Este website utiliza cookies que facilitam a navegação, o registo e a recolha de dados estatísticos.
A informação armazenada nos cookies é utilizada exclusivamente pelo nosso website. Ao navegar com os cookies ativos consente a sua utilização.

Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVII

Opinião Livros & Leituras

05-08-2021

Se a História é, no dizer comum, o relato dos feitos e glórias dos vencedores, então Civilizações (Quetzal), de Laurent Binet, Grande Prémio de Romance da Academia Francesa, é, na sua acepção verdadeira, um livro de história, só que de história alternativa. Atahualpa, último imperador inca, deu uma volta aos acontecimentos sobrevindos pela chegada dos espanhóis ao continente americano, e desembarca em Lisboa, poucos dias depois do terramoto de 1531. Aqui começa a aventura da conquista do Novo Mundo europeu. O génio político e a fortuna da guerra levam-no a submeter as velhas monarquias continentais e as suas obsoletas crenças. No entanto, nem tudo corre pelo melhor dos mundos com a entrada dos mexicanos no palco europeu. E nem Cervantes, nem El Greco, deixam de ter um papel nesta história. Um livro de esplêndida imaginação, que leva o leitor ao outro lado do espelho.
No tempo em que os animais falavam, não raro havia axiomas como este: “Um cão não é mais do que uma lealdade à procura de uma causa”. Arturo Pérez-Reverte (n. 1951, Cartagena), um dos mais sagazes escritores espanhóis da actualidade, dá-nos em Cães Maus Não Dançam (ASA), uma fábula do reino animal plena de intenção, visando e castigando as modas e as espúrias convenções deste tempo. Num mundo marginal, Negro, um mastim espanhol cruzado com cão-de-fila brasileiro, antigo sobrevivente das lutas por apostas, mantém a honra de um cão fiel que se rege pela amizade, lealdade e firmeza de princípios. Sob o olhar do cão filósofo Agilulfo, decide resgatar dois amigos apanhados pela mão dos traficantes e promotores das horrendas lutas de cães. Num registo, onde se mesclam o humor, crítica social e a valentia, este romance magistral é o repositório de todas as qualidades intrínsecas da espécie, que fazem do cão o melhor amigo de si mesmo e um exemplo para os humanos.
John Le Carré (1931 – 2020) publicou Chamada para o Morto (D. Quixote), há seis décadas, romance de estreia, que nos apresenta o mundo secreto da espionagem da Guerra Fria, pela voz do imortal George Smiley, que o acompanhou até ao derradeiro Um Legado de Espiões: ”Crescemos juntos, modificámo-nos e amadurecemos juntos”. Tudo o que a personagem viria a ser está contido neste primeiro livro da longa série que lhe é dedicada: pertinácia, desencanto, argúcia e o sabor agridoce da vitória sobre as artimanhas, enganos e cínicos embustes do circo de sombras em que se tornara a luta travada nos esconsos de uma sociedade dividida entre os campeões da distopia capitalista e da ucronia comunista. Le Carré foi o cronista de uma época e um criador maior da literatura do século XX.
O que leva um bem sucedido arquitecto a desaparecer, abandonando a carreira, os sócios e o atelier, para se esconder num vilarejo perdido no interior? Em A Boa Sorte (Porto Editora), Rosa Montero (n.1951, Madrid), conta-nos a história de um homem de meia-idade que decide mudar de vida. Atrás dele tem um passado recheado de triunfos profissionais, mas ensombrado por um drama familiar, que inclui um filho delinquente, procurado pela polícia por crimes de ódio. Escondido em Pozonegro, julgando estar a salvo no anonimato, cedo se descobre alvo de más intenções, mas cai nas boas graças de uma azougada vizinha romena. O encontro não podia ser menos auspicioso e, no entanto, entre estes dois seres, nasce uma ligação de profunda afinidade. Pelo meio, temos uma trama policial cheia de peripécias e acontecimentos inesperados. Segredos e crimes, redenção e amizade: a arte de Montero tece um hino à metamorfose e aos recomeços, que se sobrepõem aos poços negros da vida.
Noite no Caminho de Ferro da Via Láctea (E-Primatur), de Kenji Myazawa (1896 – 1933) é uma pequena pérola. O autor estudou agronomia, dedicou toda a sua atenção a novos métodos da agricultura, no auxílio aos camponeses pobres, professou o budismo e escreveu poesia, contos infantis, ensaios e novelas. Tendo sido redescoberto após a Segunda Guerra Mundial, os seus escritos começaram a ser acarinhados pelas novas gerações. Nesta fábula, a sua obra mais conhecida, seguimos as aventuras do jovem Giovanni e do seu amigo Campanella, que embarcam num comboio a vapor, com destino à Via Láctea. É uma viagem pelas maravilhas da galáxia, que só as mentes dispostas ao mistério podem aspirar a conhecer. O encantamento da escrita do escritor japonês une poesia e ciência, numa viagem ao desconhecido. Foi apelidada de “história para crianças que deve ser lida por todos os adultos”. Acompanha esta edição outra novela, A Biografia de Gusuko Budori.

José Guardado Moreira
Voltar