Um decreto de Augusto determinou, “urbi et orbi”, o recenseamento do Império. E, por isso, numa tarde de frio cortante, Maria e José deitam-se ao caminho, rumo a Belém. Ele, já entrado em anos, um velho carpinteiro, puxando um boi; ela, jovem mas grávida, montada num burrico. A viagem, de Nazaré a Belém, constituía um penoso sacrifício, para ambos, Mas… que fazer? O que Otávio César Augusto determinava não tinha discussão…
Estariam a uns dez estádios de Belém, fatigados já da longa viagem e com Maria nos últimos dias da gravidez, quando (já o sol se afundava por detrás das colinas) José começou a informar-se, junto dos viajantes que regressavam a suas casas, se havia, por ali, ou mesmo em Belém, uma estalagem onde pudessem repousar. O resultado do “inquérito” foi desanimador, as frases sonoras diziam todas o mesmo: a gente era tanta que seria impossível encontrar estalagem com um recanto livre para descansar. Um rapaz, de pescoço direito, o peito largo, um arcabouço de atleta confirmou tudo o que José já escutara: “Eu até dormi ao relento”…
José ainda procurou, numa estalagem, um lugar vago, para Maria e para ele, e a resposta foi seca e rápida: “Nem na cocheira temos lugar”. Mesmo afeito às descomodidades próprias daqueles tempos, preocupava José o cansaço e a gravidez de Maria. E foi numa gruta aberta, na face de uma colina, onde o gado se alimentava, que puderam descansar e acomodar o boi e o burrico. As pessoas dormiam sumidas nas tocas das suas casas, de janelas bisonhas. José, sentado em cima de um molho de feno, aquecia, na fogueira que ele mesmo fizera, as rudes mãos e esperava o parto…
Era uma noite de inverno, mas não uma noite de invernia, ventosa, negra e húmida. Pelo contrário, noite estrelada de um brilho vivaz e sonoro aquele em que Jesus nasceu. E em que os pastores entraram de ouvir, por volta da meia-noite, um coro de vozes misteriosas, que desciam tranquilas da planície dos céus e que assim diziam: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade”…
De repente, num relâmpago de luminosidade estonteante, um anjo surgiu e anunciou aos pastores extasiados: “Tranquilizai-vos. Trago-vos notícias de grande alegria, que será também para todo o povo”. E, após uma pausa, o anjo, suspensa flor do sol, em plena noite, continuou: “Alegrai-vos, porque na cidade de David nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor. E isto vos será dado por sinal: achareis o menino, envolto em panos, deitado numa manjedoura”…
E assim foi. Os pastores deitaram-se ao caminho, em passos leves. No entanto, antes de chegaram à cidade, atentaram numa caverna donde saía o clarão duma fogueira. “A manjedoura” gritou, rouquejando, um velho pastor. Acercaram-se e, de facto, lá estavam o menino, “envolto em panos, deitado numa manjedoura», sob os olhares bondosos, em vitoriosa doçura (porque o menino parecia nascer saudável) de Maria e de José…
O Natal de Jesus! O Natal do Verbo que se fez Homem, O Natal de um homem tão perfeito que só podia ser Deus. E, porque Deus, ou seja, o Verbo, a Palavra Inicial, nos deixou, na sua vida pública esta certeza: não viemos (nem o universo inteiro) do nada, caminhando inexoravelmente para o nada. O acaso de uma certa cosmologia científica não pode explicar a ordem e a complexidade, que sustentam todo o universo, que não é um caos, é um cosmo, onde tudo funciona, numa espantosa regularidade… em cem milhões de galáxias! Nas este Menino Jesus veio dizer-nos também (mensagem que divide a História, em dois) que todos somos iguais, A relação entre duas pessoas é sempre de sujeito para sujeito e não de sujeito para objeto. Aliás, como a relação entre os seres humanos, os animais e a natureza merece também um respeito muito especial; “Olhai os lírios dos campos…”,
Ninguém deve ser obrigado, como nalgumas ditaduras religiosas (isto, em pleno século XXI) a ter fé em Deus. Mas a fé representa, para mim, um substituto credível do inexplicável. Os sábios procuram ensinar que, há 13,7 biliões de anos, se deu a “explosão inicial”, que evoluiu depois no sentido do ser humano. E toda esta assombrosa maravilha aconteceu, por acaso? Neste Natal de Jesus, no aconchego dos meus e da minha casa, deixem-me rezar também: “Glória a Deus, nas alturas! E paz na terra aos homens de boa vontade!”. O Verbo se fez carne!