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Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVII

Primeira coluna A revolução de Abril na Educação

22-04-2024

Certamente que as gerações mais novas, e até a minha que viu o 25 de Abril de 1974 acontecer enquanto criança, olha para a revolução que trouxe a democracia ao nosso país de uma forma superficial e não imagina o que viver em ditadura significa. Para lá da falta de liberdade de expressão, o controlo diário que o Estado Novo fazia de cada cidadão tornava a vida de todos numa espécie de prisão domiciliária de pensamento único obrigatório (contestado, é certo, por aqueles que ousaram pensar pelas suas cabeças - muitos acabariam presos políticos).
A instrução e a educação era vista como uma ameaça e não como uma oportunidade para o país. Para as mulheres a escolaridade obrigatória era o 3.º ano. Para os homens a quarta classe. Prosseguia estudos quem tinha posses. Na escola, as professoras só se podiam casar mediante a autorização do Ministério da Educação. Os rapazes estudavam de um lado, as meninas noutro. Portugal, em 1970, e segundo os censos divulgados pela Pordata, era um país com 25,7 por cento de analfabetos, sendo que 31% dizia respeito aos sexo feminino e 19,7% aos homens. Ou seja, um quarto da população portuguesa não sabia ler nem escrever.
E se o ensino básico mostrava que, em 1974 apenas metade dos alunos chegava ao 3.º ciclo (no caso do secundário a percentagem era 8,7%), os que estudavam no ensino superior em Portugal pertenciam a uma minoria privilegiada, que olhava para os estudos como uma oportunidade de uma vida melhor e de um adiamento à guerra colonial, que ciclicamente mobilizava milhares de jovens a partir dos 18 anos para combaterem nas antigas colónias.
A massa crítica nas poucas universidades existentes resumia-se a 40 mil alunos, a grande maioria rapazes. Hoje estudam nas universidades e politécnicos meio milhão de jovens, na sua maioria raparigas. Esta transformação, curiosamente, começaria a ser preparada ainda no Estado Novo, pela ousadia e coragem de Veiga Simão, que enquanto ministro, contra corrente do regime, foi visionário no modo como olhou para o país e como o preparou para os desafios que se lhe vieram a colocar.
A sua reforma criou as bases para que o País tivesse uma escolaridade obrigatória igual para rapazes e raparigas e prolongada no tempo. Ao mesmo tempo, deu origem a uma rede de ensino superior robusta, democrática no acesso às universidades e politécnicos, decisiva na qualificação dos portugueses, fruto da abertura de novas instituições em todo o país. A esta mudança juntaram-se, o Estatuto da Carreira Docente Universitária (em 79), a Lei de Bases do Sistema Educativo (em 86) e o RJIES. Todos estes instrumentos tornaram Portugal um país mais competitivo e moderno, capaz de formar os jovens, mas também os menos jovens, capaz de investigar e participar/liderar consórcios europeus.
Mas a esta dimensão, da qualificação, da investigação e da democratização do acesso ao saber, junta-se a coesão territorial e social. A rede de ensino superior portuguesa é um dos principais instrumentos de coesão territorial e social do país. Diria mesmo que para regiões de baixa densidade, como as do interior, a presença de instituições de ensino superior é determinante ao seu desenvolvimento e sobrevivência, não devendo por isso ser colocadas em causa, como num passado não muito distante aconteceu.
Tudo isto foi conquistado pela democracia, pela liberdade e pelo respeito de que a nossa liberdade termina onde começa a liberdade do outro. Na escola, hoje vivem-se momentos de uma democracia burocrática que torna a classe docente com uma carga excessiva de procedimentos nada relacionados com o ato de ensinar. Mas vive-se também um clima em que quase tudo parece ser permitido e onde os encarregados de educação se consideram acima das regras da própria escola. Saibamos preservar a nossa liberdade. Tenhamos presente que as autocracias e as ditaduras chegam sempre, como diz Sérgio Godinho, com botas cardadas ou com pezinhos de lã. Todo o cuidado é pouco.

João Carrega
carrega@rvj.pt
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