Este website utiliza cookies que facilitam a navegação, o registo e a recolha de dados estatísticos.
A informação armazenada nos cookies é utilizada exclusivamente pelo nosso website. Ao navegar com os cookies ativos consente a sua utilização.

Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVIII

Opinião Livros & Leituras

19-06-2023

A Primeira Cruzada (Crítica), de Peter Frankopan apresenta as causas e as consequências da primeira cruzada, desencadeada em 1096, levando à conquista de Jerusalém, e inaugurando uma era que ainda hoje não terminou. Ao contrário da versão vernácula, que atribuía ao papa Urbano II a responsabilidade histórica, foi o pedido do imperador Aleixo, de Constantinopla, que temia o poder dos turcos, a origem dessa viragem, consolidando o poder papal, e iniciando o declínio da antiga Bizâncio e alterando o curso da história no Próximo Oriente.

Poderes e Tronos (Presença), de Dan Jones, obra em dois volumes, com o subtítulo de “Uma Nova História da Idade Média”, abrange mais de mil anos de acontecimentos, desde a queda de Roma até ao século XVI, período esse que tem sido crismado como uma verdadeira idade das trevas, um mundo medieval mergulhado na ignorância, a que apenas o Renascimento pôs fim. Ora essa visão distorcida da História é aqui rebatida com poderosos argumentos. O reexame desse período permite ter um outro conhecimento do que ficou inscrito na memória do tempo.

Kim (Guerra & Paz), de Rudyard Kipling é um romance magistral do mais indiano dos escritores ingleses, nascido em Bombaim em 1865, Prémio Nobel em 1907. Dele disse Salman Rushdie que “nenhum outro escritor ocidental compreendeu a Índia como Kipling”. Esta é a história de um órfão que vagueia nas ruas de Lahore, sendo recolhido por um lama tibetano que vai encarregar-se da sua educação. Viagem iniciática plena de aventuras, mistério e beleza na busca de um rio mítico, num mundo fascinante de exotismo, perigos e autodescoberta.

Amigos até ao Fim (D. Quixote), de John Le Carré, em reedição, conta a relação entre dois improváveis amigos, Ted Mundy, inglês nascido na Índia, e Sacha, alemão, filho de um antigo nazi, que se encontram em Berlim ainda dividida, e cimentam uma relação com muitas facetas até ao desfecho às mãos de um pérfido renegado americano. A história pode ainda ser o epitáfio da Guerra Fria, que se transformou em guerra contra o terrorismo por obra e graça dos interesses dos neoconservadores ianques. Um retrato desencantado do ofício de espionagem num mundo cínico.

Missão de Risco – O Caso Ipcress (ASA), de Len Deighton, é um clássico de espionagem, livro que inaugurou uma nova fórmula de descrever os meandros dos serviços secretos ingleses em plena Guerra Fria, publicado em 1962, pouco antes de Le Carré ter iniciado a sua carreira no género, e com um herói sarcástico, despachado, num registo de um humor devastador. Uma conspiração sinistra está em marcha dentro dos serviços, é preciso detê-la a todo o custo, com ecos do caso Burgess/Maclean que abalou a segurança do reino.

Um Homem em Declínio (Presença), de Osamu Dazai (1909 – 1948), é um dos mais celebrados escritores japoneses do século XX, autor deste romance agónico que, através da personagem de Yozo, um rapaz que tem pavor do contacto humano, retrata um estado de espírito e o destino de alguém que não se vê como pessoa, antes um fantasma que se perde por incapacidade em se integrar na sociedade, mas que prefere a irracionalidade e a alienação, e nas aventuras infaustas dos relacionamentos, afundando-se no alcoolismo e na morfina. “Não consigo sequer imaginar como será viver a vida de um ser humano”.

Santa Evita (Tinta-da-china), de Tomás Eloy Martínez (1934 – 2010), é uma reedição de um dos maiores clássicos modernos da língua espanhola,  uma investigação à vida e a morte de Eva Perón, elevada à categoria de “santa” pelos seus fanáticos seguidores. O narrador persegue um mistério: o que aconteceu ao corpo embalsamado da antiga actriz transformada em “mãe da pátria” ? A história aqui contada é uma digressão luxuriante sobre as hipóteses literárias que tais acontecimentos suscitaram à imaginação da escrita: “A magia dos bons romances suborna os seus leitores”.

Pedro Páramo (Cavalo de Ferro), de Juan Rulfo (1917 – 1986), reedição do livro maior do escritor e fotógrafo mexicano, com prefácio de Gabriel Garcia Márquez, onde o colombiano rende homenagem ao seu confrade e ao poder do romance do qual, segundo Borges, “ainda ninguém conseguiu desenlear o arco-íris, para usar a estranha metáfora de John Keats”. Publicado em 1955, deu origem ao mito de ser o pai do realismo fantástico sul-americano, considerações que passam ao lado desta criação imortal.

As Mil e Uma Noites (E-Primatur), de Antoine Galland e Hanna Diab, com o subtítulo de “Histórias apócrifas”, reúne um conjunto de contos que Galland, o primeiro tradutor europeu do conjunto das mil e uma histórias traduzidas de fontes árabes antigas, juntou ao cânone, ficções que não constam em nenhuma fonte de origem, e que lhe terão sido contadas pelo mercador sírio Diab, e que são um complemento indispensável aos três volumes desta mesma editora, traduzidos directamente do árabe, sendo um monumento da tradição oral oriental que ecoam ainda através da poeira do tempo, como um bosque sem paralelo de maravilhas e encantamento.

Natureza Sagrada (Temas e Debates), de Karen Armstrong (n. 1944, Inglaterra), com o subtítulo “Recuperar o nosso vínculo com o mundo natural”, é um inspirador e vibrante ensaio sobre o estado de coisas e o modo como reestabelecer o equilíbrio nas relações com a Natureza, à luz das tradições filosóficas e religiosas, desde o taoismo e confucionismo, passando pelo hinduísmo, sufismo e budismo, e os três credos monoteístas, sem esquecer a grande poesia, numa viagem que é um apelo à “regra de ouro” da transformação interior, e a uma mudança de ponto de vista sobre o desastre iminente que paira sobre o destino humano.

José Guardado Moreira
Voltar