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Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVII

Atualidade Ucrânia e Moldova na Uniao europeia quais os passos que ainda faltam

26-06-2022

A Ucrânia e a Moldova, às quais foi na quinta-feira atribuído pelos 27 Estados-membros da União Europeia o estatuto de países candidatos à adesão ao bloco, enfrentam agora um processo faseado que, por norma, é longo.

Eis um conjunto de cinco perguntas e respostas, elaboradas pelo Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, que permitem entender melhor as exigências dessa jornada:

 

1 – Qual é o processo para adesão à União Europeia?

Cabe a cada país decidir se pretende candidatar-se à adesão à União Europeia e quando o fará. Os critérios de elegibilidade definidos pelos Tratados da UE são simples.

De acordo com o Artigo 49.º do Tratado da União Europeia, “qualquer Estado europeu que respeite os valores referidos no Artigo 2.º e esteja comprometido em promovê-los poderá candidatar-se a tornar-se membro da União”. Esses valores incluem a liberdade, a democracia e o Estado de direito.

 

Quando um Estado decide candidatar-se, o processo de adesão requer várias etapas, que poderão ser divididas em três fases:

- Estatuto de candidato: O país aspirante precisa de enviar um pedido formal ao Conselho Europeu. Uma votação por unanimidade do Conselho é, então, necessária para se avançar e pedir um parecer ao executivo comunitário, a Comissão Europeia. Com base na recomendação da Comissão Europeia, o Conselho e o Parlamento Europeus votam para aceitar oficialmente o pedido. Com a aceitação dos pedidos de Kiev e de Chisinau, são agora sete os países candidatos à adesão: Ucrânia, Moldova, Albânia, Macedónia do Norte, Montenegro, Sérvia e Turquia.

- Negociações: A fase negocial é, sem dúvida, a mais desafiadora. A Comissão Europeia é responsável por negociar, com base num quadro aprovado por todos os Estados-membros. Em linhas gerais, o país candidato deve cumprir três condições, também conhecidas como os “critérios de Copenhaga”: ter instituições estáveis e democráticas, ser uma economia de mercado funcional e transpor para a ordem jurídica nacional o ‘corpus’ legislativo da União Europeia.

Para monitorizar a aplicação efetiva de mais de 60 anos de políticas e leis da UE, a negociação é dividida em mais de 30 capítulos, que incluem áreas como política de transportes, tributação, serviços financeiros, agricultura e concursos públicos, entre outras. Assistência financeira e técnica é disponibilizada para ajudar os países candidatos neste processo. O Conselho decide por unanimidade encerrar cada capítulo após avaliação da Comissão de que foram feitos progressos suficientes pelo país candidato.

- Ratificação: Uma vez encerrados todos os capítulos de negociação, um tratado de adesão é submetido à avaliação do Conselho, que deve aprová-lo por unanimidade, ao que se seguirá a aprovação do Parlamento Europeu por maioria absoluta. O tratado é, então, ratificado pelos 27 Estados-membros de acordo com os seus procedimentos internos específicos.

 

Desde a fundação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), a primeira organização supranacional que deu início à integração europeia, em 1951, com seis Estados-membros - Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos -, a União Europeia teve, até agora, sete vagas de alargamento: em 1973 (Dinamarca, Irlanda, Reino Unido); 1981 (Grécia); 1986 (Portugal e Espanha); 1995 (Áustria, Finlândia, Suécia); 2004 (Chipre, República Checa, Estónia, Letónia e Lituânia, Hungria, Malta, Polónia, Eslováquia e Eslovénia); 2007 (Roménia e Bulgária); e 2013 (Croácia). E uma saída, do Reino Unido, em 2020.

 

2 – Como é que este processo se traduz na prática?

A política de alargamento da UE é muitas vezes criticada por ser demasiado tecnocrática – como exemplificado pelos numerosos, e rígidos, capítulos negociais -, sobretudo por causa das aprovações por unanimidade exigidas a cada passo do processo.

Neste momento, todas as negociações estão paralisadas, revelando-se uma forma de “fadiga do alargamento” que significa que se formou um círculo vicioso: os países candidatos duvidam cada vez mais de que a UE os aceitará como membros, o que mina a sua determinação política para impulsionar reformas políticas internas difíceis; e, por sua vez, esta ausência de progresso faz com que a UE veja poucas perspetivas de alargamento.

Apesar de a Turquia ter apresentado o seu pedido em 1987, as negociações de adesão com Ancara foram congeladas em 2018, em resposta a um crescente retrocesso democrático.

Países candidatos dos Balcãs ocidentais estão a fazer poucos progressos ao nível das reformas, alguns deles enfrentando crises políticas agudas, como se verificou na Bósnia-Herzegovina e no Montenegro. Também a normalização das relações entre o Kosovo e a Sérvia continua a ser um objetivo distante.

O processo de adesão da Macedónia do Norte e da Albânia é o mais promissor no atual contexto, mas está neste momento bloqueado por um conflito bilateral de longa data entre a Macedónia do Norte e a Bulgária sobre questões relacionadas com a história.

Perante esta situação, os países da UE acordaram em 2020 uma nova metodologia para tornar o processo de alargamento mais credível e dinâmico: os capítulos de negociação estão agora organizados em grupos temáticos para simplificar o processo; o envolvimento direto dos Estados-membros foi intensificado para promover o dinamismo político durante as negociações; e a reforma também introduziu uma mescla de incentivos e desincentivos para encorajar verdadeiras reformas nos países candidatos.

 

3 – Quais são as perspetivas para a Ucrânia de vir a aderir à União Europeia?

Nas últimas semanas, a Ucrânia concluiu em tempo recorde com êxito as primeiras etapas do processo de adesão: a 28 de fevereiro, apresentou o seu pedido; a 07 de março, o Conselho Europeu votou pela continuação do processo e pediu à Comissão para se pronunciar; a 18 de abril, Kiev forneceu informação pormenorizada à Comissão para esta realizar a sua avaliação; a 17 de junho, a Comissão fez uma recomendação favorável à aceitação da Ucrânia como país candidato à adesão; e, a 23 de junho, o Conselho Europeu atribuiu-lhe formalmente o estatuto de país candidato.

O objetivo é claro: enviar uma mensagem política forte às autoridades e ao povo da Ucrânia enquanto estes lutam pelos valores e ideais em que a União Europeia assenta. Os europeus ainda se lembram de que os protestos da praça Maidan, em 2013-2014, foram desencadeados pela recusa do então Presidente ucraniano, Viktor Yanukovich, de assinar um acordo de associação com a União Europeia. As aspirações da Ucrânia a pertencer à UE estão profundamente enraizadas, agora com mais de 86% dos ucranianos a apoiarem a adesão.

No leste da Ucrânia, uma sondagem recente mostrou que mais de dois terços dos inquiridos eram a favor da adesão à UE, em contraste com apenas 31% em março de 2021. Tal representa uma grande alteração que sublinha o consenso nacional em torno da pertença à União Europeia.

Entre os países da UE, parece também haver um consenso nesta matéria. Até a Hungria apoiou abertamente o pedido da Ucrânia, apesar da tensão nas relações bilaterais.

O caminho para a adesão será inevitavelmente longo. Mesmo o mais curto processo de adesão levou entre três e quase cinco anos nos casos da Áustria, da Finlândia e da Suécia, em 1995. Quanto à vaga de alargamento de 2004-2007 aos países da Europa de Leste, as negociações duraram mais de dez anos.

Existe também a ideia de que a UE poderá ter andado demasiado depressa no passado, tendo deixado entrar alguns países apesar de problemas de corrupção profundamente enraizados e ratificado a adesão de Chipre antes de completar com êxito um acordo de paz.

A UE pensou, com otimismo, que a adesão seria um catalisador para o progresso, mas em vez disso, uma vez na UE, a vontade política para proceder a reformas e compromissos difíceis desapareceu.

É certo que a Ucrânia não tem de começar do zero. Em 2014, a UE e Kiev assinaram um acordo de associação, que levou o país a iniciar o processo de alinhamento legislativo em várias áreas, do comércio livre ao Estado de direito, passando pela proteção do consumidor. As autoridades ucranianas declararam recentemente que 63% do acordo já foram cumpridos.

Contudo, a Ucrânia tem ainda um longo caminho a percorrer antes de satisfazer integralmente os requisitos da UE. O Estado de direito continua frágil na Ucrânia, com falta de transparência no sistema de adjudicação de contratos e um sistema judicial fraco. Assim sendo, os europeus não devem comprometer os ‘critérios de Copenhaga’ – devem, pelo contrário, usar este processo como motor de mudança em benefício da Ucrânia.

 

4 – A União Europeia está em condições de admitir algum novo membro?

Um aspeto que é muitas vezes esquecido no debate sobre a política de alargamento da UE é a real capacidade do bloco comunitário para “absorver” um novo membro. Conforme sublinhado pelos líderes europeus após uma cimeira UE-Balcãs ocidentais em 2021, a UE também precisa de “manter e aprofundar o seu próprio desenvolvimento, garantindo a sua capacidade de integrar novos membros”.

Adicionar mais membros à UE sem reformar a sua estrutura interna, especialmente o princípio da unanimidade para decisões essenciais, poderá tornar a organização cada vez mais inviável. Já é suficientemente difícil chegar a acordo com 27 países, como se pôde constatar com o veto da Hungria a novas sanções da UE ao petróleo russo.

O impulso político e a urgência criados pelo pedido da Ucrânia devem ser aproveitados pelos líderes da UE para aprovarem reformas institucionais ousadas que agilizem e tornem mais flexíveis os processos de tomada de decisões da organização.

O primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, e o Presidente da República francês, Emmanuel Macron, colocaram recentemente a reforma da UE novamente na agenda. Draghi apelou para que se vá “além do princípio da unanimidade”, que é atualmente a regra em questões de política externa, defesa, saúde e tributação. Macron apoiou essa ideia e também defendeu uma Europa a vários níveis, com “círculos de vanguarda” a aprofundar a integração europeia em algumas áreas, tendo mesmo aludido a uma revisão dos Tratados da UE - uma perspetiva que, no entanto, levantou preocupações em alguns Estados-membros.

 

5 – O que pode a União Europeia fazer, a curto prazo, para integrar mais a Ucrânia?

Como a adesão da Ucrânia à UE não vai acontecer de um momento para o outro, os Estados-membros deveriam pensar em formas para aprofundar entretanto a integração europeia do país. Além da sua ajuda imediata a Kiev (ajuda militar, apoio humanitário, assistência macrofinanceira), a UE já deu passos importantes para uma maior integração da Ucrânia.

Na área da energia, as redes elétricas da Ucrânia e da Moldova foram sincronizadas com a Rede Síncrona da Europa Continental, para ajudá-las a manter estáveis os seus sistemas elétricos.

Os países da UE também concordaram em conceder aos ucranianos recém-chegados um estatuto de proteção temporária, dando-lhes direitos instantâneos para se movimentarem, viverem e trabalharem dentro do bloco comunitário.

A União Europeia decidiu também apoiar estudantes ucranianos através do seu programa Erasmus+.

Os Estados-membros estão agora a trabalhar num regulamento que concede à Ucrânia acesso ao mercado europeu livre de impostos e de quotas por um ano.

Quando a guerra iniciada a 24 de fevereiro pela Rússia na Ucrânia terminar, a UE vai ter também de aumentar significativamente o seu apoio para ajudar a Ucrânia a reconstruir e adaptar as suas infraestruturas (nomeadamente para melhor as integrar nas da UE, usando padrões europeus), mas também levar a cabo reformas internas muito necessárias.

O processo de adesão poderá servir de catalisador para reformas arrojadas, com a assistência financeira e técnica da UE. A Comissão Europeia já propôs a criação de uma plataforma de coordenação e um mecanismo financeiro para ajudar a Ucrânia nos seus futuros esforços de reconstrução.

Para gerir as expectativas, dado que o processo será certamente longo, poderá ser equacionada uma maior associação política com a Ucrânia. O Presidente da República francês propôs recentemente a criação de uma “comunidade política”, que incluiria Estados-membros e não-membros da UE que partilhem os mesmos valores e o desejo de promover a cooperação nas áreas da segurança, energia, transportes, investimentos ou educação.

Uma tal “comunidade” não seria um substituto da adesão à UE (ou uma solução intermédia), mas apenas uma forma de moldar as relações entre a União Europeia e a Ucrânia em paralelo ao processo de adesão.

LUSA
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