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Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVIII

1ª Coluna O 'passo' do Papa Francisco

21-04-2025

Um dia depois da Páscoa e após ter participado na Bênção realizada na Praça de São Pedro, em Roma, o Papa Francisco partiu para a casa do senhor. Tinha 88 anos e lutava contra uma pneumonia bilateral. No dia 20 de abril, quando o vi na cerimónia Pascal fiquei comovido com a sua força e com a força que nos transmitia. Mesmo debilitado veio desejar a todos uma “Boa Páscoa”, apelando ao fim das guerras que assolam o mundo.

O argentino Jorge Mario Bergoglio, o primeiro jesuíta a assumir os destinos da Igreja Católica, era assim. Simples, resiliente, transmissor de esperança, agregador. Recordo uma das primeiras visitas que efetuou ao Brasil, em que recusou o veículo blindado (papa móvel) e fez o percurso, entre milhares e milhares de pessoas, num carro utilitário perfeitamente normal. Foi sempre um homem do povo que não gostava de mordomias, o que o levou a optar por viver na Casa de Santa Marta – onde se acolhem os hóspedes – em vez das mordomias papais do Palácio Apostólico.

O seu pontificado fica marcado pelo combate aos abusos sexuais dentro da Igreja. Ao invés de esconder essa dura realidade, enfrentou-a de frente. Pediu desculpa a quem foi abusado – como aconteceu nas Jornadas Mundiais da Juventude, em Lisboa -, mostrando determinação. Mudou todo um paradigma. “Nenhum abuso deve jamais ser encoberto e subestimado, pois a cobertura dos abusos favorece a propagação do mal e eleva o nível do escândalo”, disse aos cardeais, bispos e líderes de conferências episcopais, numa reunião realizada em Roma, conforme noticiou a Agência Lusa. Esta posição aproximou a comunidade da Igreja. Sem tabus, o Papa Francisco foi claro e objetivo, iniciando um processo ainda em curso e que se espera prossiga a bem da justiça.

Depois de um extenso papado de João Paulo II, que marcou gerações, e de um mais curto de Bento XVI – este viria a abdicar ficando Papa emérito entre 2013 e 2022, ano da sua morte -, Francisco soube agregar e chamar à Igreja todos e todas. Criticou populismos, defendeu os divorciados, os homossexuais e transexuais. Na sua perspetiva, “abençoam-se as pessoas e não as relações”. No seu livro autobiográfico considera que topos são convidados na Igreja, mesmo pessoas divorciadas, mesmo as pessoas homossexuais, mesmo as pessoas transexuais.

A sua visão trouxe modernidade à Igreja contrariando setores mais conservadores. As mulheres passaram, também elas e de uma forma justa, a serem indicadas para cargos de poder. Organizou ainda o seu ‘governo’ tendo em conta as questões sociais e o apoio aos menos favorecidos.


O Papa Francisco não teve um pontificado fácil. À questão dos abusos sexuais no seio da igreja, vieram novas guerras e uma pandemia. O seu sorriso e as suas palavras trouxeram ao mundo a tranquilidade e segurança necessárias. Talvez por isso a sua partida seja tão dolorosa e crie apreensão sobre o que virá a seguir. “Eu sou apenas um passo”, escreveu no seu livro “Esperança”, aludindo ao presente e futuro da Igreja.

Recordo as palavras de Américo Aguiar ao Ensino Magazine sobre o Papa Francisco: “os encontros com ele são o encontro com o pai, com o avô, com um irmão, com um superior. Uma das características que logo emergem são a sua proximidade e transparência. Ele fala, ouve, sente, responde, é solidário, com aquilo que é a realidade de cada um. Surpreende-me sempre o seu conhecimento tão detalhado dos problemas, das coisas, dos dossiers, das pessoas. Há poucos dias foi revelado que o Papa fala diariamente, por telefone ou videochamada, com a paróquia de Gaza. Digo isto com um misto de orgulho e também de lamento: hoje em dia, o Papa Francisco é a única liderança mundial transversal. Na política mundial há um grande défice de personalidades com influência transversal para aquilo que é a paz, a concórdia e o progresso da humanidade. O Papa Francisco é atualmente a única personalidade mundial que transporta à humanidade às costas para nos levar até bom porto”.

Confesso que gostaria de ver um Cardeal português como Papa. Tolentino Mendonça?!, Américo Aguiar?!, ambos muito próximos de Jorge Mario Bergoglio e com uma dimensão humana superlativa. Estou certo que qualquer um daria continuidade “ao passo” de gigante que o Papa Francisco deixou na Igreja.

 

João Carrega
DIRETOR carrega@rvj.pt
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