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Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVII

Bocas do Galinheiro A jornada do herói

23-01-2024

Uma das estruturas narrativas mais conhecidas, e eficientes, é A Jornada do Herói, um método desenvolvido por Joseph Campbell, na sua obra “O Herói de Mil Faces”, em que protagonistas das religiões, das mitologias, dos contos de fada e do folclore universal representam simultaneamente as várias fases de uma mesma história. Nesta obra começa por escrever que quer escutemos, com desinteressado deleite, a arenga de algum feiticeiro do Congo, ou leiamos, com enlevo subtis traduções dos sonetos do místico Lao-tse; quer decifremos o difícil sentido de um argumento de São Tomás de Aquino, quer ainda percebamos, num relance, o brilhante sentido de um bizarro conto de fadas esquimó, é sempre com a mesma história que muda de forma e não obstante, é prodigiosamente constante, que nos deparamos, aliada a uma desafiadora e persistente sugestão, de que resta muito mais por ser experimentado do que será possível saber ou contar.

Por outro lado, ao longo do livro, Joseph Campbell descreve, passo a passo, a viagem iniciática do herói - a sua partida, iniciação, auge e regresso - cuja aventura transformadora da experiência da alma humana atravessa todas as tradições míticas, e termina analisando o ciclo cosmogónico de criação e destruição do mundo, em que os deuses nascem e perecem ciclicamente no seu crepúsculo, como uma eterna repetição do devir. Depois de comparar exaustivamente o simbolismo de certos sonhos com o das referências mitológicas mais díspares - da Grécia, África ou Polinésia aos contos de fadas tradicionais, Campbell salienta que, devido à progressiva racionalização de todo o nosso sistema de pensamento, as imagens simbólicas refugiaram-se no seu lugar de origem, o inconsciente, deixando-nos desamparados perante os dilemas outrora resolvidos pelos sistemas psicológicos do mito. Como refere "os velhos mestres sabiam bem o que estavam a dizer", e uma vez que aprendemos a ler a sua linguagem simbólica através da psicologia junguiana, a porta para todos os seus mistérios abre-se para nós, acrescentando que “A aventura usual do herói começa com alguém de quem algo foi tirado, ou que sente que falta algo na experiência normal disponível ou permitida aos membros da sociedade. A pessoa, então, embarca em uma série de aventuras além do comum, seja para recuperar o que foi perdido ou para descobrir algum elixir que dá vida. Geralmente é um ciclo, uma vinda e uma volta.”

Porém é com Christopher Vogler, um argumentista responsável por levar a teoria de Campbell para os estúdios da Disney e  que, tendo como ponto de partida a jornada do herói preconizada pelo escritor, escreveu um guia chamado “A Jornada do escritor: estruturas míticas para novos escritores”, que a apropriação pelo cinema em geral foi disseminada.

Ora, é a partir deste guia que muitos filmes vão nascer usando a clássica divisão teatral dos três actos, ou em quatro, em que se desenvolve o percurso do herói na narrativa, dividida em doze etapas. George Lucas, por exemplo, em Star Wars (Star Wars: Episódio IV – Uma Nova Esperança, 1977), o primeiro filme da saga, não esconde que o escreveu à luz da jornada do herói.

Assim, as 12 etapas são: o mundo comum, em que o nosso herói tem ainda uma consciência limitada de um problema; o chamamento, a  chamada à aventura, há um aumento da consciência porque algo lhe acontece; a recusa ao chamado, relutância à mudança, temporária até ao encontro com o mentor,  a quarta etapa,  a da superação da relutância; o cruzamento do limiar, o primeiro portal, ou seja, o comprometimento com a mudança; testes, aliados e inimigos, a etapa em que experimenta a primeira mudança; aproximação da caverna profunda, esta etapa vai prepará-lo para uma grande mudança; na provação traumática, a oitava etapa, é a tentativa de uma grande mudança; depois vem a recompensa, consequências da tentativa, deparam-se-lhe melhorias e retrocessos; no caminho de volta, o herói inicia o caminho de volta ao mundo comum, rededicação à mudança; ressurreição, última tentativa de uma grande mudança, novo combate ou conflito ainda maior, acabando com o regresso, chega o domínio total do problema e retorno ao mundo comum, de pois de ter superado as dificuldades que se lhe depararam.

A partir desta estrutura, o espectador  liga-se ao herói, vivendo como sua a aventura da jornada que, inevitavelmente vai ter um final feliz. Afinal, é isso que todos pretendem. Para quem julga que esta estrutura é exclusiva do cinema, está enganado. Apesar de nem sempre termos consciência de que a estamos a seguir, os filmes da Disney nisso são exímios, basta lembrar, para não irmos mais longe os mais que conhecidos Rei Leão ou À Procura de Nemo, mas também  em filmes como O Padrinho, O Senhor dos Anéis ou a saga Harry Potter, para não sermos exaustivos, há outras áreas da sociedade em que a estrutura é usada, quer no marketing publicitário, quer no político. Na tão conhecida etapa da vitimização, tão querida a políticos, aqui o quadrante é irrelevante, também podemos falar em síndrome Calimero, em que são identificados aliados e inimigos, é muitas vezes determinante para a ressurreição e o regresso, ou seja, quando a vantagem está do lado do adversário, eis que o aqui herói, consegue atrair o espectador/votante.  Como dizia o outro, “é como nos filmes”. Ou melhor dizendo, quem não gosta de uma boa história?

Até à próxima e bons filmes!

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