Este ano, nos Estados Unidos, vai surgir o primeiro canal de notícias produzido com recurso à inteligência artificial, onde o tele-espetador poderá escolher o pivô que mais lhe agrada, a língua que ele deve falar, e os conteúdos. Tudo o que aparece no ecrã é artificial. Os “jornalistas” não são humanos, apenas os editores o são, recorrendo a agências de comunicação e a freelancers como fontes noticiosas. O Channel 1, como foi batizado, funcionará 24 horas por dia, e, no futuro, não se afasta a ideia de ser totalmente produzido com recurso à inteligência artificial.
A comunicação manda no mundo. E quem controlar a comunicação tem nas suas mãos o principal instrumento de manipulação da sociedade, do seu modo de pensar. O assunto merece, por isso, a maior atenção de todos. A substituição de jornalistas humanos por «jornalistas» de inteligência artificial constitui um perigo que, a concretizar-se, terá consequências imprivisíveis. Afinal que notícias passaremos a ler, ver e ouvir, qual a sua credibilidade, rigor, independência e isenção? Terão contraditório? Quem fará o escrutínio de tudo isto? Quem fará a pesquisa da informação? Quem a validará? De que modo serão confrontadas as diferentes fontes? E os direitos de autor? Como serão regulados os proprietários desses meios de comunicação com recurso exclusivo à inteligência artificial? Serão-o da mesma forma como hoje acontece com as redes sociais, onde pseudo jornais digitais, que se fazem passar por órgãos de comunicação social, se limitam a copiar e a publicar; a criar narrativas em determinado sentido, sem qualquer tipo de rigor, deixando o resto ao sabor dos comentários?.
A comunicação social atravessa um período de grandes desafios e ameaças. O jornalismo livre, no ano em que se comemora o meio século de liberdade, vive tempos difíceis. Mas este é também o tempo dos jornalistas dizerem basta ao modo como são (pouco) remunerados, à falta de respeito com que muitas vezes são confrontados externa e internamente, às imposições e pressões, ao trabalharem sem horário de saída, mas também àquilo que não sendo jornalismo passa na opinião pública por o ser. E esta não é uma questão que afeta apenas os jornalistas. Afeta todos, na medida em que sem informação rigorosa e atual, o tempo parará, não parando, e a sociedade fica sem chão. Sem chão de conhecimento e sem capacidade de decidir por si própria.
A este contexto, os órgãos de comunicação social, em especial a imprensa, acrescentam a quebra das receitas publicitárias. O mercado que deveria funcionar está contaminado e quando assim é tudo fica mais difícil. O risco de tudo isto é que a tentação de retirar os jornalistas da equação e substituí-los por «camaradas» não humanos - reduzindo, por essa via, os custos com os vencimentos e aqueles que lhes estão associados -, poderá concretizar-se a médio prazo. O Channel 1 parece-me ser apenas o começo.
A inteligência artificial pode funcionar como um apoio à própria profissão. Mas recebermos notícias que não são feitas por jornalistas e de acordo com o rigor exigido - num mundo como é o nosso, onde há, pelo menos, duas guerras, e em que o poder e o controlo pela comunicação ganha contornos perigosos -, é um cenário a que todos nos devemos opor. Afinal, sem um jornalismo livre e rigoroso não há democracia. E sem jornalistas não há jornalismo.