O meteorologista amador, criador do projeto «André do Tempo», tem uma legião de seguidores nas redes sociais e sonha apresentar um programa sobre o estado do tempo na televisão.
Pelo que apurei a sua história começa quando tinha 12 anos, quando recebe de presente dos seus pais uma estação meteorológica. É daí que surge o “bichinho” por saber mais sobre o estado do tempo?
Para ser sincero, acho que esta paixão já nasceu comigo. Quando tinha 5/6 anos já percorria as janelas lá de casa, para poder ver a chuva, as trovoadas, etc. Ou seja, o interesse pelos fenómenos meteorológicos é algo que já vem de longe. A paixão foi crescendo com o passar do tempo, mas é aos 12 anos que os meus pais satisfizeram o meu pedido no Natal, com a tal estação meteorológica. Curiosamente, ainda tenho na minha posse essa estação meteorológica.
A aventura na internet começa com o Meteo Montijo e que mais tarde evoluiu para o «André do Tempo», com páginas no Facebook (com 67 mil seguidores) e Instagram (com cerca de 7500 seguidores) e que no verão, já se anuncia, terá um site oficial. Estes projetos têm ou tiveram algum tipo de apoio ou publicidade ou é pura carolice?
Até ao momento não tenho qualquer tipo de apoio financeiro. Por vezes, dou algumas entrevistas (como esta) que ajudam a divulgar e a promover o meu projeto junto das pessoas. Como disse, o site ainda está em período de testes e como é outra fase do projeto já terá fins lucrativos, pelo que nessa altura conto ter apoios publicitários, patrocinadores e parcerias.
Como é que esta atividade se concilia com as outras obrigações diárias? É estudante, certo?
Sim, estou a tirar uma licenciatura na área da Geografia, para posteriormente me formar na área de Climatologia. Para além disso trabalho com Marketing Digital e tenho, obviamente, a minha vida pessoal, que me ocupa boa parte do meu tempo de lazer. Por isso, o «André do Tempo» acaba por se tornar, também, integrante da minha área profissional e acredito que com o site a tendência é que a paixão se torne uma profissão, bem como para outras pessoas que irão colaborar comigo. O André Silva já colabora comigo, mas estará mais presente quando o site começar a funcionar em pleno.
Cultiva uma espécie de meteorologia de proximidade, nomeadamente com a rubrica «como está o tempo na sua região?», onde dá voz aos internautas. Esta interação com a comunidade de seguidores é um dos motivos que está na base do sucesso deste projeto?
Tenho a certeza que sim. O projeto começou do zero e foi ganhando, gradualmente, notoriedade. E é essa proximidade – e a linguagem acessível que utilizo e o dinamismo que emprego – que faz com que este projeto se distinga dos outros – e como sabe são muitos os que existem em Portugal. E é essa interação que faz com que vão sendo criados laços entre as pessoas. Mas não posso esquecer que o passa a palavra tem sido um aspeto muito importante para o crescimento. E nas redes sociais esse passa a palavra traduz-se na partilha dos “posts”. Devo dizer que nunca paguei para promover um “post” das minhas redes. Portanto, o crescimento tem acontecido de forma natural.
Para além da meteorologia sei que tem uma queda para as Ciências da Comunicação. Com esta combinação, sonha um dia apresentar um boletim meteorológico num qualquer canal televisivo?
O ano passado candidatei-me ao ensino superior e entrei em dois cursos: Ciências da Comunicação e Geografia. Optei por Geografia, pela proximidade com a Meteorologia e a Climatologia. Mas as Ciências da Comunicação também estão sempre presentes na minha vida. Recentemente trabalhei numa rádio durante três anos. Ou seja, com esta experiência acumulada em ambas as vertentes seria ótimo combiná-las, por exemplo, a apresentar o estado do tempo. Seria uma excelente oportunidade, sem dúvida. E chegar à televisão é, certamente, um dos objetivos num futuro não tão próximo.
Fazia sentido em Portugal um canal de televisão 24 horas apenas sobre meteorologia como acontece, por exemplo, nos Estados Unidos?
Penso que sim. Mas penso que até essa evolução teremos de ir por passos. Não esqueçamos que, na atualidade, à exceção da RTP, não há praticamente um espaço de Meteorologia nos restantes canais nacionais, em sinal aberto ou no cabo. Penso que se podia ir mais longe, com o recurso a tecnologia bastante avançada, com alguma inteligência artificial. No fundo, algo apelativo para saciar a curiosidade de muitas pessoas que querem saber mais sobre esta área. Seria, seguramente, um sucesso.
Os modelos e as cartas meteorológicas estão disponíveis em vários locais da internet. Quais são as fontes que utiliza para fazer as suas publicações nas plataformas digitais?
Há uma variedade enorme de fontes, a começar, naturalmente, pelo nosso Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), que disponibiliza no seu site várias cartas meteorológicas, com modelos matemáticos. Para que se entenda com clareza: quando as pessoas vão ao site do IPMA, por exemplo, e se deparam na previsão para os próximos dias com “emojis” com o sol, a chuva ou as nuvens, aqueles símbolos são o resultado de modelos matemáticos. Por trás das previsões está sempre a ciência matemática. O que eu faço é a analise e interpretação de um extenso leque de modelos matemáticos, traduzo para texto e partilho nas plataformas digitais do projeto.
Os meteorologistas amadores e profissionais queixam-se da imprevisibilidade da atmosfera. Até quantos dias se pode fazer uma previsão com um mínimo de fidedignidade?
Depende muito. Em situações de anticiclone como as que estamos a viver durante o mês de abril é possível ter alguma fiabilidade até 3 ou 4 dias. Já com as situações que vivemos em março – muita instabilidade, com a passagem de depressões sucessivas sobre o território do continente – nem para a próxima hora podemos ter uma previsão exata. Quero recordar que em março tivemos um tornado, junto a Lisboa. Durante a manhã desse dia antecipei a possibilidade de existirem fenómenos extremos de vento. E poucas horas depois acontece um tornado. Mas a imprevisibilidade, nesse contexto, é muito grande.
O Planeta está confrontado com fenómenos extremos, o que torna mais difícil e arriscado fazer previsões a maior distância. As poeiras de África podem ser consideradas um fenómeno novo ou já existiam?
É inegável que existem alterações climáticas, isto apesar de este termo ser muito banalizado. As alterações climáticas sempre existiram, desde a criação do Planeta. Quanto às poeiras de África, são cada vez mais comuns, é algo que está comprovado cientificamente. Mas há 30, 40 ou 50 anos também existiam, só que a comunicação social não é o que é hoje, e não amplificava o fenómeno como hoje o faz. O facto de sermos muito afetados deve-se à nossa posição geográfica. Estamos muito próximos do deserto do Sahara, o maior deserto quente do Planeta. As massas de ar do deserto sobem em latitude e, consequentemente, as poeiras acompanham essas massas de ar. As secas prolongadas e a desertificação do território devem-se, em grande medida, à posição do anticiclone dos Açores e à nossa localização geográfica.
A Meteorologia é bem mais do que se faz chuva ou sol. Influencia a economia de um país, a agricultura, o lazer das pessoas e até provas desportivas. É um fenómeno transversal a toda a sociedade?
A Meteorologia afeta-nos a todos, enquanto indivíduos e também às próprias empresas. Saber o tempo é importante para o tipo de roupa que vamos vestir, se temos de levar guarda-chuva para a rua, etc. Só que a Meteorologia não é uma ciência exata. E talvez seja essa imprevisibilidade que atrai cada vez mais pessoas para a «magia» desta ciência.
Em agosto de 2022 entrevistei para este jornal o então presidente do IPMA. Na altura, Jorge Miguel Miranda dizia que acompanhava os sites e as páginas de Facebook de todos os meteorologistas amadores. Como é vê o trabalho do IPMA?
É um trabalho exímio e completo, que também inclui o mar, o clima e os sismos, ainda para mais sendo esta uma atividade muito complexa. Talvez aponte uma falha em termos de comunicação, que podia ser melhorada. O site e as redes sociais acabam, por vezes, por estar desatualizados, tendo em conta o que as novas tecnologias requerem nos dias de hoje.
Os avisos do IPMA e os alertas da Proteção Civil são, muitas vezes, alvo de polémica na opinião pública. Na tempestade que se abateu a 7 de dezembro de 2022, em Lisboa, os avisos do IPMA surgiram já chovia torrencialmente na capital há horas. Significa isto que faltou capacidade de antecipação de uma situação grave?
A tempestade de 7 de dezembro de 2022 estava prevista, com muita chuva e vento. A Meteorologia é imprevisível e, por vezes, uma estreita faixa de precipitação muito intensa acaba por se formar subitamente o que pode gerar situações muito graves. Agora é preciso olhar para o futuro e continuar a lançar alertas e avisos com a maior antecedência possível. É preferível ter cautela e avisar as populações, mesmo que o potencial de gravidade das previsões acabe por não se concretizar.
Por ser um meteorologista amador sente que tem menos responsabilidade em publicar determinadas informações?
Não. A minha responsabilidade é acrescida. Não sou de facto formado nesta matéria, estou ainda a estudar, mas quero lá chegar e, entretanto, pretendo manter e reforçar a notoriedade do projeto «André do Tempo». E isso só se consegue informando com responsabilidade, educando as pessoas para estes fenómenos.
A CARA DA NOTÍCIA
Um meteorologista em formação
André Frade tem 27 anos e reside no Montijo. O primeiro projeto de Meteorologia nas redes começou em 2010 com o «Meteo Montijo», tendo posteriormente, em 2019, evoluído para o «André do Tempo», disponível no Facebook e no Instagram. Estuda Geografia, na variante de climatologia, com especialização posterior em Física, no Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa.