Francisco Belo faz 30 anos dia 27 de março, é médico e um dos melhores atletas de alta competição portugueses. Nos últimos Europeus de Atletismo em Pista Coberta esteve a três centímetros de conquistar a medalha de bronze no lançamento do peso e obteve a qualificação para os Jogos Olímpicos de Tóquio. O seu percurso académico e de atleta juntaram-se numa caminhada feita de escolhas, muita resiliência e trabalho. Um testemunho que gosta de passar aos mais jovens. Afinal tudo depende das escolhas que se fazem. Para Tóquio, este albicastrense, quer lançar o peso o mais longe possível e surgir na máxima força.
Recentemente obteve a qualificação para os Jogos Olímpicos de Tóquio nos Europeus de Atletismo em pista coberta. O objetivo foi cumprido?
Temos sempre muitos objetivos, cumpri alguns neste europeu, inclusivé a qualificação para os Jogos Olímpicos. É corolário do trabalho feito ao longo dos anos e especialmente da preparação para este momento.
O Francisco Belo é médico. O seu percurso académico e de atleta de alta competição é também um testemunho importante para os jovens que estudam e que praticam desporto?
Espero que sim. Não digo com isto que não tenha tido os meus problemas, momentos bons e menos bons. Não fiz o curso em seis anos, fi-lo em oito. Não há passadeiras vermelhas. Não fiz um percurso imaculado, não sou perfeito. Mas também não é isso que se espera das pessoas. Aquilo que não devemos é colocar a pressão nos jovens de que têm que fazer um percurso perfeito. Não é isso que acontece. Erros todos nós cometemos.
Isso obriga à tomada de decisões e coragem para seguir em frente?
Eu consegui ser resiliente para, com altos e baixos tanto no desporto como nos estudos, ter coragem de fazer as duas coisas. O que foi conseguido tomando as decisões com a cabeça fria, de forma ponderada. Isso permitiu-me concluir o curso de medicina, o mestrado, estar a realizar uma pós-graduação na área da medicina, e focar-me no desporto. Tomei essa decisão, de forma consciente, tentando nunca me afastar da parte académica e da minha profissão futura. Portanto, mais do que o exemplo de que é possível, é importante transmitir aos mais jovens que ninguém é perfeito. Se eles conseguirem ver, entre os bons resultados e a fama, os defeitos que nós temos, e que eles também têm, que é possível conciliar os estudos com o desporto, é o melhor testemunho e inspiração que lhes posso deixar. Eu não gostava de desporto e neste momento sou atleta de alta competição, e disse a mim mesmo, numa altura da minha vida em que faleceu o meu bisavô, que nunca iria entrar num hospital, e hoje sou médico. Mais do que falar da perfeição, devemos falar daquilo que é possível alcançarmos e da resiliência para conseguirmos seguir o nosso sonho e ambição. O perfeito não existe.
Estes resultados implicam um esforço grande ao nível do treino. Como conciliou os estudos com o desporto, sobretudo na faculdade?
Temos que fazer escolhas. Mas isso faz parte de todos nós. Há quem opte por ter uma vida social mais ativa e outras que preferem ter uma vida desportiva mais ativa. Eu acabava por socializar no treino. Houve momentos de maior pressão. Por exemplo, a época competitiva do atletismo coincidia com a dos exames na faculdade. Isso acabou por ter coisas positivas, pois nesse período treinamos menos e descansamos mais, o que permitiu ter tempo para estudar. No entanto, nesse momento obrigou-me a ter que treinar, estudar, competir e fazer exames. E nem sempre é fácil. Fiz os possíveis para manter a sanidade mental para fazer as duas coisas.
Neste momento é atleta de alta competição. Quantas horas de treino diárias são necessárias para a sua preparação?
Isso depende um pouco da altura da época. Mas o treino não é apenas o tempo que passamos no ginásio e no campo, há a fisioterapia, as massagens e tudo aquilo que eu considero importante e que são invisíveis. Em traços gerais treino 3 a 4 horas, depois tenho mais uma hora de aquecimento, meia hora de alongamentos, uma hora de fisioterapia, 30 a 40 minutos para a alimentação, etc. É um dia de trabalho. Vou de manhã para o Jamor e só saio ao final da tarde, e quando chego a casa tenho que preparar tudo para o dia seguinte, como a alimentação. E nos momentos em que tenho grande carga e preciso de recuperação, quando chego a casa obrigo-me a dormir uma sesta de uma hora. As pessoas poderão dizer mas isso é dormir, não é treinar! O que acontece é que se não dormir não recupero para o dia seguinte. E isto obriga a esforço, pois muitas vezes não me apetece dormir depois do treino, mas faz parte processo.
E no meio de tudo isto como é que fica a medicina?
Vai haver uma altura de transição em que eu irei conciliar os dois. Estou a tentar não ficar muito afastado da medicina e a pós graduação que estou a frequentar é útil nisso. Vai surgir o momento em que terei que fazer o ano comum e depois a especialidade. Mas não sei quando isso acontecerá, nem qual a especialidade que irei escolher.
O Francisco Belo é atleta do Benfica. Como é trabalhar num grande clube?
No Benfica tenho todas as armas para poder fazer aquilo que faço. Sou acompanhado por bons médicos, tenho uma equipa multidisciplinar que trata de mim. Aqui tenho a possibilidade de poder estar a 100 por cento no desporto. Nesta perspetiva sinto-me realizado.
Quais são os objetivos para os Jogos Olímpicos?
São os mesmo para as grandes competições. Queremos sempre trabalhar para chegar lá na melhor forma possível. Nos maiores palcos, sejam europeus, mundiais ou Jogos Olímpicos queremos fazer o nosso melhor, bater recordes pessoais, fazer a nossa melhor marca. O resto nós não controlamos.