Este website utiliza cookies que facilitam a navegação, o registo e a recolha de dados estatísticos.
A informação armazenada nos cookies é utilizada exclusivamente pelo nosso website. Ao navegar com os cookies ativos consente a sua utilização.

Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVII

Patrícia Sampaio, judoca 'O judo é uma grande ferramenta para a formação humana'

21-10-2024

Com a medalha de bronze conquistada nos Jogos Olímpicos, em Paris, concretizou um dos sonhos da sua vida. Patrícia Sampaio já tem o foco apontado para Los Angeles, em 2028. Enquanto isso, vai inspirando e atraindo os mais novos para uma modalidade com um «código moral e de valores muito particular.»

Para além da medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Paris, foi ainda porta-estandarte na cerimónia de encerramento, no Stade de France. De que forma é que a sua vida, profissional e pessoal, mudou de 1 de agosto até ao dia de hoje?
Na verdade, mudou drasticamente. Desde que regressei a Portugal, a 4 de agosto, o tempo livre foi escasso. Foram semanas loucas, com muitas homenagens e convites para entrevistas e quis aproveitar todas as oportunidades de reconhecimento, até porque sei que há momentos – como o que tive – que acabam por ter um prazo de validade. Foi extenuante, cansativo e muito emotivo. Mas foi necessário regressar à vida de atleta e não foi fácil conciliar a preparação (treinos bidiários) com as múltiplas solicitações. Mas não posso esconder que esta visibilidade e este reconhecimento foram muito bons para mim, ainda para mais sendo eu de uma cidade pequena (Tomar) e de um clube pequeno (Sociedade Filarmónica Gualdim Pais). Sinto-me uma pessoa mais realizada, ao ter concretizado um dos meus sonhos de vida.

Vivemos tempos onde impera o efémero. O facto de termos uma cultura desportiva muito assente no futebol pode levar a um gradual esquecimento do seu feito?
Vai acabar por acontecer. Entretanto, começarão as outras competições de judo, mundiais e europeus, haverá portugueses a conquistarem lugares de relevo e dificilmente terão o reconhecimento e o impacto que existe quando se consegue uma medalha nos Jogos Olímpicos. Por isso, temo que esse entusiasmo se acabe por desvanecer. Noutros países um medalhado em qualquer modalidade é elevado a herói nacional e a sua vida muda mesmo a partir desse dia.

Os apoios (ou a falta deles) são a eterna questão do desporto português. Conta com o apoio do seu clube, com as instalações onde treina, e de uma bolsa monetária do Comité Olímpico de Portugal. Para além disso, este feito trouxe-lhe patrocinadores?
Admito que foi ingenuidade da minha parte: inicialmente, pensei que a medalha despertasse o interesse de patrocinadores. Mas a verdade é que continuo sem qualquer patrocínio. Estes dois meses têm sido de verdadeira aprendizagem para mim. As provas de judo são transmitidas na SportTV, por isso, não se pode dizer que é por falta de visibilidade na comunicação social. Creio que o verdadeiro motivo para não se apostar no judo é mesmo a mentalidade que existe.

Esta medalha foi o corolário de 16 anos de trabalho. O português comum tem a noção dos sacríficios e do esforço que um atleta olímpico tem de fazer para estar entre os melhores e que em quatro minutos (tempo de um combate) ou até em poucos segundos pode ir por água abaixo o esforço de anos e anos?
A esmagadora maioria dos portugueses nunca fez uma preparação física e mental para estar numas olímpiadas, por isso, é natural que não façam ideia do esforço e dos sacrifícios pelos quais passamos. Muitos deles só se lembram dos Jogos Olímpicos durante as duas semanas em que eles se desenrolam. O facto de ser um evento tão especial e para o qual os atletas se preparam após anos de sacrifícios é que explica as reações tão emotivas quando acontecem, por exemplo, as cerimónias das medalhas. Costumo dizer que um atleta é uma panela de pressão e o fim da sua participação nas olímpiadas é o encerrar de um ciclo em que esteve quatro anos completamente focado na competição.

O judo é a segunda modalidade, a par com a vela, que mais medalhas conseguiu na história dos Jogos Olímpicos para Portugal – com Nuno Delgado, Telma Monteiro, Jorge Fonseca e Patrícia Sampaio. É um sinal de que se trabalha bem nesta modalidade?
Sim, representa uma continuidade e consistência na modalidade. Com a particularidade de termos saído dos últimos três Jogos Olímpicos (Rio, Tóquio e Paris) sempre com uma medalha, tivemos nessas três competições pelo menos dois atletas com capacidade e ambição para chegarem à medalha. Mas sinceramentre acredito que temos capacidade para obter ainda mais medalhas e elevar a fasquia. Há muita vontade, mas faltam apoios e infraestruturas ao nível dos atletas que competem connosco. E isso nos momentos decisivos faz toda a diferença.

Tem sido convidada para palestras em escolas e esteve no final de agosto no Judo Camp, em Sintra. Como se sente a partilhar a sua experiência, os seus ensinamentos e a inspirar novos praticantes?
Soube que a conquista da medalha de bronze coincidiu com o aumento da adesão à prática do judo, especialmente por parte de meninas. Fico muito feliz, ainda para mais sendo eu uma grande incentivadora da preseça das mulheres no desporto. Para além disso, estando inserida num clube de judo é um grande orgulho promover a modalidade. Isso também é importante para mim. Depois de Paris já estive, em palestas ou masterclass, numa escola secundária e numa unversidade. Gosto de olhar para o público que me está a ouvir e sentir que estão a absorver a mensagem que para chegarmos longe é preciso fazer um percurso de disciplina, trabalho e esforço. Sempre procurando contornar os obstáculos que se nos deparam, como as lesões ou as derrotas. O essencial é transmitir os altos e os baixos da carreira de um atleta.

Evitar o sedentarismo, promover a socialização e diminuir o tempo de consumo e exposição aos ecrãs. O desporto e, em particular, o judo devem ser vistos como uma escola de virtudes e de valores?
Com certeza. O judo tem um código moral e de valores muito particular, seja no treino ou na competição. E é fundamental que esses valores se reflitam no dia a dia dos atletas, independentemente da idade. A modalidade é uma grande ferramenta para a formação humana. Em particular para as crianças, que chegam aqui pouco disciplinadas e depois adquirem regras fruto da prática da modalidade: a palavra no início e no fim, a linha, a saudação, respeitar o colega ou o adversário, interagir com o parceiro, ganhar o combate, mas sem magoar. Para além disso, aqui no meu clube, temos praticantes com 3/4 anos e outros na faixa etária dos 40/50 anos, o que é otimo em termos do combate ao sedentarismo. Sobre o uso de telemóveis, pelo menos os mais pequenos, durante hora e meia a duas horas, estão completamente afastados dos aparelhos e focados apenas na prática desportiva. A cabeça está só concentrada no judo.

Faltam-lhe duas cadeiras para concluir a licenciatura em Ciências da Comunicação na FCSH-UNL. Quais são os seus planos para o futuro: continuar ligada à modalidade ou eventualmente enveredar por uma experiência na comunicação social?
Pelo menos mais quatro anos vou continuar no ativo. E quero muito estar em Los Angeles, em 2028. Nos últimos anos tenho refletido sobre a preparação do pós-carreira. Não que esteja a pensar abandonar brevemente, mas pode haver alguma lesão ou imprevisto, pelo que tenho pensado num leque de opções. No judo, tenho os cursos de árbitro e treinador. Fora da modalidade, estou a concluir uma licenciatura em comunicação social e talvez ainda me aventure, em termos académicos, numa área que sempre gostei muito: nutriçao ou ciências do desporto. Será uma forma de dispor de valências em vários campos e no final da carreira poder escolher algo que me preencha de forma igual ou superior à de atleta. Também me vejo ligada ao desporto, como jornalista nesta vertente. É mais uma hipótese a juntar às outras.

Nuno Dias da Silva
Direitos Reservados
Voltar