A saúde mental nas instituições de ensino superior (IES) começa a ser abordada pelas universidades e politécnicos com cuidado e atenção. Há não muitos anos, estudantes, sobretudo estes, mas também professores e não docentes, fechavam-se sobre si próprios quando eram confrontados por situações de stress, depressão ou outro tipo de patologia do foro mental. Da parte das academias a resposta a este tipo de situações era pontual e, entre pares, a vergonha de pedir ajuda falava sempre mais alto do que a necessidade.
Felizmente aquele é um cenário que está a mudar. A preocupação das IES é grande. Criaram-se programas, formaram-se equipas, definiram-se estratégias para que, dentro da academia, estudantes, professores e pessoal não docente possam ter acompanhamento e, em caso de necessidade, possam ser encaminhados para outro tipo de intervenção.
Sejamos claros. Estudos recentes revelam que 55% os estudantes universitários que abandonaram os seus estudos dizem tê-lo feito por stress emocional e 47% por fatores relacionados com a saúde mental. O relatório da Amarican Psychological Association, de 2020, mostra que os jovens entre os 18 e os 23 anos reportavam mais stress que as pessoas de outras gerações, e destes eram os estudantes universitários que mais o faziam. Aliás, 87% afirmaram que a sua vida enquanto estudantes era uma fonte significativa de stress que afetava a sua saúde.
Esta realidade foi apresentada por Maria José Chambel, pró-reitora da Universidade de Lisboa, durante a conferência sobre o papel da universidade na promoção da saúde mental e do bem-estar. Também a classe dos professores é afetada. ‘Burnout’ faz parte do léxico docente, e pode ser “caraterizado por um estado psicológico de exaustão física, fadiga extrema; por exaustão cognitiva ou mental, com dificuldades de concentração e raciocínio; ou exaustão relacional, dificuldade com os outros e com a própria atividade”, como referiu a investigadora portuguesa. Entre os não docentes, a saúde mental também é vista com apreensão.
Neste cenário de saúde mental universitária, os estudantes, sobretudo os deslocados, serão sempre o elo mais fraco. Telmo Mourinho Baptista, diretor da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, aponta como fatores que influenciam a saúde mental dos estudantes, “o stress académico (resultante de cargas de trabalho pesadas, exames e pressão para ter um bom desempenho, o que pode levar à ansiedade e à depressão); preocupações financeiras (propinas, despesas de subsistência e empréstimos estudantis podem causar stress significativo); pressões sociais (a adaptação a novos ambientes sociais, a pressão dos colegas e a manutenção de relações podem afetar o bem-estar mental); Transições de vida (sair de casa, aumentar a independência e as incertezas da carreira podem ser um desafio); e a Privação do sono (sonos irregulares devido às exigências académicas e atividades sociais podem afetar a saúde mental)”.
Há ainda fatores pessoais e de estilo de vida que têm influência na saúde mental dos estudantes. Telmo Mourinho Baptista dá como exemplo a saúde física (que inclui a dieta, hábitos de exercício e bem-estar física); o consumo de substâncias (álcool e drogas), e gestão do tempo (equilibrar as responsabilidades académicas, a vida social e os cuidados pessoais pode ser um desafio para muitos estudantes). Finalmente, surgem os fatores ambientais e institucionais, relacionados com a “cultura dos campus (a atmosfera geral, incluindo a competitividade e os sistemas de apoio, influenciam o bem-estar do estudante); disponibilidade de recursos (acesso a serviços de saúde mental, aconselhamento e programas de apoio no campus); e condições de vida (a qualidade da habitação, níveis de ruído e o espaço pessoal podem ter impacto nos níveis de stress e na saúde mental em geral)”.
E como podem as academias atuar? Desde logo com a criação de programas que promovam a saúde mental de toda a sua comunidade, com estratégias bem definidas, e com recursos humanos afetos a essa área tão sensível, que deve ser tratada com discrição e assertividade. Neste socorro, a própria comunidade académica deve estar atenta aos sinais dos pares. Telmo Baptista aponta para um sistema universitário de cuidados escalonados, com diferentes níveis de intervenção, como a autoajuda, apoio por pares, intervenções breves, terapia breve e apoio intensivo.
Um pouco por todo o país, universidades e politécnicos abraçam esta causa sem tabus e com a determinação de conseguirem dar resposta a problemas de saúde mental nas suas comunidades. Em boa hora a tutela, através da Direção-Geral do Ensino Superior, lançou o Programa para a Promoção da Saúde Mental no Ensino Superior, com uma dotação total de 12 milhões de euros, a que as IES têm concorrido com projetos adaptados às suas necessidades.
Que esta dinâmica consiga dar resposta a um problema que é real, que leva a que muitos estudantes abandonem os seus cursos e hipotequem o seu futuro; que um número crescente de professores esteja sofrer de ‘Burnout’ e que uma percentagem significativa de não docentes mostre grande indiferença no trabalho de desenvolve. Se os programas forem bem-sucedidos, todos sairemos a ganhar.