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Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVII

Luís Paixão Martins, consultor de comunicação ‘Marcelo Rebelo de Sousa é o grande explicador’

20-02-2023

O consultor das maiorias absolutas de Sócrates, Cavaco e Costa defende que a ação política do Presidente da República fica, por vezes, «capturada» pelas suas palavras. Sobre o próximo inquilino de Belém, Luís Paixão Martins defende que o sucessor de Marcelo terá de ter «notoriedade», o que não implica que necessite de apoios partidários para vencer.

No passado verão, na Academia Socialista, apresentou-se como um «consultor reformado e silvicultor estagiário». Mas é conhecido como especialista em maiorias eleitorais absolutas, tendo contribuído para três maiorias absolutas em democracia, com Sócrates, Cavaco e Costa. Quando aceita ser consultor de comunicação e parte para uma campanha, o que é que precisa para definir a sua estratégia?
Não posso falar em termos globais. Cada caso é um caso. Contudo, a consultoria política nunca foi uma atividade que eu levasse de forma muito relevante na minha vida profissional. Agora estou aposentado, mas a consultoria que fiz foi em contextos eleitorais, primeiramente por razões de experiência e depois pelas relações que fui cultivando ao longo da vida. As campanhas eleitorais são, no fundo, campanhas de comunicação e têm uma característica que empolga qualquer consultor desta área que é, no final do trabalho, fazer um balanço objetivo dos resultados. Já quanto a uma campanha para uma instituição, partido ou clube de futebol, por exemplo, o balanço é necessariamente subjetivo e as conclusões podem ser, mais ou menos positivas.

«Como perder uma eleição» é o título (certamente com alguma dose de ironia) do seu livro, mas que na verdade fala mais de vencedores do que de vencidos. A páginas tantas conta uma piada, em que descreve Cavaco como «o institucional», Sócrates, como o «modernaço» e, finalmente, Costa como «o prático». São estes traços de personalidade que permitem gizar o rumo da sua campanha?
São, de facto, pessoas muito diferentes. Por ordem de entrada em cena, José Sócrates era muito avançado para o seu tempo do ponto de vista comunicacional e do “marketing”, com uma linguagem moderna, talvez menos ideológica. Nos partidos socialistas europeus chegou a associar-se ao “blairismo”, que teve origem com o primeiro-ministro britânico, Tony Blair. Por seu turno, Cavaco Silva quando se candidatou a Presidente da República, já tinha mais idade, e trazia consigo um percurso de uma década como primeiro-ministro. É uma pessoa mais rígida, mais formal e se quisermos mais estadista. Mas é muito profissional e muito rigoroso. Finalmente, o atual primeiro-ministro, António Costa é uma pessoa que compreendo melhor por vários motivos: somos lisboetas, vivemos o período do PREC e certamente, apesar de não me recordar, cruzámo-nos inúmeras vezes no “Snob” ou no “Procópio”, locais emblemáticos da vida intelectual, política e jornalística de Lisboa. No contacto que tive com ele, é uma pessoa que dialoga muito e ouve bastante.

Diz que o principal contributo de um consultor passa por conseguir apreender o sentimento dos eleitores que não são fãs do candidato ou do partido em competição. O objetivo passa por captar os que estão do outro lado da barricada ou os abstencionistas?
Basicamente, os indecisos. Até podem ser tendencialmente abstencionistas, mas, na prática, são indecisos. Os clientes, seja em que área for, não me contratam para saber a minha opinião, mas para que eu interprete bem os resultados dos estudos e desenvolva análises que os ajudem a perceber o pensamento dos públicos com os quais eles pretendem comunicar. No fundo, captar a atenção e o interesse dos eleitores que não são fãs e que se pretende que passem a ser. Isso é verdade para qualquer empresa ou instituição, mas também se aplica a uma campanha eleitoral. Por isso, as campanhas eleitorais têm dois objetivos: mobilizar a base eleitoral e atrair aqueles eleitores que não fazem parte da base eleitoral.

A campanha eleitoral dura 15 dias, mas a pré-campanha pode prolongar-se até dois meses. Na última campanha foi convidado precisamente dois meses antes de 30 de janeiro. A vitória do PS nas últimas legislativas é a prova de que as campanhas eleitorais ainda são decisivas para o resultado final?
Todas as campanhas eleitorais são decisivas para o resultado final, seja de que partido for.

Mas as sondagens feitas nas semanas prévias não acabam por indicar uma vincada tendência que dificilmente se altera em 15 dias?
As sondagens feitas fora do período eleitoral não têm qualquer interesse eleitoral porque são uma espécie de caixas de reclamações. Em duas mil pessoas inquiridas, 1.800 não aceitam falar e as restantes 200 querem dizer mal porque estão descontentes. Ou seja, aproveitam a sondagem para dar azo à sua indignação. Nada disso tem a ver com o que acontece no dia das eleições.

Diz, por outras palavras, que os meios de comunicação social anunciam os resultados das sondagens como se estes fossem a Bíblia. Mas muitas sondagens têm falhado e não é só em Portugal. Admite que há inquiridos a mentir ou são as amostras que falham?
O que acontece é que a abstenção acaba por revelar-se muito maior no dia das eleições do que nas sondagens. Nesse caso, há uma mentira. Em Portugal não existe o problema de autocensura dos inquiridos. Já nos Estados Unidos, o caso é diferente. Nas últimas duas presidenciais as sondagens deram resultados muito errados. Na primeira eleição Trump venceu Hillary Clinton, quando todas as sondagens indicavam o triunfo da ex-primeira dama. Já nas últimas eleições, Biden ganhou, por curta margem e não pela folgada diferença que os estudos anunciavam e que chegou a rondar os 17 pontos.

O que é que se constatou?
Concluiu-se que ocorreu um erro fatal: a amostra contemplava 40 por cento dos eleitores brancos que tinham instrução média ou superior, mas na realidade, nos Estados Unidos, os brancos com esta instrução são apenas 20 por cento. Ou seja, as sondagens não inquiriram aqueles excluídos ou auto-excluídos do sistema político e que em urna votariam em Trump.

Essa situação pode, de alguma forma, replicar-se em Portugal?
Em Portugal isso não acontece. Mas todas as sondagens debatem-se com dois problemas: o primeiro é o da abstenção. Há eleitores que dizem que vão votar e não votam. O problema é que não sabemos quais são.

E qual é o outro problema?
Os indecisos. A taxa de indecisos vai diminuindo à medida que a eleição se aproxima, mas há sempre uma faixa de pessoas que até à última afirmam que não decidiram o seu voto. Perante isto, o que as empresas de sondagens fazem é distribuir os indecisos pelos partidos, antecipando o seu comportamento. Nestas últimas eleições, especialmente nos últimos 15 dias de sondagens, a distribuição dos indecisos foi, em grande parte, para o PSD, o que acabou, como se viu no final, por introduzir um fator de erro. E depois há outro aspeto, mais contemporâneo: as sondagens sempre foram vistas como um produto de estudo e agora são, também, um produto de influência e comunicação. E um exemplo disto, é quando uma sondagem abre um telejornal (e ouve-se a célebre frase, «se as eleições fossem hoje, o vencedor era...»), com os resultados a influenciarem tanto a campanha, como os atos dos políticos. Durante várias horas a televisão e os restantes órgãos envolvidos na divulgação da sondagem ocupam mais tempo a analisar a sondagem, do que os atos de campanha. E isso, acaba por influenciar os eleitores, podendo, inclusive, fazê-los mudar de opinião.

Qual é o grau de confiança que tem nas chamadas “tracking poll”?
As “tracking poll” da CNN Portugal foram mais prejudicadas pelo tratamento jornalístico que lhes deram, do que pela qualidade do estudo propriamente dito. Porquê? Porque a empresa fez uma “tracking poll” e o estudo é apresentado em termos jornalísticos como uma sondagem. Na CNN havia um painel em que durante 15 dias os intervenientes comentaram um resultado que parecia diferente, mas que, no fundo, era sempre igual. Em resumo, as “tracking poll” são Instrumentos que do ponto de vista do estudo não permitem tirar as conclusões que os “mass media” acabam por tirar delas.
O que continua a pesar mais na hora de votar: o carisma do líder, a simpatia partidária ou as ideias e as propostas apresentadas?
Nas legislativas o que tem mais peso é a marca partidária. A maior parte dos eleitores, toda a vida, ou vota sempre no mesmo partido ou abstém-se. As transferências de voto partidárias são um fenómeno raro. Contudo, nas legislativas, também há um grande grupo de eleitores que vota no candidato a primeiro-ministro. Por exemplo, não votaria no PS se o candidato não fosse António Costa.

E onde é que ficam as ideias e as propostas na hora de decidir o voto?
As campanhas eleitorais não são muito boas para ideias e propostas. Isto apesar de eu já ter feito algumas autárquicas, em que os projetos, as obras e as propostas contavam. Entretanto, isso ficou muito desgastado. Porventura, pelo facto de muitas das promessas não terem sido cumpridas. Essencialmente, acredito que hoje o fator decisivo para o voto é mesmo a credibilidade e a confiança dos candidatos. Os eleitores votam na pessoa que lhes transmite confiança. E não é por lhes prometerem mundos e fundos nas reformas que os eleitores mais idosos vão votar neles. Importante mesmo é terem a confiança que o seu “status quo” não vai ser alterado.

Recuando no tempo, no governo de Passos Coelho, os cortes atingiram os pensionistas...
Sim. Na última década passámos por um “default”, uma pandemia, agora uma guerra. Ou seja, foram anos cheios de inquietações e imprevistos. É, por isso, compreensível que as pessoas apostem numa ideia de estabilidade, confiança e saber com aquilo que contam.

E nos debates o que é que pode fazer a diferença: a cor da gravata, a maior ou menor agressividade ou o “soundbyte”? Ou até Costa mostrar o seu Orçamento do Estado chumbado pelos parceiros da “geringonça” e que levaria à dissolução do Parlamento?
Os debates são peças e momentos importantíssimos da comunicação dos candidatos com os eleitores. Ouso dizer que os últimos indecisos a definirem o seu voto no PS o fizeram porque o partido do governo era o único que assegurava estabilidade. «Este é o meu programa», foi o que Costa quis transmitir ao levar o Orçamento para os debates, credibilizando, deste modo, as suas medidas e propostas O PS tinha também outra vantagem competitiva face ao PSD, porque os socialistas dificilmente se coligariam com quem os derrubou e os sociais-democratas teriam, necessariamente, de se coligar com o Chega ou a IL. Uma vitória de Rui Rio foi entendida, por muitos, como um tiro no escuro.

A era das redes sociais tornou o papel do consultor de comunicação mais desafiante, emergindo o seu papel de gestor de crises?
O trabalho do consultor de comunicação incide, permanentemente, na gestão de crise e no controlo dos riscos. A grande preocupação dos consultores de comunicação a nível global dá pelo nome de gestão de reputação. O que está em causa na maior parte das organizações não é a propagação das suas ideias, mas a gestão da sua reputação. Gestão essa que tem de ser bastante ativa e ter componentes de “marketing”. Uma campanha eleitoral é um bom exemplo do que é a gestão dinâmica da reputação durante a sua curta duração, introduzindo elementos que ajudem à confiança dos eleitores e evitando episódios desagradáveis.

Sobre Marcelo Rebelo de Sousa disse ser «o comandante supremo das forças mediáticas de Portugal». A sua presença constante e diária no espaço público contribui para banalizar a palavra do Chefe de Estado?
Marcelo Rebelo de Sousa é o grande explicador. O Presidente da República tem esta tendência para explicar, da forma mais acessível possível, o que se vai passando aos portugueses. E às vezes até é mal interpretado, porque ao explicar um tema relacionado com o governo, até se pode pensar que ele está do lado do governo. E até pode não ser o caso. Mas Marcelo não sobrevive sem o contacto com os “media” e, como tal, é chamado a intervir. Não comentando, mas explicando, que é algo bem mais sofisticado e interessante do que o comentário.

Mas a palavra do Presidente continua a ser valorizada como devia?
O que acontece é que a sua ação política fica, muitas vezes, capturada pelas palavras. As suas declarações têm consequências e, por vezes, ele tem de vir assumir o que disse no passado. Dou-lhe o seguinte exemplo: Marcelo anunciou que se o Orçamento do Estado não fosse aprovado, convocaria eleições. E não era obrigado a tal. Mas talvez para pressionar o PCP e o BE, ficou prisioneiro das suas palavras e fomos mesmo para eleições. Mas, em suma, cada Presidente define a sua marca. No passado, tivemos o direito à indignação de Soares e o «deixem-me trabalhar» de Cavaco. Admito que o próximo Presidente da República seja diferente, até porque os eleitores também gostam de mudar e pelo cansaço acumulado de 10 anos de um «Presidente dos afetos».

Para além de ser um professor catedrático reconhecido, Marcelo é um produto televisivo. O seu sucessor também terá de o ser?
Sinceramente não creio que Marcelo tenha ganho as eleições por ser uma vedeta da televisão, mas antes por ser um político que soube usar a televisão. Hoje em dia fala-se muito de candidaturas de personalidades que não são políticos, mas não sei se isso funciona. Acredito que o próximo Presidente da República terá de ter notoriedade. Soares, Cavaco e Marcelo foram todos candidatos presidenciais com génese partidária, mas quando se apresentaram surgiram distanciados dos partidos. Mas todos tinham notoriedade, que lhes adveio, precisamente, da vida política.

O nome que está na boca de toda a gente é do vice-almirante Gouveia e Melo...
Há mais. Fala-se também da Cristina Ferreira. Mas admito que a notoriedade e o sentido de missão que Gouveia e Melo colocou no processo logístico de vacinação fazem dele um potencial candidato. Mas estamos a três anos das eleições. Falta muito tempo.

Acha possível que alguém externo ao sistema político-partidário seja capaz de vencer?
Acho perfeitamente possível um candidato presidencial vencer sem apoios partidários. O que ainda não aconteceu é uma pessoa não ser reconhecida como político avançar e ganhar as eleições. Já temos tido candidatos provenientes de vários setores, inclusive das universidades, e o que se tem visto é que têm falta de capacidade de mobilização do eleitorado. Repito: o que nos diz a História é que na corrida presidencial. os eleitores tendem a identificar-se com candidatos que tenham experiência política.

No seu último comentário, Marques Mendes garantiu que o primeiro-ministro está «desmotivado e frustrado». Estará à espera da oportunidade para sair para um cargo europeu?
Não sou porta-voz do primeiro-ministro. Mas ele tem dito repetidamente que pensa ficar até final da legislatura.

Antes de fundar a LPM, foi jornalista e passou por redações com história. A crise que o setor atravessa pode ainda ser revertida?
Havia uma espécie de “monopólio” do jornalismo, com o “gatekeeper”, em que os profissionais decidiam e definiam qual era a informação que circulava. A imparável revolução tecnológica tornou muito difícil manter o sistema mediático do século XX. Com a tecnologia, esse sistema foi posto em causa. Depois haverá culpas e responsabilidades próprias, naturalmente. Sobretudo num país como o nosso em que há pouca escala. Valha a verdade, que os nossos jornais também já não tinham grande tiragem e Portugal nunca foi dos países da Europa com maior consumo de imprensa. Longe disso. E há ainda outro aspeto: é muito difícil reestruturar um setor quando ele está em crise. As empresas jornalísticas que vão sobrevivendo são, por norma, as que associam a informação ao entretenimento. O seu código vai muito para além da notícia, mas isso também acaba por atrair espetadores. Ou seja, empresas que têm televisão, rádio e eventualmente jornais. Não é por isso de admirar que os telejornais em vez de terem 30 minutos, durem hora e meia ou mesmo mais.

A 25 de abril de 2016 o Presidente da República e o primeiro-ministro foram algumas das muitas personalidades que estiveram presentes na inauguração do “NewsMuseum”, em Sintra, que é gerido por uma empresa da qual é proprietário. Qual é o balanço que pode fazer deste espaço dedicado às notícias, aos “media” e à comunicação?
O “NewsMuseum” é mais um museu de História Contemporânea que exibe a forma como os acontecimentos foram noticiados pelos “mass media”. Por exemplo, quem visitar este equipamento, pode ver como o 25 de abril de 1974 foi contado a partir de um cabine do Rádio Clube. É um museu muito interativo, em que as pessoas se divertem e podem, inclusive, ser, por uns minutos, pivôs de telejornal. Não admira que tenhamos, realmente, muitas visitas de escolas, até porque este é o público certo para um museu desta natureza. Por motivos de gestão de espaço, as visitas são agendadas umas para de manhã e outras para a tarde e só param em período de exames ou de férias escolares.

 

CARA DA NOTÍCIA

O mago das maiorias absolutas

Luís Paixão Martins nasceu em Lisboa, a 1 de janeiro de 1954. Consultor de comunicação e relações-públicas, desempenhou papel central nas campanhas eleitorais de José Sócrates (primeira maioria absoluta da esquerda em Portugal), Cavaco Silva (primeiro candidato de direita eleito Presidente) e António Costa (segunda maioria absoluta da esquerda em Portugal). Contudo, a sua carreira começou no jornalismo. Em 1971, iniciou então a atividade profissional como locutor na Rádio Renascença. Em 1975, ingressou na redação do jornal “Novo”. Em 1976, transitou para a Agência ANOP. Voltou à rádio em 1979, quando foi lançada a Rádio Comercial, onde foi editor dos noticiários da manhã e editor dos programas da direção de informação. Em 1985 foi chefe de redação da Agência NP (Notícias de Portugal). Colaborou nos semanários “O Jornal” e “Se7e”. Em 1986, deixou a profissão de jornalista para se dedicar à consultoria em comunicação e relações públicas, fundando a LPM Comunicação, empresa que liderou até 2014. Em 2015, fundou a Associação Ata Diurna, promotora do “NewsMuseum”, em Sintra. «Como perder uma eleição» é o seu livro mais recente, editado pela Livros Zigurate.

Nuno Dias da Silva
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