A Pele do Tambor (ASA), de Arturo Pérez-Reverte, publicado em 1995, é um extraordinário romance passado em Sevilha, para onde é enviado o padre Lorenzo Quart, agente encarregue de missões difíceis. Tudo começa quando o sistema informático do Vaticano é atacado, expondo o caso de uma igreja sevilhana que está prestes a ser demolida, envolvendo interesses financeiros locais, e mortes misteriosas. A história contém um enigma, tudo muito bem embrulhado numa escrita sumptuosa, com um desfecho a condizer com a velha tradição dos livros de aventuras, com dilemas de fé à mistura e amores contrariados, sob o céu nocturno do Guadalquivir.
Grito de Liberdade na Rua da Cale (Parsifal), de Manuel da Silva Ramos (n.1947, Covilhã), contém três novelas: uma sobre um falsário do século XVIII, uma segunda sobre uma benemérita dona de um bordel, que legou a fortuna aos pobres, e o prato de resistência, a que dá título ao livro, sobre três amigos artistas contemporâneos no Fundão da actualidade. A rua da Cale é um repositório de histórias cheias do humor e da verve incomparável, e uma súmula da obra do autor que se estreou com “Os Três Seios de Novélia” (na mesma editora).
Canções para o Incêndio (Alfaguara), de Juan Gabriel Vásquez, o premiado escritor colombiano, escreveu nove histórias extraordinárias, extraídas da sua banca de ourives, pequenas jóias de observação, subentendidos, silêncios e descobertas súbitas, como devem ser os contos, breves e intensos, capazes de captar em poucas páginas os mundos interiores das personagens submetidas a situações inesperadas e dolorosas, iluminadas por uma estranha luz interior, fazendo ressaltar na escuridão dos dias os traumas, feridas e assombros, canções que ardem à flor do papel.
Toda a Prosa (D. Quixote), de Manuel Alegre (n. 1936, Águeda), com um esclarecedor prefácio de Paula Morão, sobre a obra ficcional do poeta, reunindo neste volume romances, novela e contos, desde o inaugural “Jornada de África”, até “Alma”, “Cão como Nós” ou “Tudo É e não É”, fazendo justiça à frase :”A poesia está na prosa, a prosa na poesia, avida é ritmo, às vezes escrito, à vezes não”. A vida tal como ela é, a aventura desconhecida que o tempo vai revelando nas suas diversas colorações, influências (de Rilke a Mário de Sá-Carneiro), paisagens, pessoas e ecos da infância, adolescência e idade adulta, num livro que é a representação do homem e das suas circunstâncias pessoais e históricas.
O Firmamento é Negro e não Azul (Quetzal), de António Cândido Franco, com o subtítulo “A vida de Luiz Pacheco” é uma esplêndida investigação na vida e obra daquele que foi um caso único das letras lusas do século passado, fazendo jus à premissa de quem “sem o regresso das biografias os estudos literários estão condenados a soçobrarem na mais completa indiferença”. Sob o mote do próprio: “A tristeza é um privilégio dos estúpidos”, eis a vida de uma pessoa livre, sem papas na língua, um cão sem dono, um Diógenes lusitano, que casquinou sem dó nem piedade nas importâncias literárias do seu tempo, sempre fora do baralho, editor azougado, pai de larga prole, um pinga-amor vidrado em sexo, “escritor maldito”, que transformou a sua vida na matéria por excelência da obra, deixando páginas que ainda hoje assombram pelo arrojo e descaro, arlequim de um país ainda assertoado por lembranças inquisitoriais, émulo moderno de um Bocage, sarcástico e abjeccionista.
Crónica de África (Guerra & Paz), de Manuel S. Fonseca, viajante de muitas vidas, é a fabulosa evocação das memórias de um jovem, que cresceu e viveu em Luanda desde os cinco anos até 1976, lembranças dos anos de crescimento, descobertas e despedidas, de uma África que se cheira e se recorda nestas páginas feitas de emoção pura, como deve ser toda a boa literatura, que surge viva e palpável, à sombra das árvores frondosas de uma Vila Alice ou dos sons do musseque, histórias de uma infância e de uma adolescência que se inscrevem na terra vermelha africana, das amizades que perduram, da ternura e da magia dos sonhos que aqui se fixam, como se de um paraíso perdido e reencontrado, somente graças ao sortilégio do papel impresso. Um livro que evoca também o cinema de uma vida preenchida de livros e muitas aventuras.
Ali está Taras Shvechenko com um tiro na cabeça: Diário da Ucrânia (Tinta-da china), de Ana França é o resultado de várias estadias da repórter portuguesa na Ucrânia, para onde viajou logo nos primeiros dias do conflito, num diário em que nos é relatado o sofrimento e a devastação provocada pela invasão russa, num registo pessoal e incisivo, de Lviv a Kyiv, de Odessa a Kharkiv, em aldeias e vilas, de Irpin a Bucha, deixando que as vozes falem dos padecimentos, medos e esperanças deste ano de guerra. Um testemunho vivo e muito actual para compreender a nação ucraniana e a sua luta pela sobrevivência.
As Enviadas Especiais (Casa das Letras), de Judith Mackrell, conta-nos as histórias de seis mulheres jornalistas, enviadas especiais, durante a Segunda Guerra Mundial, desde Clare Hollingworth que foi a primeira a noticiar a invasão alemã da Polónia, Martha Gellhorn que desembarcou na Normandia, Lee Miller, antiga modelo, Sigrid Schultz, judia, Virginia Cowles, que esteve em Espanha, e Helen Kirkpatrick, que estava em Londres durante os bombardeamentos e na libertação de Paris, num conjunto de factos da História pelos olhos de que os viveu em directo em tantos teatros de guerra, relatando e deixando testemunho do acontecido.