Deixou tudo para trás e voou para a Europa em busca de subir ao pódio nos Jogos Olímpicos. Não o conseguiu em Tóquio, mas trabalha diariamente para que em 2024,
em Paris, consiga concretizar o seu objetivo.
Há muitos anos que é comum termos futebolistas brasileiros em Portugal. Menos frequente é atletas de outros desportos escolherem o nosso país. O que é que leva uma menina do Rio de Janeiro, uma carioca, a mudar de vida e de continente, viajando para Portugal, ingressando no Benfica, e naturalizando-se portuguesa?
Foram vários os motivos, mas na base esteve o sonho olímpico. Foi o que sustentou a ousadia de vir. Avaliei todas as possibilidades e cheguei à conclusão que vir para a Europa seria uma nova etapa para crescer como atleta e ser humano.
A seleção brasileira não era opção?
Fiz parte da seleção brasileira durante seis anos e durante esse período fui quase sempre a número 2 ou 3 na minha categoria. Para além de a maior parte das grandes competições se desenrolarem na Europa, sempre quis morar fora do Brasil para conhecer novas realidades e ter novas experiências.
Começou no Judo apenas com 8 anos. O que é que a atraiu neste desporto?
No início absorvi todos os valores que os professores me passavam. Mais tarde, já adolescente, descobri que o Judo é uma modalidade muito competitiva e eu sou, desde que me lembro, competitiva por natureza. Sempre gostei de desporto e se não tivesse seguido o Judo, teria enveredado por outra modalidade qualquer. Sempre fui a menina da aula de educação física.
Foi eliminada nos oitavos de final dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Quão frustrante é trabalhar anos a fio e depois ser eliminada em poucos segundos?
Perdi na segunda ronda e foi muito frustrante. Fiz tudo para dar o meu melhor, mas a atmosfera e a pressão que rodeiam umas olimpíadas não se compara com nada. É preciso força suplementar para combater os medos e as ansiedades e dar o máximo, sabendo que a exigência também ela é máxima. Nos Jogos Olímpicos todos estão preparados e não há favoritos. Mas foi frustrante constatar que o esforço que empreguei foi insuficiente. A dor foi intensa, fracassei, mas aprende-se com as derrotas, da mesma forma que se aprende com as vitórias.
Neste ano e meio de pandemia os atletas ficaram muito expostos e afastados da competição. Tornou pública a sua depressão, com o intuito de normalizar o debate sobre a saúde mental dos atletas. Onde é que foi buscar motivação para recuperar de um momento tão duro e adverso?
É preciso respeitar as fases de cada um. Trabalhamos com objetivos e planeamento, mas sem motivação é difícil ter sucesso. Mas tudo tem o seu tempo. Quando regressei de Tóquio estava, de facto, arrasada e pensei em abandonar o Judo. Mas nos momentos em que batemos no fundo, temos de regressar ao básico e aos nossos fundamentos, nomeadamente retornando às origens e ao apoio das pessoas que amamos. Foi com essa atitude que consegui recuperar a filosofia do Judo e também a motivação para voltar a vestir o quimono. E regressei num caminho novo, passando da categoria dos -70kg, para a categoria de -63kg.
Muitos atletas são ídolos das multidões e parecem super-homens, mas sabemos que nem tudo é perfeito. Com a divulgação do seu problema psicológico, pretendeu passar uma mensagem de humanização do desportista?
Acho que sim, mas os atletas que parecem sobrehumanos são a minoria e raramente perdem. Os outros são, como eu costumo dizer, «a equipa dos esforçados», que batalham e enfrentam muitas adversidades e mesmo assim nunca desistem. E fazem escolhas sobre o melhor caminho a tomar. Eu sou um desses.
Ganhou a medalha de ouro no Grand Slam de Paris, em outubro. Em 2024 regressa a Paris para os Jogos Olímpicos. Espera que a cidade-luz volte a ser talismã?
Gostaria muito, mas ainda falta muito para 2024. Para já, procuro construir o meu futuro hoje. Estou focada nesse objetivo, mas não estou obcecada como estava em Tóquio. Sei que tenho um caminho longo e rápido à minha frente, mas creio que até 2024 conseguirei evoluir ainda mais, para me poder apresentar na melhor forma possível.
Qual é a sua rotina de treino?
A minha rotina é não ter rotina. O que está apenas definido são os horários dos dois treinos diários, às 10 da manhã e às 19h30. Hoje, no dia em que falo consigo, fiz duas horas de fisioterapia. Ultimamente, também fico metade da semana em Lisboa, no estádio da Luz, e os fins de semana passo em Coimbra, onde se situa a base da Federação Portuguesa de Judo e também é local para a realização de estágios.
A Telma Monteiro, mesmo antes de vir para cá, sempre foi uma referência para si. Como está a ser tê-la como colega em Portugal?
Já me faltam as palavras para descrever a Telma (Risos). Um presente que a vida me deu foi ter conhecido o lado mais pessoal da Telma Monteiro. Ela inspira muito os outros pelo seu caráter e é, de facto, uma pessoa e uma atleta muito ímpar e diferenciada. A carreira que ela construiu no Judo, iniciada muito tarde, aos 14 anos, é fora de série e diz tudo sobre ela. Hoje, com 35 anos, ainda figura no “top” 10 mundial, o que é fantástico, e disputa as competições ao mais alto nível.
O que é mais importante para definir um campeão: o talento ou o trabalho?
Depende do objetivo. Se quiser ser campeão olímpico ou estar ao mais alto nível de rendimento de forma regular, não basta, certamente, ter talento, tem de trabalhar arduamente. Mas se quiser ser só o melhor do seu ginásio ou da escola, então certamente o talento inato irá permitir que ele se destaque.
Que conselho daria a um jovem que está a treinar Judo e que sonha disputar uns mundiais ou uns Jogos Olímpicos?
Deve ser o mais honesto consigo próprio, nomeadamente com as suas responsabilidades e objetivos. Acima de tudo as pessoas devem ser verdadeiras com o seu sonho. Também acalento o objetivo de ser medalhada olímpica e todos os dias tento ser digna e disciplinada para que um dia seja possível subir ao pódio. Depois há que abdicar de muitos momentos de convívio com família e amigos, descansar muito e treinar com intensidade.
Finalmente, gostaria de fazer uma pergunta mais pessoal. O que é que gosta mais neste país que a acolheu?
Não tenho raízes e história aqui, mas sinto que construí uma base e amigos verdadeiros, que já considero da minha família. Dos portugueses fico verdadeiramente encantada com a sua sinceridade, apesar de serem muito mais fechados do que os brasileiros. Gosto muito de cá estar.
A CARA DA NOTÍCIA
Com Paris no horizonte
Bárbara Timo nasceu a 10 de março de 1991, no Rio de Janeiro. Iniciou-se no Judo aos 8 anos e chegou à seleção do Brasil com 21 anos. Mas não estava satisfeita. No ano de 2019, em busca do sonho olímpico, veio para Portugal - após ter conseguido a dupla nacionalidade - para representar o Benfica e a seleção portuguesa. Ganhou a medalha de prata no campeonato do mundo de Judo, em 2019 e o bronze nos europeus de Lisboa, em 2021. Participou, no verão deste ano, nas Olímpiadas de Tóquio, mas não passou dos oitavos de final. Em outubro último, conquistou uma medalha de ouro no Grand Slam de Judo, que decorreu em Paris, após ter ultrapassado um calvário de lesões e uma depressão. O seu próximo e maior objetivo é regressar a Paris, nos Jogos Olímpicos de 2024, e ouvir no pódio o hino nacional.