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Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVII

Tiago Caiado Guerreiro, fiscalista «É preciso uma reforma profunda dos políticos em Portugal»

14-12-2020

Desassombrado e sem papas na língua, Tiago Caiado Guerreiro acusa os políticos de só olharem para os seus interesses instalados e de pouco contribuírem para o desenvolvimento de setores como a Educação. O fiscalista, crítico feroz da forma como a Autoridade Tributária trata os contribuintes, declara que “a administração fiscal é o braço armado do poder político”.

O Orçamento do Estado para 2021 deverá entrar em vigor a 1 de janeiro. Escasso em medidas fiscais e de apoio às empresas, apresenta uma forte componente social. A pandemia explica tudo ou podia ter-se ido mais longe?
A forte componente social parece-me muito importante neste momento, porque atravessamos uma situação excecional e de crise. E o país deve ter recursos para situações destas, nomeadamente uma pandemia, e é preciso não esquecer que a última aconteceu há mais de 100 anos. Neste momento há muitas pessoas afetadas, por terem perdido o emprego, e há que colocar dinheiro em áreas que estão a ser muito pressionadas, como é o caso da Saúde. Em resumo, apesar de concordar com a dimensão social do Orçamento, também teço críticas por este documento esquecer a base da economia de qualquer país que são as empresas. As empresas estão a ser muito castigadas e não há medidas de apoio, nomeadamente em termos de desoneração fiscal, que estimulem essas empresas a continuarem a lutar pela sua sobrevivência.

Defende que o aliviar do IRC seria uma medida positiva para as empresas no próximo OE 2021. Continuam a faltar sinais encorajadores?
Alivar o IRC nas empresas seria uma medida extremamente importante e podia ser feita de uma forma inteligente. Ou seja, mesmo que se mantivesse as taxas nominais, quem pegasse em metade dos lucros e o aplicasse em capital próprio para reforçar o balanço da sociedade e a sua solidez, não pagaria imposto sobre essa parcela. Seria positivo para a economia, daria mais solidez e capacidade de investimento às empresas e até para os bancos seria um maior garante. Infelizmente, essa decisão não foi tomada e estou em crer que se deve a motivos de ordem ideológica.

No dia em que falamos o ministro da Economia vai apresentar mais um pacote de medidas para apoiar as empresas. O governo devia apostar mais nos apoios a fundo perdido do que nos empréstimos que, no fundo, só vão endividar as empresas?
Os apoios que devem ser dados passam pela diminuição dos impostos e nas empresas que não podem desenvolver atividade deve-se avançar com o pagamento dos salários aos colaboradores. É para isso que existe a Segurança Social, precisamente para acudir aos momentos de insegurança, como os que vivemos. Nunca fui partidário de dar dinheiro a fundo perdido.

Porquê?
Porque há sempre os filhos e os enteados. Quem acaba, muitas vezes, por receber muito dinheiro são aqueles que têm bons contactos políticos e não aqueles que merecem e precisam de o receber. Por isso, sou defensor que deve existir uma redução de impostos sobre as empresas e nas situações mais críticas e delicadas o Estado, como acontece noutros países, devia substituir-se às empresas e pagar os salários quando os empresários não tenham capacidade para o fazer. As receitas da Segurança Social servem para ocorrer a situações excecionais. E esta é uma delas.

Este Orçamento do Estado 2021 ainda não entrou em vigor e muitos dizem que já não tem aderência à realidade. Concorda?
O Orçamento subestima um conjunto de despesas muito avultadas, como é o caso, por exemplo, da TAP e do Novo Banco. Já para não falar da quebra de atividade económica muito forte, com repercussões inevitáveis na receita. Por causa destes três aspetos que referi, entendo que este Orçamento é extremamente otimista e pouco realista.

No atual contexto de crise, qual é a sua opinião sobre a subida do salário mínimo para os 665 euros no próximo ano?
O aumento do salário mínimo é uma opção política que não tem qualquer tipo de respeito pelas empresas, entidades ou associações. É muito importante que o salário mínimo suba, mas no ano em que temos a maior queda de sempre do nosso PIB, impor este cenário às empresas é gerar falências maciças. Estou certo que vai provocar dezenas de milhares de desempregados. Bem vistas as coisas, parece que isto foi uma troca de favores para obter a aprovação no Parlamento do Orçamento do Estado.

As primeiras simulações com base nas tabelas de IRS para o próximo ano apontam que os portugueses vão ter, por mês, um acréscimo no salário entre 2 e 10 euros. Mas também já se sabe que no próximo ano os reembolsos serão menores. Isto é o Estado a dar com uma mão e a tirar com a outra?
Sim, basicamente é mais uma manobra de bastidores e é uma forma de transmitir a ilusão às pessoas de que vão ter mais rendimento, quando, de facto, o imposto continua igual.

Jean Colbert, ministro da economia de Luís XIV, dizia que «a arte da tributação consiste em depenar o ganso para obter o máximo de penas com o mínimo de ruído.» A Autoridade Tributária (AT) adota esta estratégia?
Não. A Autoridade Tributária vai muito para além disso. Devido à pressão política a que é sujeita, já está a tirar a pele ao ganso, ou seja, ao contribuinte. A AT está a «matar» o contribuinte e vai verificar isso quando forem divulgados os dados sobre o encerramento de empresas e sobre a redução de atividade económica.

Tem afirmado, repetidamente, que primeiro somos contribuintes e só depois somos cidadãos. De alguma forma pretende dizer que vivemos num regime de escravidão fiscal?
Vivemos nas chamadas democracias fiscais. Hoje em dia temos estadistas no nosso país que não descansam enquanto não concentrarem cada vez mais poder no Estado, colocando, inclusive, em causa o sistema democrático. E para alimentar o Estado e as clientelas é necessário arrecadar cada vez mais impostos. Por isso, digo, que já não somos, especialmente no setor privado, cidadãos, somos é contribuintes, que temos um conjunto de obrigações para com o Estado que cada vez é maior. Os direitos são poucos. Isto é um rumo político que está a ser seguido no nosso país e, pelos vistos, os portugueses acabam por concordar com ele, porque quando vão votar elegem os responsáveis pelo caminho que estamos a seguir.

Mas, em concreto, qual é o relacionamento que existe hoje em dia entre o fisco e os contribuintes?
No passado, existiam interlocutores na administração fiscal com quem falávamos e que resolviam os nossos problemas. Havia também o conceito de “fair share”, isto é, o Estado tinha direito ao seu imposto e a pessoa tinha direito aos seus resultados. Presentemente, e por pressão política, devido à sua macrocefalia, o Estado quer tudo, o que leva muitas pessoas e muitas empresas a, pura e simplesmente, desistirem. Não se aguenta o número crescente de obrigações fiscais, a que se soma a formalidade e a complexidade. Acho mesmo que já ultrapassámos a curva de Laffer, o que quer dizer que por mais que se aumente o imposto, este gera menos receita fiscal. Pressinto que as coisas vão correr mal.

Muitos contribuintes queixam-se que o fisco não atende às reclamações que lhes chega. «Pague já e reclame depois» continua a ser a imagem de marca da administração fiscal?
Essa é uma das marcas da nossa administração fiscal. Pague já, grandes coimas e contraordenações, com juros, e depois logo se vê se tem razão ou não em tribunal. E esse é um fator terrível de desmotivação para os empresários e para os demais contribuintes.

A diretora da AT, Helena Borges, acaba de ser reconduzida para mais cinco anos de mandato. As orientações estratégicas da máquina fiscal têm origem na própria entidade ou derivam do poder político em funções?
A administração fiscal é o braço armado do poder político e segue as instruções do Ministério das Finanças e as leis que são aprovadas. A máquina fiscal desenvolve o papel de executor, mas as responsabilidades pela maior parte das atitudes da administração tributária devem ser imputadas ao poder político, que a obriga a cumprir determinadas metas e objetivos, independentemente da justeza dos mesmos.

Acusa que em Portugal há uma fiscalidade criada por inveja. Quer com isto dizer que os impostos são uma forma de perseguição a quem tem sucesso?
Tristemente, o que se verifica é que sempre que alguém ou uma atividade tem sucesso, é imediatamente investigado. Dou-lhe alguns exemplos: a área imobiliária tem conseguido, até há pouco tempo, bons resultados. O que se faz? Cria-se e agrava-se a fiscalidade sobre os imóveis e as pessoas que fazem operações nesta área são imediatamente investigadas. A seguir tivemos os olivais que começaram a ter rentabilidade. Começou-se logo a ouvir falar na proibição da expansão desta plantação no Alentejo. E isto acontece noutros setores de atividade. Mas deixe-me fazer uma nota pessoal: nós também não paramos de ser investigados pela administração fiscal vai para três anos.

Está a referir-se ao seu escritório de advocacia?
Estou a falar da minha empresa, de mim próprio e do meu irmão. É perseguição política, claramente, por sermos vozes incómodas.

Mas as ordens para agir partem do fisco ou do poder político?
Esta fiscalidade criada por inveja tem origem no poder político e o seu desejo de manter o controlo. Não se esqueça que quem está no poder quer fragilizar, o mais possível, a atividade privada para ter na mão o poder de fazer o que quer que seja sobre as pessoas e sobre as empresas.

O dossiê TAP promete dar que falar nos próximos tempos. Cruza os braços ou indigna-se quando lê que a transportadora aérea vai precisar de 3 mil milhões de euros?
Eu indigno-me, mas valha a verdade que não é de agora. No passado, concedi inúmeras entrevistas em que me referia a estes processos. Não compreendo como é que o Novo Banco recebe tanto dinheiro, da mesma forma que me custa perceber como é que não se consegue apanhar o dinheiro dos autores de enormes burlas, quando isso não é complexo de se fazer.

Mas voltando ao futuro da TAP…
Para mim, a TAP, sendo de privados, falia e, no dia seguinte, aproveitava-se o que era de aproveitar. Assim, vão milhares de milhões de euros para lá e estou certo que alguém há de ganhar muito com isso. É por estas opiniões, que depois acabamos por ser perseguidos…

O facto de ser uma companhia de bandeira é argumento para se fazer tudo para a mantermos?
Como disse, eu deixava-a cair e no dia seguinte ela reabria, mas sem dívidas e obrigações, por exemplo, como aconteceu com a Swissair. E, muito importante, os contribuintes eram defendidos. O que acontece é que as nacionalizações ou estas operações acabam por premiar quem gere mal as coisas ou situações excecionais de interesses que estão lá colocados.

A TAP vai ser, com maior ou menor dimensão, uma “reprise” do processo Novo Banco?
Sim. A TAP vai ser mais um elefante branco.

A 9 de dezembro comemorou-se o Dia Internacional contra a Corrupção. Esta é uma das grandes ameaças às sociedades democráticas?
Não sei se o Dia Internacional contra a Corrupção é para celebrar, mas estou certo que no nosso país há muitos que têm motivos para festejar. A anterior procuradora-geral da República foi afastada por ser incómoda e recentemente veio alertar para a falta de ambição das medidas tomadas contra a corrupção. E devo dizer que sou da mesma opinião. Joana Marques Vidal vinha cheia de coragem para combater a corrupção e no seio do poder político acabou por se arranjar um “faits-divers” para afastá-la.

São muitos os que apontam o atraso na Educação para explicar o facto de estarmos na cauda da Europa em tantos índices de desenvolvimento e sermos dos mais desiguais do velho continente. Podíamos ser “outro” país, neste e noutros domínios, se os milhões de euros para processos nebulosos fossem para aqui canalizados?
Primeiro tínhamos de combater a corrupção, mas mais do que injetar dinheiro na Educação, creio que era necessário adotar medidas sérias ao nível dos recursos humanos, da gestão, dos programas curriculares, nas avaliações, etc. A instabilidade no setor não ajuda, mas o problema é que são lançadas muitas medidas políticas, quando na verdade os políticos não se preocupam com a Educação que têm. Aliás, estão-se absolutamente nas tintas, porque esses mesmos políticos pegam nos seus filhos e inscrevem-nos em colégios privados.

O sistema educativo merecia e precisava de reformas profundas?
O que era necessário era uma reforma profunda dos políticos em Portugal. Na Educação, por exemplo, é preciso estabilizar os programas curriculares para os próprios professores e alunos terem uma linha de continuidade. Se conseguir que um ministro da Educação e outros responsáveis políticos pensem nos outros, como pensariam em ajudar os seus próprios filhos, havia de ver que isto melhorava muito rapidamente.

Acabou de falar na reforma profunda dos políticos. Que sistema de recrutamento de políticos defende?
Defendo um sistema de voto mais direto, por círculos, em que os eleitores votariam em pessoas e não em partidos políticos. É preciso aproximar o eleito e o eleitorado, pondo fim a este enorme distanciamento que confere o monopólio a determinados partidos políticos. E o que acontece é que muita gente confessa que não se sente representada pelos partidos que existem, mas provavelmente, revê-se mais em determinadas personalidades. O nível de abstenção em sucessivas eleições é disso prova. Esta alteração do sistema eleitoral seria outra reforma a efetuar, mas não irá adiante, porque os dois maiores partidos não querem, porque perderiam o monopólio.

 

Cara da notícia

A fiscalidade explicada na televisão e nos jornais

Tiago Caiado Guerreiro nasceu a 22 de novembro de 1969, em Lisboa. É personalidade assídua nos ecrãs de televisão, nas rádios e nas páginas dos jornais como comentador de assuntos na esfera fiscal. É sócio na Caiado Guerreiro – Sociedade de advogados e presidente do Instituto das Sociedades de Advogados. Licenciado em Direito pela Universidade Lusíada Portuguesa, especializou-se em Gestão e Fiscalidade pelo Instituto de Estudos Superiores Financeiros e Fiscais. Em termos académicos, é professor convidado de «Fiscalidade das Instituições Financeiras» da pós-graduação de Gestão de Bancos e Seguradoras, no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG – IDEFE).

Nuno Dias da Silva
Direitos Reservados
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