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Carlos Alves, na primeira pessoa A cultura e a educação transformam as pessoas

23-05-2023

Aos 16 anos, estudante do Conservatório de Castelo Branco, assumiu também as funções de professor assistente de António Saiote naquela instituição. Carlos Alves, Clarinete Principal Associado na Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música, é um dos músicos portugueses mais conceituados internacionalmente. Professor principal de Clarinete na Escola Superior de Artes Aplicadas de Castelo Branco (ESART), foi artista e professor convidado da Universidade do Estado do Arizona (EUA) em 2009 e 2010 e é o diretor de um dos principais festivais internacionais de clarinete que se realizam no nosso país.
“Não tenho ninguém na família músico. Quando estudava na segunda classe apareceu um menino a dizer que se tinha inscrito na escola de música. Ao final da tarde fomos todos inscrever-nos também. A Sociedade Artística Nisense estava a dar os primeiros passos, com a professora Maria Charrinho, e criou-se um projeto de uma orquestra ligeira”, começa por recordar Carlos Alves, um dia depois de ter recebido uma distinção por parte da autarquia de Nisa, a sua terra natal.
Na banda, o clarinete foi-lhe imposto. “Queria tocar trompete ou saxofone, como todos os meus colegas. Mas quem sabia mais de solfejo normalmente ia para o clarinete”, diz enquanto recorda que o “primeiro concerto que fiz tinha 9 anos. Tive a sorte de ter um irmão que estudava em Castelo Branco e que me referiu que iria abrir o curso de clarinete no Conservatório. Na altura o professor António Saiote estava a regressar do estrangeiro e o Conservatório albicastrense foi a primeira escola para a qual foi convidado para dar aulas. Fui dos seus primeiros alunos e fui-me aguentando, pois era muito exigente”.
Seria em Castelo Branco, aos 16 anos, que teve um desafio invulgar que o marcaria no seu percurso. “O António Saiote deixou de poder vir dar aulas ao Conservatório. Disse para a então diretora, Maria do Carmo, que não queria deixar o seu lugar de docente, pois gostava muito da escola, mas que não tinha tempo. Sugeriu então o meu nome, que era aluno dele, para dar aulas, em termos musicais, e que ele se responsabilizava pelos exames”.
O compromisso assumido obrigava Carlos Alves a ir ter aulas com António Saiote a Lisboa. “Pedagogicamente era um bocadinho complicado para mim, pois eu falava para os alunos de 10 anos com uma linguagem que não era a mais apropriada. Por exemplo, dizia-lhes que tinham que ter um som mais redondo e aveludado, quando isso para uma criança é difícil de perceber. O mesmo acontecia com outras classes de alunos mais velhos, alguns casados, em que eu replicava aquilo que o António Saiote me dizia: vocês não estudam o que é que querem fazer da vossa vida… e eles olhavam para mim e perguntavam-me se eu estava bem…”, lembra.
Terminados os estudos no ensino secundário, prossegue a sua formação em Lisboa e Paris, ingressando na Orquestra do Porto. O percurso, diz, não foi fácil. “Vinha à boleia de Nisa, com o braço estendido, para Castelo Branco, e aos fins-de-semana, com 14 anos, ia sozinho, de comboio, para Lisboa. Este sacrifício de vida também nos faz mais fortes”, explica.
Carlos Alves esteve também ligado ao início da Escola Profissional da Covilhã. Até chegar à ESART, deu aulas em várias universidades portuguesas. “Acabei por regressar a Castelo Branco, primeiro porque sou do interior, mas também porque entendi que aqui também deveriam existir bons professores. Naquela altura eu estava na Universidade Católica, era solista da Orquestra do Porto e ainda era docente na ESMEL. Fui convidado pelo então presidente do Politécnico, Valter Lemos, e pelo diretor da escola, Fernando Raposo. Foram ter comigo ao Porto e disseram: nós queremos ter em Castelo Branco a melhor escola de música do país. Na altura eu vim, assim como outros músicos, como o Abel Ferreira, que agora está em Washington e é um dos melhores trompetistas internacionais ou o violinista Daniel Rowland. A Maria João Pires era a professora de piano, por exemplo”.
Carlos Alves sublinha a importância de escolas como a ESART no interior do país, no seu papel não apenas formativo, mas de promoção e dinamização da cultura no território. “Eu não venho apenas dar aulas à ESART. Por isso toquei com a Sinfonietta de Castelo Branco e organizo o Festival Internacional de Clarinete de Castelo Branco. Aquilo que é mais importante é que fizemos um trabalho importante. Grande parte dos professores que dão aulas de clarinete no interior do país foram aqui formados. Isto é um trabalho de vida e do qual tenho mais orgulho do que quando faço um grande concerto, pois o mundo está cheio de músicos que fazem bons espetáculos”.
O Festival Internacional de Clarinete surge “como a cereja em cima de um bolo” que foi sendo confecionado nos últimos 20 anos. “É uma iniciativa que marca a cidade e que traz clarinetistas a Castelo Branco. Vamos ter a estreia mundial de uma obra. Pela primeira vez a Sinfonietta atua no festival. Teremos solistas de topo mundial e iremos desafiar todos os clarinetistas da região a participar. É um projeto transversal. Academicamente queremos que todos possam caber no festival. Estamos a estudar uma maneira de que os primeiros 100 inscritos nos masterclasse possam ter alojamento e refeições como oferta nossa. Queremos criar uma vivência em torno do clarinete em Castelo Branco. A cidade vai usufruir de três dias de altíssima cultura, entre 1 e 3 de dezembro”.
Carlos Alves recorda a Cultura Politécnica, um ciclo cultural promovido pelo Politécnico de Castelo Branco, “e dirigido por Fernando Raposo. O projeto da escola quando começou fazia muito sentido, onde os professores participavam com os alunos. Fizemos muitos concertos com os estudantes na região. No primeiro ano, a minha classe fez mais de 100 espetáculos. Procurámos sempre elevar o projeto também fora de portas. A Esart começou com o melhor quadro de professores do que qualquer escola de música ou universidade do país”.
Hoje, diz, “o projeto não é o mesmo”. Carlos Alves considera que há que dar oportunidades àqueles que estão no território. “No Festival Internacional de Clarinete eu poderia trazer a orquestra Gulbenkian ou a do Porto. Mas em Castelo Branco surgiu a Sinfonietta e nós devemos dar-lhe a mão. Do concerto que fiz com eles já saiu a possibilidade de se gravar um disco e uma tourné de concertos”.
Aos 50 anos não tem dúvidas em afirmar que “a cultura e a educação transformam a vida das pessoas. Cada vez mais estou interessado em ajudar a transformar as coisas, de forma anónima, do que fazer mais um concerto. Dou mais valor ao trabalho que fiz academicamente em Castelo Branco do que o desenvolvido nas escolas de Lisboa e do Porto. Este é um princípio de vida, se calhar por ter nascido em Nisa. Hoje somos considerados a escola de clarinete mais forte do mundo. Temos exportado muitos diplomados”.
Carlos Alves deseja que “haja uma uma maior aproximação entre todos, que as pessoas se unam, esqueçam as políticas, e que percebam que há um desígnio maior que é aquilo que nós fazemos. A cultura e a educação estão acima de nós todos. Gostava que houvesse mais dinâmica e que o trabalho que está a ser feito na Esart fosse mais visível. Há muitas coisas que estamos a fazer e que ficam na sala de aula. Há uma quantidade de cultura e conhecimento que deve ser devolvida à comunidade. Castelo Branco é uma cidade fantástica com uma enorme qualidade de vida. Em termos de infra-estruturas tem tudo para dar certo, como cine-teatro, o Centro de Cultura Contemporânea ou o próprio centro cívico”.

 

Cara da Notícia

Carlos Alves é um dos melhores clarinetistas no panorama internacional. Clarinete Principal Associado na Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música, professor principal de Clarinete na Escola Superior de Artes Aplicadas de Castelo Branco, foi artista e professor convidado da Universidade do Estado do Arizona (EUA) em 2009 e 2010 e é artista Buffet Crampton e Vandoren. O seu percurso, para além de muitos concertos em todo o mundo, foi premiado nos mais importantes Concursos Nacionais, como os primeiros prémios de Jovens Músicos, de  Juventude Musical Portuguesa e do Festival Internacional Costa Verde. Foi ainda premiado nos Concursos Internacional de Roma e Internacional Aurelian Octav Popa na Roménia, abraçando, desde logo, uma intensa carreira solística e de música de câmara, que se expande internacionalmente por países como EUA, Rússia, Alemanha, Áustria, Holanda, Noruega, França, Itália, Espanha, Bélgica, Luxemburgo, Roménia, Macau ou Brasil, entre outros países.

Tocou a solo com a Orquestra Gulbenkian de Lisboa, Orquestra Clássica do Porto, a Orquestra Sinfónica Portuguesa, a Orquestra Clássica da Madeira, a Orquestra Nacional do Porto, a Orquestra Sinfonietta de Castelo Branco, a Orquestra de Câmara Portuguesa, a Orquestra do Sul, Orquestra Artave, Orquestra Sinfónica de Constanza na Roménia, Orquestra Sinfonica de Ontélia na Roménia e a Orquestra J. Futura em Itália, Orquestra Templários, Banda Sinfónica de Madrid, Banda da Guarda Nacional Republicana, Banda Sinfónica Portuguesa e Banda Sinfónica da Branca e a Banda de Paramos.

Nos seus trabalhos discográficos destaca-se a gravação para a EMI Classics do Concerto para Clarinete e Orquestra de Mozart com o Maestro Rui Massena e a Orquestra Clássica da Madeira. Gravou também as Integrais II para clarinete solo de João Pedro Oliveira, a convite do próprio compositor. Tem um CD que foi realizado com Caio Pagano, Daniel Rowland, Caterine Stryncx e Paulo Álvarez, com obras de Olivier Messiaen (Quarteto para o Fim dos Tempos) e Béla Bartok (Contrastes) para a etiqueta Numérica. No seu CD gravado nos EUA, Recital in the West (2010), na companhia do consagrado pianista Caio Pagano, a imprensa norte americana encontrou a melhor interpretação da primeira sonata de Brahms. É membro fundador do Arte Music Ensemble com o qual gravou o seu ultimo disco Divine.

No Teatro Nacional de São João, Carlos Piçarra Alves musicou ao vivo Figurantes de Jacinto Lucas Pires e D. Juan de Moliére, destaca-se também a sua participação em Sombras, espetáculos com encenação de Ricardo Pais

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