das marcas próprias nos últimos seis meses é na ordem dos 35 por cento.  Neste caso, é preciso que se diga que estas vendas aumentaram, mas a margem diminuiu, na medida em que nas marcas próprias a margem é muito mais pequena.

Em setembro verificou-se uma desaceleração drástica no consumo. Essa tendência de descida mantém-se?

Os consumidores estão muito mais racionais, na gestão dos seus orçamentos e também devido à descida dos índices de confiança. O retalho alimentar registou uma retração muito significativa nos primeiros dois meses do ano. As pessoas fazem mais deslocações ao supermercado, mas com um “ticket” mais baixo. Vão com objetivos específicos de poupar e aproveitar as promoções. A compra por impulso desceu muitíssimo, não só no retalho alimentar, mas também no retalho especializado.

Tem dito, em várias entrevistas, que o Estado dá com uma mão e tira com a outra. De alguma forma, pretendeu dizer o Estado ataca a iniciativa privada?

Não diria isso, mas posso afirmar que estamos a viver um período em que a demagogia e o populismo são servidos por partidos políticos de diferentes fações, com a instigação, de alguma forma, a ser feita pelo governo. Esse é um caminho perigosíssimo. Precisamos é de empresas fortes, que criem valor e emprego, e distribuam riqueza. E já agora que o Estado não coloque obstáculos no caminho, dificultando o investimento, a criação de emprego ou a negociação sindical.

O imposto extraordinário sobre os lucros excessivos (também denominado “windfall tax”) visou, em particular, o setor do retalho alimentar. Considera um obstáculo ou uma tributação legítima?

A União Europeia recomendou aos países uma tributação especial sobre setores que beneficiaram de um fator específico que tivesse alterado os seus resultados. Foi o caso do setor energético, em que se verificaram alterações objetivas nas “commodities”, seja a eletricidade ou o petróleo. No caso do retalho alimentar é de uma enorme injustiça falar-se de lucros excessivos num setor que não teve qualquer alteração objetiva que justificasse essa penalização. Pelo contrário. Tivemos foi condições objetivas que dificultaram a nossa vida, nomeadamente nos custos das matérias-primas, energia, etc. Em resumo, penalizar um setor como o nosso, o do retalho alimentar, pelo crescimento da economia e pelo bom desempenho do turismo e o aumento do consumo privado é de uma demagogia sem limites. É mais uma forma de desviar as atenções do essencial.

 

A CARA DA NOTÍCIA

O porta-voz do retalho alimentar

Gonçalo Lobo Xavier assumiu a liderança da APED em setembro de 2018. Gestor de formação, acumula duas décadas de experiência em pequenas e médias empresas. É licenciado em Administração e Gestão de Empresas pela Universidade do Minho.  Nos cargos desempenhados, foi diretor executivo da Rede de Centros Tecnológicos de Portugal (RECET), assessor na Associação das Indústrias Metalúrgicas e Metalomecânicas e Afins de Portugal (AIMMAP) e membro da comissão executiva da Unidade de Missão Portugal In. Foi ainda delegado nacional para a Inovação nas PME e Financiamento de Risco, no âmbito do Horizon 2020.  Atualmente, é representante da CIP no Comité Económico e Social  Europeu (CESE), órgão consultivo  da União Europeia, onde desempenhou, entre 2015 e 2018, as funções de vice-presidente para a comunicação.

Nuno Dias da Silva
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