Aos 26 anos, Luís Trigacheiro protagoniza uma carreira em fulgurante ascensão. O cantor alentejano considera que a autenticidade é condição fundamental para vingar no panorama musical.
É alentejano de gema e começou a atuar em grupos de cante alentejano, que são as suas origens artísticas. Saudade, identidade e portugalidade são as ideias que estão na base das suas composições?
Inconscientemente acabam por estar sempre presentes, mas não é só nesses filtros que me foco quando peço a compositores para escreverem ou quando eu próprio componho. O passo inicial é escolher sobre o sentido da letra e da música e depois as coisas tomam um rumo próprio.
António Zambujo, também natural de Beja, é uma referência maior, e sei que é dos autores que mais ouve no Spotify. É o apelo das raízes a falar mais alto?
Como já disse, é quase inconsciente. Essa proximidade existe porque me identifico e não por termos nascido na mesma terra. Gosto da música que ele faz, como se não o conhecesse, da mesma forma que gosto de artistas internacionais e nunca na vida me cruzei com eles.
A crítica diz de si que «é uma das mais poderosas e genuínas vozes do panorama musical nacional». A autenticidade é o seu traço distintivo?
Acredito que se formos autênticos, vamos ter sempre público. Se nos distinguirmos num mercado onde há muita oferta com uma música com identidade, conseguiremos ir mais além. É preciso fazer diferente e não fazer mais do mesmo. As pessoas procuram coisas originais.
A indústria musical mudou radicalmente nos últimos anos com o digital. Hoje em dia são poucas as pessoas que compram vinis ou CD’s. A promoção nas rádios, nas televisões e nas redes sociais passou a ser fundamental para chegar ao grande público?
São campos fundamentais e com uma comunicação muito própria, determinantes para que o artista se consiga manter nas bocas do mundo. A TV, por exemplo, permite chegar a audiências brutais e a públicos específicos e “targets” diferenciados. A rádio pode ser consumida no trânsito onde as pessoas passam muito tempo das suas vidas. Já as redes sociais são um meio mais portátil, disponível em qualquer lugar onde exista internet, e já não são exclusivas das faixas etárias mais novas, chegando a faixas etárias mais envelhecidas. Em resumo, todos estas plataformas são decisivas para que o público nos conheça e para que possa reservar bilhete para os nossos concertos. O mundo discográfico tem mudado muito, procurando acompanhar a velocidade com que o mundo se vai transformando.
O ponto de viragem da sua carreira aconteceu em 2021, com a vitória no «The Voice – Portugal», quando foi inscrito, sem saber, pelos seus amigos. Como foi passar do anonimato para os holofotes da imprensa e das redes sociais?
Sou uma pessoa muito reservada. Gosto de discutir muitas temáticas, mas numa zona controlada, junto dos meus amigos e da minha família. Fora disso, se quiserem falar, falamos, com todo o gosto, mas a conversa é sobre música, de preferência sobre o meu trabalho. Infelizmente, o mundo está cheio de ratoeiras. E qualquer coisa que escrevemos ou dizemos é logo mal interpretado. Porquê? Porque as pessoas são mal-intencionadas. Por isso, procuro ter a máxima prudência em qualquer intervenção pública, para não deitar tudo a perder.
Em janeiro deste ano protagonizou um dueto com Nena na música «À espera do fim». Uma homenagem aos emigrantes que estão à espera de regressar a Portugal. Como vê este fenómeno e que afeta muito as novas gerações?
Sempre existiu emigração no mundo, em busca por melhores condições de vida. Tanto dos nossos compatriotas para fora e de cidadãos do mundo para o nosso país. Esta música procura transmitir o sentimento de sentir saudades de estar em casa, muitas vezes esperando um ano inteiro para regressar à terra que nos viu nascer e abraçar os nossos entes queridos.
Disse numa entrevista que faz parte de «uma geração cada vez mais ansiosa». Problemas como as difíceis condições de vida e a habitação, por exemplo, podem ser o fio condutor para futuras composições, numa lógica de esperança?
Para ser sincero são temas muito sensíveis e nunca me foquei muito nisso. Foco-me quase sempre no amor, que é uma matéria-prima com muito sumo, e que se aplica a vários tipos de relações. Mas compreendo a pergunta. Penso que o atual contexto podia propiciar que nos debrucemos em transmitir mais mensagens de esperança a quem está a passar por momentos mais difíceis. Nós, artistas, temos o poder de chegar a muitas pessoas e acredito que uma canção nossa pode contribuir para salvar o dia a quem nos ouve. A música é terapêutica e tem um efeito incrível nas pessoas.
O seu segundo álbum, intitulado «Ela», foi lançado em outubro de 2024. A digressão está na estrada e terá o ponto alto com os concertos no Coliseu de Lisboa, em outubro. É possivel levantar a ponta do véu?
Para já, a bilheteira está a correr muito bem. O dia 25 está esgotado e a segunda data já vendeu mais de metade. Lamento desiludir, mas não quero revelar muito do que se vai passar. Gosto muito do fator surpresa. São dois concertos especiais e estamos a idealizá-los de forma diferente. O exclusivo do concerto ficará apenas para os que adquirirem bilhete (risos).
Para finalizar, tem uma carreira académica curiosa. Frequentou a licenciatura em Agronomia no Instituto Politécnico de Beja e depois Jazz e Música na Universidade Lusíada, um prémio atribuido após a vitória no «The Voice». Que utilidade tem esta formação para si nos dias de hoje?
Costumo dizer que tenho uma licenciatura porque deixei duas a meio (risos). Mas sinceramente gostava de concluir a de Agronomia. Talvez um dia, quando tiver mais disponibilidade. Sobre o curso da Lusíada, não usufruí como devia, devido ao início da carreira artística, mas é uma formação com um potencial tremendo. Mas é muito importante angariar mais ferramentas para utilização pessoal, no dia a dia.
Uma pergunta final: vê-se na carreira artística toda a sua vida?
Não. Para já, a música é o único foco da minha carreira. Dá-me gozo fazer. Mas gosto de investir, conhecer áreas novas. Por isso, vejo-me a fazer outras coisas, em paralelo.
A CARA DA NOTÍCIA
O fado e o cante
Luís Trigacheiro, 26 anos (9 de maio, de 1999), nasceu, cresceu e estudou em Beja e tem esta cidade enraizada na sua cultura, na sua personalidade e na sua voz. “Fado do meu Cante” foi o seu álbum de estreia, em 2022. Uma viagem onde o cante e o fado convivem, ora pela interpretação, pela carga emotiva, pelos instrumentos que lhe dão cor. Mas foi a vitória no «The Voice», no ano anterior, que lhe abriu as portas do grande público. Nunca imaginou passar das provas cegas, quanto mais tornar-se no primeiro vencedor do concurso cujo reportório escolhido foi sempre, sem cedências, música de raiz portuguesa. “Ela” é o segundo álbum, produzido por Luísa Sobral, e que já percorre, em digressão, muitas salas do país. Em outubro terá a prova de fogo no Coliseu de Lisboa.