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Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVII

Opinião LIVROS & LEITURAS

19-05-2023

Poesia Reunida (Quetzal), de João Luís Barreto Guimarães, Prémio Pessoa 2022, que, segundo o “Times Literary Supplement”, no “seu estilo suave, mas disciplinado, além da concentração no quotidiano, contribui para o sucesso com que nos transmite o amor e a mágoa”. Poesia europeia, de atenção às pequenas coisas, na esteira de um Manuel António Pina, por exemplo, de uma contenção emotiva e de uma ironia fina e lúcida.

W. B. Yeats (Relógio d´Água) , de Cristina Carvalho, com o subtítulo “Onde vão morrer os poetas – Romance biográfico”, é, nas palavras da autora, “uma exaltação, um entusiasmo perpétuo da minha vida de leituras, já desde a minha adolescência. Quis prestar-lhe a minha homenagem. Desejo que toda a gente possa saber que ele existiu”, assim evocando com distinção e de modo intimista a vida do poeta irlandês que viveu entre 1865 e 1939, Prémio Nobel em 1923. O livro é um canto ao bardo, homem interessado por tudo o que fosse ilimitado, numa vida atravessada por paixões e misteriosas brisas de outras realidades que a só a poesia capta.

Transbordo em Moscovo (Porto Editora), de Eduardo Mendoza, encerra com brilhantismo o ciclo de romances iniciado com “O Rei recebe” (Sextante) e “A repartição do Yin e do Yang” (Porto Editora), com Rufo Batalla, nascido e criado em Barcelona, que acompanhamos até esta derradeira estação, em finais do século XX, num registo divertidíssimo, servido por uma prosa mordaz, que serve para reflectir sobre um século que não deixou boas recordações.

Morte a Crédito (Livros do Brasil), de Luis-Ferdinand Céline, foi publicado com grande estrondo em 1936, concedendo ao autor de “Viagem ao Fim da Noite” um lugar cimeiro das letras francesas. Relata-nos a vida rocambolesca de um jovem médico, das relações com os familiares e pacientes, uma viagem em Inglaterra, à amizade com um inventor excêntrico, num registo de grande crueza e prosa sacudida, frenética e delirante, invectivando a sociedade burguesa do seu tempo, onde se cruza o abjeccionismo mais intenso com o poético mais infame. Traduziu Luísa Neto Jorge.

Punições (Cavalo de Ferro), de Franz Kafka, reúne três histórias do escritor checo, “A Sentença”, “A Metamorfose” e “Na Colónia Penal”, com tradução de Paulo Osório de Castro, escritos entre 1913 e 1919, expressando de forma impressiva o seu labor, e que testemunham “o desespero do homem moderno e a sua solitária condenação a uma existência absurda” e que, segundo o autor deviam ser coligidos num único volume, e que sobreviveram por obra e graça de Max Brod. 

Poder das Mulheres (Temas e Debates), de Giulia Sissa (n. 1954, Pavia), historiadora da cultura e filósofa, empreende neste ensaio, com o subtítulo, “Um desafio para a democracia”, a desmontagem erudita de uma falácia que começou com certos gregos (Aristóteles contra Platão, Eurípedes, Heródoto), e que teve continuação no cristianismo (Tomás de Aquino, entre outros), e que só começou a ser contestada nas Luzes francesas, com François Poullain de la Barre e Nicolas de Condorcet, a saber, que as mulheres nada tinham a dizer, desmentido por exemplos históricos como Artemísia de Halicarnasso, Antígona, Jocasta ou Etra.

A Cortina de Ferro (Bertrand), de Anne Applebaum, com o subtítulo “A destruição da Europa de Leste 1944-1956”, analisa os anos que se seguiram ao final da Segunda Guerra Mundial em países como a Hungria, Polónia e Alemanha, e da sua transformação em estados subjugados à lógica totalitária do estalinismo. A crónica desse tempo é-nos contada com o auxílio de documentação e testemunhos desconhecidos até há pouco.

Uma história que ajuda a compreender como foi possível que tal regime perdurasse até à queda do muro de Berlim em1989.

O Livro da Vida (Planeta), de J. Krisnhamurti (1895 – 1986), foi um dos maiores pensadores filosóficos do século XX, nascido na Índia, mas que espalhou o seu saber pelo mundo. Ao contrário dos contemporâneos, nunca se deixou enredar por sistemas ou crenças, antes se dedicou à pedagogia do autoconhecimento, através de uma maiêutica da impessoalidade, sem receitas, divulgando um saber ancestral através de livros e palestras, acentuando que a verdade não tem caminhos, e que a mente condicionada é o maior obstáculo a uma vida plena. Baseado em citações dos seus livros e é um inestimável contributo para viver em liberdade.

O Espelho Imaginário (Gradiva), de Eduardo Lourenço, reúne um lote de artigos publicados entre 1958 e 1988 sobre Arte. São reflexões, ou melhor, iluminações sobre a pintura e a arte em geral, sendo que o subtítulo do livro é “Pintura, antipintura e não-pintura” pertence ao ensaio seminal do conjunto, com visitas a pintores como Paul Klee, Velásquez, Tintoretto, os Delaunay, Vieira da Silva, Noronha da Costa ou Mário Botas, entre outros. Um livro que abre as portas do seu atelier de visitante e espectador que pensa como ninguém os diversos ângulos e perspectivas das artes.

A Destruição do Espírito Americano (Guerra & Paz), de Allan Bloom, com prefácio de Saul Bellow e posfácio de Andrew Ferguson, publicado nos idos de 1987, ganhou ainda maior relevância em anos recentes com as guerras culturais, sintoma que este estudo magistral detectou, ao denunciar a crise intelectual e da educação no mundo universitário americano, refém do relativismo disfarçado de tolerância, que ignora a pergunta essencial. “O que é o Homem?”. Bloom, retratado por Bellow em “Ravelstein”, tradutor de Platão, foi um verdadeiro Ateniense, a quem a vulgaridade e irrelevância da cultura moderna arrepiava pela ignorância.

José Guardado Moreira
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