Não estranha, que nesta escusada conjuntura de desalento e de fortes emoções, os profissionais do ensino com mais consciência social e cultural vejam os perigos que espreitam a escola pública, democrática e inclusiva, erguida sobre a estrutura de ensino elitista que o Portugal do pós Abril herdou da ditadura, mas que foi consolidando nestes últimos 50 anos.
Convenhamos que a aspiração de pensar uma escola que promovesse a igualdade de oportunidades e atenuasse as desigualdades sociais se viria a revelar como um dos grandes mitos educativos das últimas décadas.
Porém, tal não invalida que, mesmo os mais cépticos, não reconheçam que as democracias europeias estão longe de poder inventar uma outra instituição capaz de corresponder, com tanta eficácia, às demandas sociais, quanto o faz ainda hoje a escola pública democrática e inclusiva.
Mesmo sabendo que fenómenos, como o são o abandono e o insucesso escolar, a reprodução das desigualdades dentro da comunidade educativa, a incapacidade de manter currículos que valorizem para a vida, a erosão das competências profissionais dos docentes, acompanhada pela perda de estatuto remuneratório e social são problemáticas que colocam em causa os pressupostos dessa mesma escola pública.
Hoje, a vida nas escolas é muito menos atraente para quem nelas estuda e trabalha e a desmotivação dos professores e dos educadores acentua-se com a degradação das suas condições de trabalho.
Todos sabemos, ou julgamos saber, como deve ser e o que deve ter uma escola pública que promova a aprendizagem efectiva dos seus aprendentes e o bem-estar e a profissionalidade dos seus formadores.
Todavia, há uma questão que introduz toda a entropia nestas instituições, e esta surge quando os governos se deitam a fazer contas sobre quanto custa garantir esses direitos. Sobretudo, quando os políticos sabem que todo o investimento em educação só produz efeitos a longo prazo, o que não se compagina com a gestão do calendário dos seus curtos ciclos eleitorais.
Não queremos uma escola pública que seja de baixa qualidade. Por isso estamos com todos os que afirmam ser urgente relançar a escola pública pela igualdade e pela democracia. Uma escola que seja exigente na valorização do conhecimento, e promotora da autonomia pessoal. Uma escola pública, laica e gratuita, que não desista de uma forte cultura de motivação e de realização de todos os membros da comunidade escolar. Uma escola pública que, enfim, assuma os seus alunos como primeiro compromisso, que seja lugar de democracia, dentro e fora da sala de aula, que se revele enquanto espaço de aprendizagem, e que se envolva no debate, para reflectir e participar no complexo mundo em que hoje vivemos
Formar a geração de amanhã não é tarefa fácil. Mas será certamente inconclusiva se escrutinarmos a escola e o trabalho dos professores apenas segundo critérios meramente economicistas, baseados numa filosofia de desenvolvimento empresarial. A escola é muito mais que isso: é filha de um outro espaço social e de um outro tempo matricial. Logo, se o quisermos, nesta matéria nada se deveria confundir, quando claramente estabelecidas as fronteiras sociais do quadro de competências e dos objectivos de missão de cada uma daquelas instituições.
Defender a escola pública, nesta conjuntura de inexplicável imprevisto, é demasiado urgente. Para tal, revela-se necessário que voltemos a exigir políticas públicas fortes, capazes de criar as condições para que a escolaridade obrigatória seja, de facto, universal e gratuita e se assuma, sem tibiezas, que o direito ao sucesso de todos, em pé de igualde, seja ela qual for, é um direito fundador da democracia e do Estado democrático, com meio século de existência.