Vivemos uma época de mudanças e clivagens abruptas que acompanham um mundo em grande instabilidade. Profundas alterações nos saberes, na organização das forças produtivas, na evolução das tecnologias da comunicação e da informação, nas alterações climáticas aceleradas, obrigam-nos a uma partilha global das matérias-primas, dos bens de consumo, dos padrões culturais e das políticas, as boas e as más, enquadrantes da designada economia de mercado.
Passamos, rápido que nem vertigem, da aldeia rural à aldeia global e desta, àquilo que designamos pela megalópolis do imprevisível.
Como sabemos, neste acelerado rumar da história, a escola pública passou a ser um elo frágil a quem o Estado, as famílias e as organizações sociais atribuem mais e mais competências, por reconhecerem ser incapazes de as assumir e monitorizar.
É o fim da “escola compensatória”, um dos maiores mitos herdados das grandes convulsões sociais e culturais vividas na década de sessenta do passado século. A escola universalizou-se, promoveu o progresso e o bem-estar das populações, qualificou os cidadãos, tornou o mundo mais compreensivo e devolveu a dignidade da cidadania a muitas nações. Promoveu o progresso, combateu a ignorância e a opressão que vive na sua sombra. Pôs-nos mais perto de outros universos e ensinou-nos a odiar a palavra exclusão. Mas não conseguiu inverter a marcha de “compensar” ainda mais os já “compensados”, permitindo que dentro das suas paredes se continuem a desenvolver mecanismos que reproduzem as desigualdades e as iliteracias, já que à desigualdade no acesso raramente ocorre uma promoção da igualdade no processo.
Aquele aumento de tarefas e funções que a sociedade e o Estado aportam à escola tem resultado numa desactualização permanente dos professores, das instituições e dos curricula em que estes são formados.
Neste quadro, os professores que resistem e recusam perder a sua profissionalidade, aqueles que estão presentes e aceitam os novos desafios, bem que podem ser olhados como heróis sociais pelo modo como enfrentam o embate das mudanças, das pressões e das críticas injustas, por vezes acumuladas por mais de uma geração.
O que é, então ser professor hoje? Como podemos definir a sua identidade e a sua profissionalidade?
É-se primeiro professor e, só depois, e por causa disso, é que se é professor de alguma coisa.
É-se primeiro professor porque se partilham uma identidade e uma cultura profissionais. Porque se comungam posturas e princípios éticos. Porque se lhes atribuem modos de acção e desempenhos normalizados…
Poderíamos definir, então, a profissionalidade dos docentes em torno de sete vectores:
Primeiro: frequência de uma formação formal, organizada e que configura a aprendizagem de um conjunto de saberes em diferentes momentos do percurso profissional (saberes de formação e saberes de experiência), formação essa que conduz ao domínio de determinadas competências instrumentais.
Segundo: A prática, num determinado espaço e durante um certo tempo, de um conjunto de tarefas socialmente validadas.
Terceiro: O exercício de uma profissão reconhecida e certificada pelo Estado.
Quarto: O direito a uma remuneração permanente e supostamente equitativa.
Quinto: A manutenção de um estatuto social de referência.
Sexto: A assumpção de uma ética que deve configurar-se num código deontológico que determinasse e regulasse os direitos, obrigações, práticas e responsabilidades do exercício da profissão.
Sétimo: A tutela por um organismo profissional que mantenha e vigie o nível padrão de exercício da actividade docente, necessariamente uma Ordem profissional
São sete vectores que, promovidos a um nível elevado de congruência, contribuem decisivamente para a melhoria da autoestima, da auto confiança e do bem estar profissionais, associados à eficácia do desempenho profissional.