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Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVII

Editorial A pandemia e a escola pública

22-02-2021

Temos reafirmado, inúmeras vezes, que Escola Pública é, talvez, a maior conquista educacional da sociedade portuguesa das últimas quatro décadas. Diríamos melhor: a edificação da Escola Pública, em paralelo com a consolidação do Serviço Nacional de Saúde.
Construímos, com orgulho de todos democratas, uma escola democrática, inclusiva, de todos e para todos, que valoriza a cidadania, a aprendizagem ao longo da vida, com uma sólida formação e educação obrigatória de todas as crianças e jovens.
É um facto que se tem vindo a construir dia a dia, com muito esforço e sacrifício de toda a comunidade escolar, apesar da conjuntural pandemia que afecta todos os estados e nações, porque é um princípio por que vale a pena lutar, já que fortalece a democracia e a construção de um mundo com mais harmonia e mais respeito pela natureza e pela pessoa humana.
Os professores devem ser felicitados. Com a defesa da escola pública, mesmo neste dificílimo contexto dos sucessivos estados de emergência e da necessidade de compaginar a defesa da educação com a protecção da saúde pública, os docentes têm dado um contributo inigualável para o atenuar das desigualdades sociais e para a futura construção de um Portugal, também ele menos desigual.
Não estranha que nesta infeliz conjuntura epidémica, que acalenta o desalento e impulsiona o desabrochar de fortes emoções, os profissionais do ensino com mais consciência social e cultural vejam os perigos que espreitam a esta escola democrática, erguida sobre a estrutura de um ensino elitista que o Portugal do após 25 de Abril herdou da ditadura.
Porém, o então ainda sonho de pensar uma escola que promovesse a igualdade de oportunidades e atenuasse as desigualdades sociais viria a revelar-se como uma das grandes motivações para a acção do corpo docente durante as últimas décadas do século XX e, sobretudo, nestas primeiras duas do século XXI.
Conseguiu-se ainda pouco? Estamos a trabalhar para resultados que apenas serão visíveis daqui a duas ou três gerações? Houve políticas educativas que encheram o caminho de obstáculos difíceis de ultrapassar?
É verdade: nas respostas a estas questões temos de dar o nosso acordo. Todavia, isso não invalida que, mesmo os mais cépticos, não reconheçam que as democracias europeias estão longe de poder inventar uma outra instituição pública capaz corresponder, com tanta eficácia, às demandas sociais, quanto o faz ainda hoje a escola pública de massas. Mesmo sabendo-se que há fenómenos, mais ou menos recentes, que colocam em causa os pressupostos dessa mesma escola pública, como o são o aumento de desigualdades sociais nas escolas (herdadas do acentuar de desigualdades no tecido social) e a generalização do endeusamento da comunicação entre pares, através das designadas redes sociais.
Acrescente-se a chaga do abandono e o insucesso escolar, a reprodução sistémica das desigualdades dentro da comunidade educativa, a incapacidade de manter currículos que valorizem para a vida, a erosão das competências profissionais dos docentes, acompanhada pela perda de estatuto remuneratório e social.
Infelizmente, hoje a vida nas escolas é menos atraente para quem nelas estuda e trabalha e a desmotivação dos professores e dos educadores acentuou-se com muitas infelizes medidas de política educativa que desvalorizaram a educação, que menorizaram a profissionalidade docente, e que, invariavelmente, conduziram à degradação das condições de trabalho de quem ensinava e de quem aprendia.
Todos sabemos, ou julgamos saber, como deve ser e o que deve ter uma escola pública que promova a aprendizagem efectiva dos seus aprendentes e o bem-estar e a profissionalidade dos seus formadores.
Todavia, há um grave problema que introduz toda a entropia nas escolas: é quando os governos se deitam a fazer contas sobre quanto custa garantir esses direitos.
Não queremos uma escola que seja de baixa qualidade. Por isso, estamos com todos quantos defendem no seu trabalho diário a defesa dos princípios fundadores da escola pública. Uma escola que seja exigente na valorização do conhecimento e promotora da autonomia pessoal. Uma escola pública, laica e gratuita, que não desista de uma forte cultura de motivação e de realização de todos os seus membros. Uma escola pública que, enfim, se assuma como um dos pilares da democracia e como um dos motores da construção de um país onde seja orgulhoso viver e conviver, porque formar a geração de amanhã não é tarefa fácil.

João Ruivo
ruivo@rvj.pt

Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico

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