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Cultura Mestre Manuel Cargaleiro deixa-nos aos 97 anos

30-06-2024

O pintor e ceramista Manuel Cargaleiro morreu dia 30 de junho, em Lisboa, aos 97 anos. O funeral realiza-se dia 2 de julho, na Costa da Caparica. Foi decretado um dia de luto nacional pelo Governo (a decorrer no dia do funeral) e as Câmaras de Castelo Branco e de Vila Velha de Ródão decretaram três dias de luto municipal.

A informação foi veiculada à Lusa pela sua mulher, Isabel Brito de Mana.

Manuel Cargaleiro "morreu tranquilo, rodeado pelos seus, adormeceu", disse a sua companheira.

O artista plástico nasceu em 16 de março de 1927 em Chão das Servas, no concelho de Vila Velha de Ródão, no distrito de Castelo Branco.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa,  recorda Manuel Cargaleiro, como um dos nomes grandes da cultura portuguesa, em nota publicada no site da Presidência da República: "tendo vivido em Paris desde 1957, Manuel Cargaleiro nunca deixou que o cosmopolitismo significasse desenraizamento. Prova disso é a memória das imagens e das cores da Beira Baixa na sua obra, nomeadamente a lembrança das mantas de retalhos; prova disso igualmente a empenhada presença do artista na região onde nasceu, através da Fundação e do Museu Cargaleiro.Ceramista e pintor, mas também desenhador, gravador e escultor, Mestre Cargaleiro deixou a sua assinatura em igrejas, jardins ou estações de metro, e em inúmeras peças tão geométricas e cromáticas como as de outros artistas cosmopolitas que viveram em Portugal. Por isso, tendo estado fora décadas, continuou a sentir-se, e continuámos a senti-lo, um artista português".

A mesma nota refere que "de Cargaleiro disse Maria Helena Vieira da Silva que possuía a técnica perfeita, a medida certa, as cores raras; e disse Álvaro Siza Vieira que evidenciava uma alegria invulgar no panorama artístico português. Tendo-o condecorado, em 2017, com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique e, em 2023, com a Grã-Cruz da Ordem de Camões, o Presidente da República teve a oportunidade de homenagear essas singularidades em breve mensagem para o catálogo da última exposição que fez, texto no qual saudou, e renova agora a saudação, a sua obra jubilosa e luminosa, fiel ao passado e ao presente, a um tempo que é o nosso e que também foi o seu".

Marcelo Rebelo de Sousa diz que "nunca esquecerá o último encontro com Mestre Cargaleiro, semanas atrás, na casa deste em Lisboa, em que continuava a sonhar projetos para o futuro e a acreditar na Vida, sempre prestigiando Portugal".

A sua obra foi fortemente inspirada no azulejo tradicional português. Em 1949, ingressou na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa e participou na Primeira Exposição Anual de Cerâmica, no Palácio Foz, em Lisboa, onde realizou a sua primeira exposição individual de cerâmica, no ano de 1952.

No início de carreira, ainda na década de 1950, recebeu o Prémio Nacional de Cerâmica Sebastião de Almeida, e o diploma de honra da Academia Internacional de Cerâmica, no Festival Internacional de Cerâmica de Cannes, em França, numa altura em que iniciara funções de professor de Cerâmica na Escola de Artes Decorativas António Arroio e apresentara as suas primeiras pinturas a óleo no Primeiro Salão de Arte Abstrata.

Nas décadas de 1960 e 1970, participou em exposições individuais e coletivas e durante este período afirmou-se não apenas como conceituado ceramista, mas também como desenhador e pintor. Nos anos 1980 começou a explorar a tapeçaria.

A partir da década de 1990, predominariam na sua obra os padrões aglomerados e cromaticamente intensos onde continuaria a ser evocado o azulejo português.

Em Castelo Branco, viria a ser inaugurada a Fundação Manuel Cargaleiro, em 1990, depois expandida com o respetivo museu.

No último ano teve patente as exposições "Eu Sou... Cargaleiro", no Mosteiro de Ancede - Centro Cultural de Baião, no distrito do Porto, uma mostra de pintura na Casa Museu Teixeira Lopes - Galerias Diogo de Macedo, em Vila Nova de Gaia, intitulada "Cargaleiro, Pintar a Luz Viver a Cor", e uma exposição de gravura no Fórum Cultural de Ermesinde, em Valongo, de nome "A essência da cor". 

Em março deste ano inaugurou, no âmbito do seu aniversário, no Museu Cargaleiro, em Castelo Branco, a exposição "Guaches, na qual viria a ser publicado o último livro/catálogo.

O ceramista recebeu, em Paris, em 2019, a medalha de Mérito Cultural do Governo português e a Medalha Grand Vermeil, a mais alta condecoração da capital francesa, onde viveu grande parte da sua vida.

Na altura, foi também inaugurada a ampliação da estação de metro de Champs Elysées-Clémenceau, com novas obras de Manuel Cargaleiro, depois de originalmente concebida e totalmente decorada pelo artista português, em 1995, incluindo o painel em azulejo "Paris-Lisbonne".

Em 2017, no exato dia do seu 90.º aniversário, foi condecorado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante Dom Henrique.

 

O céu ganhou mais azul

 

A Fundação Manuel Cargaleiro reagiu à morte do seu fundador, ocorrida dia 30 de junho, em Lisboa, afirmando que "o céu ganhou ainda mais azul", numa mensagem publicada na sua página na rede social Facebook.

A instituição que criou o Museu Manuel Cargaleiro em Castelo Branco, e tem à sua guarda um acervo de cerca de dez mil obras do pintor e ceramista, garante que a obra transcendente do mestre, como a define, "fica para sempre". Assim, agradece-lhe por continuar a "acrescentar luz, cor e poesia aos nossos dias".

O artista Vhils, por seu lado, escreve "Obrigado, Mestre", na sua página no Instagram, ao mesmo tempo que publica imagens do artista e do trabalho conjunto que desenvolveram no ano passado para o Museu Manuel Cargaleiro. Alexandre Farto, conhecido por Vhils, e o pintor fizeram em conjunto a obra "Mensagem", numa justaposição de expressões, materiais e perspetivas de duas gerações, separadas por 60 anos de diferença.

Museus, autarquias, associações de arte e escolas estão entre as entidades que usaram as redes sociais para reagir à morte de Manuel Cargaleiro, hoje, aos 97 anos.

A Fundação Calouste Gulbenkian publica um vídeo sobre o artista, em que conjuga as suas palavras com imagens das suas obras. "Eu nasci para Paris com a Fundação Gulbenkian", afirma Cargaleiro neste vídeo, recordando os seus tempos de bolseiro na cidade onde viria a fixar-se e a obter reconhecimento internacional.

A Gulbenkian reproduz estas palavras de Cargaleiro "com orgulho", recordando "a sua extraordinária carreira". Cargaleiro está representado na Coleção do Centro de Arte Moderna da fundação com mais de sete dezenas de obras, onde os elementos da natureza, como as flores, são os mais presentes.

O Museu Nacional de Arte Contemporânea também lamenta a morte do autor de "Ruínas da Grécia" e de "Le départ de l’ombre", reconhecendo a importância da sua obra, assim como o Museu Nacional Soares dos Reis que o define como "nome de referência da arte portuguesa [...] a nível internacional", e adiantando que obras do artista entraram recentemente no seu acervo, através da "doação de uma coleção de arte privada".

O Museu Nacional do Azulejo fala de "um dos nomes maiores do panorama artístico nacional e, em particular, da cerâmica portuguesa". O museu recorda alguns dos seus trabalhos em cerâmica e que o artista se "considerava o operário mais antigo da [fábrica de azulejos] Viúva Lamego, onde tinha atelier desde a década de 1940".

Sobre um criador que assumiu sempre a inspiração na azulejaria portuguesa, a Rede de Investigação em Azulejo Az-Infinitum escreve na sua página que "o mundo das artes ficou mais pobre, mas o céu ganhou certamente um caleidoscópio de cores".

"Operário de muitas artes, Mestre Cargaleiro é autor de uma extensa obra, e através dela perdurará na memória de todos", lê-se na mensagem da plataforma que inventaria e documenta o património azulejar português.

Esta plataforma dá como exemplo da "excecionalidade artística e humana" de Cargaleiro os painéis concebidos para a estação de metro do Colégio Militar, em Lisboa, e para a “Estação Cargaleiro”, em Paris, nos Champs-Élysées Clemenceau.

As câmaras municipais de Almada, Covilhã, Lisboa e Seixal também publicaram notas de pesar. Lisboa recorda a obra e a Medalha de Honra da cidade que entregou ao artista em 2022. Seixal, que acolhe a Oficina de Artes dedicada à divulgação e estudo da sua obra, destaca o percurso do pintor, a doação de obras que fez ao município e a sua presença no concelho.

Almada recorda "a forte ligação" de Cargaleiro ao concelho onde viveu a infância e "onde tudo começou”. Recorda ainda os painéis de cerâmica para o Jardim Municipal, concebidos em 1956, e para o edifício Papo-Seco, na Costa da Caparica, em 1990, como "as obras mais visíveis" no município.

A cidade de Almada, de que Cargaleiro também foi vereador, atribuiu-lhe a Medalha de Ouro, em 1994.

Entre as reações que se multiplicam nas redes sociais, destacam-se as de escolas e agrupamentos escolares como o Frei Heitor Pinto, na Covilhã, que agradece o "legado de luz e cor", e a Escola Secundária Manuel Cargaleiro, em Amora, Seixal, que publica uma fotografia do artista, sobre uma paleta de cores, numa "homenagem singela mas muito sentida ao [seu] patrono".

EM com Lusa
Fundação Manuel Cargaleiro
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