Cartas da Terra (Penguin Clássicos), de Mark Twain, com introdução de António Araújo e tradução e posfácio de Madalena Caramona, póstuma obra de Twain, apenas publicada em 1962, é um virulento e cáustico libelo, ao jeito de Voltaire, contra as ideias feitas da religião do seu tempo, sob o pretexto de umas missivas enviadas por Satanás aos arcanjos Miguel e Gabriel, no seu périplo pela Terra, onde “todas as pessoas são insanas”, tal é incredulidade com que se depara. “O Homem reza ao criador, pensa que Ele o ouve. Não é uma ideia bizarra?”.
O Italiano (ASA), de Arturo Pérez-Reverte, é um romance inspirado em factos reais, tendo como protagonistas um grupo de mergulhadores italianos que agiram a partir de Algeciras, afundando navios ingleses fundeados em Gibraltar. Uma livreira espanhola e um desses italianos são o centro desta história de emoções em tempos de guerra, e que o autor desenrola com a sua consabida mestria, onde a valentia nada tem de ideológico, pois cada um deles é a sua própria pátria e o farol que ilumina o horizonte chama-se amor.
Eu Sou um Gato (Presença), de Natsume Soseki, é a obra-prima do escritor japonês, onde deambula um felino, recolhido por um professor, servindo para ilustrar a época em que o Japão se abriu ao exterior, através da curiosidade do bichano, que tece argutas e mordazes observações sobre os humanos com quem convive, dando um retrato veraz, sarcástico e melancólico de uma sociedade entre duas eras, um passado tradicional e uma modernidade a descobrir todas as suas consequências.
Mil Grous (D. Quixote), de Yasunari Kawabata (1899 – 1972), Prémio Nobel em 1968, e um dos mais conceituados escritores japoneses do século passado, autor de uma obra de uma delicadeza feroz, eis a reedição de um livro em que se realça a sua ”espantosa economia e uma sensibilidade de pintor “ do mundo flutuante, onde se observam paixões violentas e submersas, e as tragédias imperceptíveis, que pendem meças a quem esteja atento às coisas invisíveis.
Olhos de Gato (Bertrand), de Margaret Atwood (n. 1939, Otava) é uma longa memória retrospectiva da pintora Elaine Risley, pintora de meia-idade que regressa a Toronto para uma exposição da sua obra. “O tempo não é uma linha, e sim uma dimensão. Não se olha para trás ao longo do tempo, olha-se para baixo, através dele, como quem olha através da água. Nada se via embora”. A infância e adolescência, o estudo da pintura, os relacionamentos e os acontecimentos que deixaram marca na tela da vida, estão presentes nestas páginas com a consabida arte da escritora canadiana.
As Sete Luas de Maali Almeida (Clube do Autor), de Shehan Karunatilaka, foi o vencedor do Booker Prize de 2022, premiando este romance do autor nascido no Sri Lanka em 1975, onde se conjugam o passado recente do país, com matanças a rodo, vítimas da guerra civil, e um mundo do além, povoado de infelizes mortos e demónios mais ou menos vivos, num carnaval macabro. Almeida é um fotógrafo morto, mas que vai tentar descobrir quem o mandou matar por causa de umas fotografias que implicam altos poderes, numa viagem alucinante e caleidoscópica.
Vladimir (Quetzal), de Julia May Jonas, é um romance inteligente e mordaz, cuja narradora, uma cinquentona, professora de literatura, que se vê confrontada com a acusação de que o marido, também professor, teria abusado de alunas, e conhece um escritor mais novo, por quem desenvolve uma obsessão pouco católica, o que resulta num desfecho inesperado, tudo temperado por um enredo cheio de referências literárias, glosando o poder, o desejo e a vergonha alheia nas vidas contemporâneas.
Lições de Grego (D. Quixote), de Han Kang, escritora coreana, premiada em 2016 com o Booker Internacional, autora consagrada no seu país, dá-nos neste esplêndido “poema ” a relação entre um professor de grego que está ficar cego e uma mulher mais jovem que perde a voz, num estudo da intimidade de cada um confrontada com a perda dos sentidos da visão e da linguagem, numa prosa evocadora do mais profundo significado do que é ser humano face ao amor e ao desconhecido.
O Mundo Livre (Elsinore), de Louis Menand (n.1952, Nova York), é uma obra de grande fôlego sobre o contributo intelectual e artístico norte-americano no período que vai de 1945 ao final da guerra do Vietname, abrangendo a literatura, as artes plásticas, as ciências, a música, o cinema e o pensamento, que moldaram a cultura ocidental em meados do século XX, escrito com se fosse uma grande romance americano.
A Ciência Nova do Universo Encantado (Temas e Debates), de Marshall Sahlins (1930 – 2021), com o subtítulo de “Uma antropologia da maior parte da humanidade”, é um extraordinário e último contributo do grande antropólogo americano para o entendimento de uma outra visão das culturas humanas. Citando Hume, mas também prestando tributo ao italiano Vico: ” Estamos neste mundo como se estivéssemos num grande teatro, em que as verdadeiras fontes e causas de todos os acontecimentos estão completamente escondidas de nós”. Um estudo que estabelece a distinção entre culturas imanentes e transcendentes.
O Caminho do Zen (Albatroz), de Alan Watts (1915 – 1973), foi publicado em 1957, e é considerado um clássico da exposição do pensamento oriental, e uma óptima abordagem do taoismo e do ch´an/zen para mentes ocidentais, navegando entre os conceitos ocidentais e a espontaneidade sem barreiras, que fundiu o budismo indiano com os aspectos práticos da mente chinesa, para dar vida a uma nova floração, única e original, capaz de iluminar os recantos mais obscuros da vida e da existência humana.